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domingo, 9 de janeiro de 2005

A difícil tarefa de explicar o horror

Depois da morte de mais de 150 mil pessoas, as religiões tentam descobrir um significado para a tragédia

PETER GRAFF

Reuters/Londres

Sempre que acontece um desastre, uma tragédia, a pergunta é feita. Dias atrás, ela foi repetida mais uma vez, agora na boca de uma mulher idosa em um vilarejo destruído do Estado de Tamil Nadu, no sul da Índia

  • Por que fez isso conosco, Deus? O que fizemos de errado?

  • Chorava ela.

Os tsunamis de 26 de dezembro, ondas gigantes assassinas que mataram mais de 150 mil pessoas, desafiam as grandes religiões do mundo. A tragédia atingiu indiscriminadamente muçulmanos indonésios, hinduístas indianos, budistas tailandeses e do Sri Lanka, além de cristãos e judeus que faziam turismo nas praias do Oceano Índico. Nos templos, mesquitas, igrejas e sinagogas de todo o mundo, pede-se aos religiosos que expliquem: como um Deus benevolente pode lançar tanto horror contra pessoas comuns? Alguns líderes religiosos descreveram a destruição como parte do plano de Deus, como prova de seu poder e como punição pelos pecados dos humanos.

É a expressão da grande ira de Deus com o mundo. O planeta está sendo punido pelas coisas erradas, seja o ódio desnecessário, a falta de caridade, a torpeza moral – disse à agência de notícias Reuters o rabino-chefe de Israel, Shlomo Amar.

Pandit Harikrishna Shastri, sacerdote do grande tempo hindu Birla, em Nova Délhi, declarou que o desastre foi causado por “uma enorme quantidade de maldade humana na Terra”, além da posição dos planetas. Para Azizan Absul Razak, líder religioso muçulmano e vice-presidente do Parti Islam se-Maysia, partido oposicionista islâmico da Malásia, a tragédia foi um lembrete de Deus que “ele criou o mundo e pode destruí-lo”. O xeque Ibrahm Mogra, influente líder religioso muçulmano de Leicester, na Grã-Bretanha, também deu sua opinião.

  • Acreditamos que Deus tenha o controle total sobre sua criação. Temos a responsabilidade de tentar atrair a bondade e a misericórdia de Deus e de não fazer nada que atraia a sua fúria.

Maria, 32 anos, uma testemunha de Jeová do Chipre que acha que o Apocalipse está se aproximando, afirmou que as pessoas começam a prestar atenção em suas palavras. Mas, para outros, calamidades como a do final de dezembro podem provocar a rejeição da fé. Ateu britânico Martin Kettle escreveu no jornal britânico The Guardian que os tsunamis deveriam obrigar as pessoas a se perguntarem “se Deus existe e pode fazer coisas como essas” – ou se não há Deus, apenas a natureza.

  • Não há problema para explicar a tragédia pela visão da ciência. Houve um fato natural burro, que destruiu tanto os muçulmanos como os hindus. Um sistema de crença não-científico, especialmente um que se baseie em qualquer tipo de noção de ordem divina, no entanto, deve explicações – escreveu Kettle.

Conforme o rabino americano Daniel Isaak, da congregação Neveh Shalom, em Portland, Oregon, essa é uma questão com que os religiosos lidam quase todo dia, quando consolam as pessoas em relação às tristezas diárias da vida – e não só nas épocas de grandes catástrofes.

  • É muito difícil acreditar em um Deus que não apenas cria tsunamis que matam milhares de pessoas, mas que põe defeitos de nascimento em crianças. Muitas vezes a primeira pergunta que as pessoas fazem é aquela feita pela mulher indiana. Por que Deus está fazendo isso comigo? – admite o rabino.

Para alguns, Deus não interfere em sua criação

Segundo Isaak, na visão moderna no entanto, Deus não interfere nas questões de suas criações. Catástrofes como as dos tsunamis no sul da Ásia ocorrem pelos motivos naturais apontados pelos cientistas.

  • Não foi algo que Deus fez. Deus não escolheu um determinado grupo de pessoas em determinada área do mundo e disse: “Vou puni-los”. O mundo tem certas imperfeições em sua ordem natural, e temos que conviver com elas. A pergunta não é “Por que Deus fez isso conosco?”, mas “Como nós, seres humanos, cuidamos uns dos outros?” – opinou Isaak.

O teólogo grego ortodoxo Costas Kyriakides, do Chipre, tem uma visão semelhante:

  • Pessoalmente, não vejo nenhum significado teológico nisso. Deus é sempre o bode expiatório. É sempre culpado, injustamente, por nós.

Fonte: Zero Hora, página 32 de 9 de janeiro de 2005.