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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Golpista das férias: o agente de luxo acusado de embolsar R$ 1,5 milhão de clientes

 por Rafael Barifouse e Oana Marocico

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O agente de viagens Rafael Bessa fez em maio um jantar para apresentar a clientes as novidades do verão europeu.

Gente da alta sociedade, personalidades e influencers foram recebidos em um luxuoso salão em um bairro nobre de Belo Horizonte. No cardápio, massa fresca, filé mignon, camarão, lagosta e canoles de pistache — tudo hamornizado com vinhos e espumantes.

"O evento foi maravilhoso", diz a joalheira Ana Jalenna.

 

"Tinha mais pessoas do que eu esperava, pessoas que não vão quase a nenhum lugar, mas foram naquele evento. A gente estava lá, comendo, bebendo, se divertindo", acrescenta.

"Mas a gente não sabia que ele já estava dando golpe em alguns de nós."  

Ela começou a desconfiar no dia seguinte, quando uma amiga ligou contando que tinha comprado uma viagem com o agente, mas que os hotéis diziam não ter reservas em seu nome.

Ana já tinha passado momentos "maravilhosos" em um hotel no Ceará em uma viagem organizada por Rafael Bessa e decidiu comprar mais duas viagens com o agente.

Uma para um resort de ski nos Alpes franceses, e outra para o sul da Itália. Pagou parte em dinheiro e colocou o resto no cartão de crédito.

 

Ana conta que Bessa pediu para enviar os vouchers dos hotéis "mais para frente" porque ainda faltavam alguns meses para a viagem. Ela concordou — e por isso não tinha nenhum dos comprovantes das reservas quando recebeu o telefonema da amiga.

"Eu pensei: 'Ai, meu deus! Vou começar a pedir as confirmações agora!'", diz Ana.

Ela cobrou Bessa e, algum tempo depois, estranhou ao ver na conta do seu cartão, cujos detalhes ela havia compartilhado com o agente, uma compra de passagens aéreas na British Airways no valor de R$ 4,5 mil.

Bessa alegou que se tratava do pagamento do hotel na Itália e que a cobrança aparecia assim porque ele tinha usado uma plataforma para agentes de viagem.

Ana desconfiou e escreveu para o hotel, que respondeu que a reserva estava feita, mas não paga. Ela cancelou a compra no cartão e conseguiu pelo menos essa quantia de volta.

Ana também entrou em contato com o hotel na França e descobriu que o número da reserva que Bessa tinha passado não existia. O agente enviou um voucher, mas o hotel informou a Ana que o pagamento pelos quartos — cerca de R$ 16 mil — ainda não havia sido feito.

Em uma mensagem de áudio para Ana, Bessa garantiu: "Pode ficar tranquila, você não vai perder nada da viagem. Eu já liguei para eles e ainda precisa dar baixa [no pagamento], mas pode ficar super tranquila que você não vai ter nenhum tipo de dissabor".

Ana diz que Rafael Bessa nunca enviou a confirmação da reserva. "Eu perdi o dinheiro, a viagem, o sonho. Eu perdi tudo."

Rafael Bessa não aceitou ser entrevistado, mas insistiu por email à BBC News Brasil que reservou o hotel na Itália para Ana e que a reembolsou pelo hotel na França depois que ela supostamente decidiu cancelar a viagem.

Mas Ana diz que não cancelou a viagem. Em mensagens trocadas com o agente e compartilhadas com a reportagem, ela falou para Bessa que queria prosseguir apesar de tudo. Ana diz que nunca recebeu o dinheiro de volta.

A BBC News Brasil encontrou, após investigar Rafael Bessa por quase um ano, cerca de 70 pessoas que, assim como Ana, dizem terem sido enganadas por ele.

O número de golpes de viagem pela internet aumentou muito em todo o mundo desde a pandemia, diz a Organização das Nações Unidas (ONU) e se tornaram problema "sistêmico e global".

A maioria dos clientes que acusam Bessa são mulheres de boa condição financeira que o contrataram para organizar suas viagem. Dizem ter pagado antecipadamente por passagens de avião e reservas de hotéis que não foram de fato pagas pelo agente.

Em outros casos, donos de hotéis ou agências afirmam que o contrataram para prestação de diferentes serviços em relações que frequentemente acabaram mal.

Os clientes ouvidos pela BBC News Brasil dizem ter sofrido prejuízos que variam entre R$ 3 mil e R$ 200 mil reais. Os casos ocorreram nos últimos cinco anos. Os mais recentes foram há poucos meses.

Ao todo, os clientes de Rafael Bessa afirmam que ele teria recebido cerca de R$ 1,5 milhão por serviços de viagem que ele não entregou. Vários dizem já tê-lo denunciado à polícia.

O agente de viagens também foi alvo de ao menos seis ações na Justiça em que enfrenta acusações semelhantes. Em quatro, o juiz mandou ele devolver o dinheiro aos clientes.

Em uma das decisões contra ele, a juíza afirmou que o agente de viagens agiu de má-fé e "faltou com a verdade a todo momento". Dois processos ainda estão correndo. Bessa nega as acusações.

Ele ganhou uma outra ação, que ele próprio moveu contra um cliente que cancelou parte do pagamento, após essa pessoa não se manifestar de nenhuma forma no processo.

Um grupo de 50 pessoas também se prepara para processá-lo, mas o advogado que os representa disse que ainda não entrou na Justiça "porque novas vítimas não param de surgir".

