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quarta-feira, 31 de maio de 2023

Gripe aviária: o que é e por que a doença é motivo de preocupação ao Brasil

 “Estamos em um momento crítico”, diz pesquisadora sobre a doença

Detectado nesta semana no Rio Grande do Sul, o vírus da influenza aviária chegou à América do Sul, com infecções de aves silvestres e nas chamadas criações de “fundo de quintal” na Colômbia, Venezuela, Chile, Equador e Peru. “Estamos em um momento crítico”, afirma a pós-doutora em Ciência Animal e professora da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Liris Kindlein.

A doença, causada pelo H5N1, foi detectada pela primeira vez na China, em 1996, e desde então, periodicamente, causa problemas em diferentes regiões do mundo. Encontradas na Europa a partir de 2020 - e nos Estados Unidos em 2021 - novas cepas do vírus levaram a surtos da doença no hemisfério norte.

Entenda, a seguir, o que é a doença, quais são as causas da atual crise e por que há preocupação das autoridades com uma possível chegada do vírus. Saiba também o que os produtores e público em geral podem fazer para evitar sua chegada.

O que é Influenza Aviária?

A influenza (ou gripe) aviária é causada pelo vírus H5N1 e variantes, com características genéticas que sofrem mutações frequentemente. A doença afeta majoritariamente aves, mas pode também afetar mamíferos, inclusive humanos, com sintomas que vão desde dificuldade para respirar à secreção nasal, espirros, diarreia e incoordenação motora. Estes são mais graves em ocorrências da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP), que tem potencial para levar à morte dos animais e, por isso, é mais preocupante para autoridades em relação à influenza aviária de baixa patogenicidade (IABP), forma mais branda da doença.

A transmissão do vírus pode ocorrer de indivíduo para indivíduo e a partir de material contaminado, como fontes de água e alimentos. Por isso, há uma forte preocupação com o movimento das aves migratórias em direção ao hemisfério sul, como afirma Liris.

Histórico da doença

De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), o vírus foi detectado pela primeira vez na China, em 1996, e em 1997 causou surtos em Hong Kong, com 18 humanos infectados. A doença foi então controlada e ressurgiu em 2003, com surtos em aves e eventuais infecções humanas na Ásia, África, Europa e Oriente Médio. Entre 2014 e 2016, o vírus também causou mortandade de aves no Canadá e Estados Unidos.

Na Europa, problemas com o vírus voltaram a surgir a partir da primeira metade de 2020. De lá para cá, já foram detectados casos da doença em 37 países na maior epidemia de gripe aviária já vista no continente, que se agravou entre junho e setembro deste ano, segundo a European Food Safety Authority (EFSA). A entidade contabiliza 2,4 mil surtos em aves domésticas e 47,7 milhões de animais sacrificados por conta da doença, em especial na Alemanha, França, Holanda e Reino Unido. Através da migração das aves, o vírus chegou novamente aos Estados Unidos no início de 2021, onde já levou à morte 52 milhões de aves.

Além de causarem aos europeus e norte-americanos um aumento de preços da carne de frango e ovos, os surtos de gripe aviária levaram a perdas econômicas. Só nos Estados Unidos, os prejuízos até agora são de 2,5 a 3 bilhões de dólares, de acordo com estimativas divulgadas pelo Poutry World. Na Europa, a crise levou a um aumento de importações de carne de frango e foi, junto com a guerra entre Ucrânia e Rússia, um dos principais motivos para uma projeção de recorde nas exportações brasileiras do produto para este ano, de 4,8 milhões de toneladas, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Esses prejuízos não pararam no hemisfério norte. Em outubro deste ano o vírus foi detectado pela primeira vez na América Latina, com casos no México tanto em aves silvestres quanto em aves de criação. Desde então o vírus também foi detectado na Colômbia, Venezuela, Chile, Equador e Peru e tem sido motivo da divulgação de alertas no Brasil, com o objetivo de reforçar medidas de biosseguridade entre produtores e público em geral, além de reforços na segurança pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Com o que devemos nos preocupar

O Brasil é o maior exportador e segundo maior produtor de carne de frango do mundo. Assim, a chegada do vírus, nunca antes detectado, é motivo de alarme. De acordo com a Food and Health Organization (FAO) a doença causa perdas econômicas de entre 10% e 20% do valor bruto da produção aos países afetados, o que pode ser ainda pior em países em desenvolvimento. Além disso, as infecções não levam apenas à perda de animais, mas também a possíveis restrições ao comércio exterior e desequilíbrio no mercado interno, como ressalta a professora Liris.

“Um foco de influenza aviária acarreta grandes perdas econômicas e relevante impacto social. A influenza aviária é uma enfermidade com reflexos no comércio nacional e internacional e, no caso de transformar-se em pandemia, as perdas seriam incalculáveis”, afirma a pesquisadora. Entre os possíveis impactos, Liris elenca gastos com controle e erradicação, queda das exportações, queda da demanda interna, queda de produção, queda de preços e troca de parceiros comerciais.

Como terceiro maior exportador de carne de frango do país, o Rio Grande do Sul pode ser um dos mais afetados com a chegada da doença. Liris enfatiza que estamos no período de maior migração de aves do hemisfério norte para a América do Sul, que vai de novembro a abril, o que levou o país a intensificar medidas de vigilância, especialmente nos sítios de aves migratórias. No Estado são encontrados dois destes sítios, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe e a Estação Ecológica do Taim.

O que está sendo feito pelas autoridades?

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já mantém vigilância permanente para a doença em todo o território nacional, em portos, aeroportos internacionais, correios, postos de fronteira e estações aduaneiras do interior. Um novo Plano de Vigilância para Influenza Aviária foi publicado em julho de 2022, com revisão de diretrizes e atendimento para atender e identificar casos suspeitos. Além disso, o ministério elaborou um plano de comunicação específico para detectar casos e implementar medidas de biosseguridade e, no dia 8 de dezembro anunciou um reforço nas medidas de segurança, com intensificação de ações como testagens de amostras e apoio à certificação do Brasil como país livre da Influenza Aviária. Na mesma publicação, o ministério alertou para a necessidade de notificação imediata de qualquer suspeita de influenza aviária, de forma presencial, por telefone, ou na plataforma e-Sisbravet, aos Serviços Veterinários Estaduais ou Superintendências Federais de Agricultura.

 Autoridades testam amostras possivelmente contaminadas constantemente. Foto: Laboratório de Saúde das Aves / Divulgação CNA / CP.

Enquanto isso, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) recomendou a suspensão de visitas em estabelecimentos da avicultura no Brasil. “Apenas quem trabalha diretamente e exclusivamente na respectiva unidade produtiva deve ter o acesso autorizado”, diz nota divulgada pela associação. Entre os protocolos recomendados pela entidade, estão a higienização das mãos e troca de roupas e sapatos antes de adentrar as granjas; desinfecção de todos os veículos que acessam a propriedade; e evitar o contato da granja com outras aves, em especial aves silvestres.

No Rio Grande do Sul, a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) emitiu alertas e mantém vigilância com 280 fiscais e 250 técnicos. A Seapdr atua em duas frentes: no atendimento de casos suspeitos, quando há notificações, e com visita a granjas e coleta de material. Os fiscais também monitoram constantemente aquelas criações chamadas “de fundo de quintal'' em zonas de maior risco, próximas a sítios de aves migratórias. Outra mobilização é da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav). “Nós estamos trabalhando ativamente com os órgãos oficiais para fortalecer a prevenção e fiscalização, com muita mobilização, estamos trabalhando fortemente para blindar o setor", diz o presidente executivo da associação, José Eduardo dos Santos.

Empecilhos 

Mesmo com todas as medidas anunciadas, a doença ainda é motivo de preocupação, para a professora Liris. “(As medidas) são eficientes se forem 100% executadas em todas as regiões do país e em especial, nas redondezas das nossas granjas comerciais. Só que sabemos que 100% é algo difícil de garantir”, diz. De acordo com ela, alguns dos fatores que aumentam os riscos para o Brasil são o crescente trânsito internacional de pessoas, comércio internacional de produtos, intensificação da produção e diversidade de aves silvestres em migração para o território nacional. 

Diante desses riscos, a professora considera que o governo poderia investir mais em incentivo a boas práticas e disseminação de informação, em especial para a população de áreas litorâneas e de fronteira, com maior risco de introdução da doença. “Poderia haver algum programa de incentivo do governo federal aos produtores de aves para casos de eliminação/sacrifício de aves infectadas ou suspeitas, visando a notificação transparente de ocorrências da doença e, consequentemente, celeridade na eliminação dos focos da doença”, opina. 

O que mais pode salvar o Brasil

Quanto a uma possível iminência de chegada da doença no Brasil, o pesquisador da Embrapa Suínos e Aves Luizinho Caron afirma que casos de sucesso no exterior trazem esperança. A Austrália, por exemplo, fica próxima do sul da Ásia e da China, regiões que têm problemas com a influenza aviária desde 1996. “E ela (a influenza) não chegou na Austrália, que também tem uma grande área costeira e produção comercial tanto de ovos quanto de carne de frango, então isso nos dá um otimismo em certo sentido”, explica Caron.

Na mesma linha, a professora Liris destaca as proteções geográficas e naturais, entre elas a presença da Floresta Amazônica e da cadeia de montanhas Andina, que funcionam como barreiras, e a distância entre o sul do Brasil, área com maior produção, dos países sul americanos que já registraram casos. 

Uma nota emitida pela ABPA também procura tranquilizar produtores. “Cabe lembrar que os casos registrados na América do Sul ocorreram no litoral, em aves aquáticas locais e migratórias. Existem questões geográficas que também protegem o nosso setor desta enfermidade que afeta apenas os animais. Mesmo assim, estamos em alerta total para manter o Brasil em sua posição como maior exportador mundial e segundo maior produtor de carne de frango, além de expressivo produtor de ovos”, diz o presidente da ABPA, Ricardo Santin, no comunicado divulgado.

O que pode ser feito por produtores e toda a sociedade para evitar a entrada do vírus

A conjuntura torna o cuidado para evitar a entrada da doença uma responsabilidade de todos. “É fundamental que todas as pessoas, mesmo leigas e que não estejam diretamente envolvidas na produção avícola, também se conscientizem”, diz Liris. Ela ressalta que qualquer contato ou observação de aves com sintomas devem ser notificados.

Os sintomas mais comuns são:

  • Tosse;

  • Espirro;

  • Secreção nasal;

  • Penas arrepiadas;

  • Inapetência;

  • Queda de postura;

  • Prostação;

  • Morte súbita sem sinais;

  • Sinais nervosos.

A SEAPDR recomenda as seguintes medidas:

  • Telas dos galpões e passarinheiras íntegras para que evitem a entrada de pássaros;

  • Corrigir falhas de vedação nos galpões;

  • Remoção de ninhos de pássaros nos telhados e de entulhos no entorno dos galpões que possam servir de abrigo para roedores;

  • Veículos devem ser desinfetados antes da entrada e na saída das granjas;

  • Controle rigoroso do trânsito de veículos e pessoas. Não permitir a entrada de pessoas que não fazem parte do processo de produção;

  • Manter registro de entrada de pessoas e veículos;

  • Utilização de roupas e calçados exclusivos dentro dos aviários;

  • Pessoas que trabalham nas granjas devem evitar ao máximo o contato com outras aves;

  • Controle permanente de roedores;

  • Proteger fontes de água e caixas d’água.

Liris lembra também da importância da participação das granjas e indústrias. “Ao setor privado cabe basicamente o auxílio financeiro para ajudar o Serviço de Vigilância Oficial (SVO) no combate dos focos das doenças, por meio de fundos de compensação financeira”, destaca. Segundo ela, também é preciso que o setor ajude no desenvolvimento de ações emergenciais e realizem boas práticas na produção.


Correio do Povo

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