Rafael Bessa negou todas as acusações e disse à BBC News Brasil estar "chocado" e "surpreso com a quantidade de erros": "90% dos seus fatos são falsos", afirmou por email.

Bessa também pediu à reportagem para procurar seus advogados, mas o escritório de advocacia sediado em Londres e indicado por ele disse que não o representa.

A BBC News Brasil pediu para Bessa esclarecer esse e outros pontos, mas o agente de viagens não respondeu mais às mensagens da equipe de reportagem.

A agência de viagens de Rafael Bessa — a Rafael Bessa Signature Travel — vende viagens de luxo para destinos exclusivos, com hotéis estrelados e passagens de primeira classe.

Ele é com frequência descrito por seus clientes como alguém inteligente e educado, bem relacionado, uma pessoa viajada que conhece o que há de melhor para se fazer e se conhecer mundo afora.

Vários contam que ele os tratava como se fossem amigos. Ele também oferecia com frequência preços mais baratos e dizia que conseguia isso porque conhecia muita gente no mercado.

Bessa organizou algumas viagens muito bem sucedidas para seus clientes, e isso os levou a recomendá-lo para amigos ou a viajar de novo com ele.

Era aí que uma viagem dos sonhos podia virar um pesadelo. E as pessoas que se dizem lesadas nem sempre eram ricas.

Adriane Trofin comprou com Rafael Bessa uma estada de uma semana em um resort da rede Club Med na Grécia para ela e mais 13 amigos e familiares.

Mas, na hora marcada para eles pegarem o transporte do aeroporto de Atenas para o hotel, nenhum veículo apareceu, segundo ela relatou.

Por mensagem, Bessa disse que o encarregado logo chegaria e passou para ela telefones em que ela poderia se informar sobre o assunto. Nenhum funcionou, disse Adriane Trofin.

Bessa disse então que estava entrando no metrô e que a bateria do celular estava acabando. Ela conta que ele parou de responder às suas mensagens.

"Ele sumiu por um tempo. A gente sentou, começou a esperar e nada. O tempo foi passando e ninguém ligava para a gente. Eu sei que no total a gente ficou no aeroporto umas seis horas", conta Adriane.

O grupo chamou a atenção de David Doepfer, o gerente de operações do Club Med no aeroporto de Atenas. Ele era o responsável pelo transporte dos hóspedes do hotel, mas o grupo de Adriane não estava na sua lista daquele dia.

David também estranhou as confirmações de reserva que Bessa havia enviado para o grupo porque eram diferentes das que ele costumava ver no dia-a-dia.

"Ele nunca enviou uma confirmação de reserva para eles, e eu sei disso porque eu liguei para o escritório no Rio. Ele nunca pagou pelos quartos", diz David Doepfer à BBC News Brasil.

Em uma troca de emails internos do Club Med sobre o caso, na qual Adriane foi copiada por engano, um funcionário da rede diz que os documentos teriam sido "manipulados".

A BBC News Brasil entrou em contato com o Club Med para esclarecer quais teriam sido as alterações, mas a empresa informou por meio de seu departamento jurídico que só se falará sobre o caso na Justiça, se for necessário.

Adriane diz que tentou ligar várias vezes para Bessa enquanto estava no aeroporto, e ele não atendeu. Mas, quando David ligou para o agente de viagens, ele atendeu.

"O Rafael disse para o David que tinha sido um erro do hotel e que ele estava falando com uma pessoa de lá para resolver, mas David respondeu que não tinha ninguém com aquele nome. Ele percebeu que o Rafael estava mentindo", conta Adriane.

David, que a essa altura tentava ajudar Adriane, insistiu para Bessa reservar um outro hotel em Atenas para o grupo enquanto eles tentavam resolver onde ficariam no resto da semana.

Bessa concordou, mas David diz que, quando ligou para o novo hotel, soube que os quartos não estavam pagos e que o grupo de Adriane é que teria que acertar a conta.

"Eu nunca vi nada parecido na minha vida", diz David.

Adriane conta que eles acabaram reservando um outro hotel para passar o resto da semana e que seu marido decidiu arcar com todos os custos. Ele se sentia responsável já que sua esposa havia organizado a viagem para os amigos com o agente.

"Eu não acho isso certo, porque o erro não foi nosso", diz Adriane.

"Eu fiquei esses setes dias discutindo com o Rafael dia e noite. Em nenhum momento ele deu uma justificativa para o que tinha acontecido", acrescenta.

"Eu tentei fazer ele devolver pelo menos uma parte do dinheiro, porque, como o outro hotel tinha tudo incluído, a gente tinha levado pouco dinheiro. Ele começou a debochar da gente."

Em mensagens trocadas com Bessa que Adriane mostrou à BBC News Brasil, ele escreveu: "Eu não entendo, vocês viajam sem dinheiro? Como pode? (...) Na minha família, viajamos com dinheiro. (...) Você e esse seu povo retardado é dose".

Adriane diz que Bessa prometeu devolver parte do dinheiro, mas nunca fez isso.

Adriane conta que o agente enviou mensagens para amigos do seu marido que haviam viajado com eles para dizer que tudo tinha acontecido porque Adriane não tinha pagado a ele pela viagem. Ela tinha sido a responsável por intermediar algumas das transferências de dinheiro de pessoas do grupo, que viviam em Londres, para Bessa, residente no Brasil.

A experiência a deixou "emocionalmente destruída", e seu casamento, abalado. "Eu e meu marido brigamos quase todo dia por causa disso", diz Adriane.

"O Rafael me deixou doente, eu sinto uma tristeza profunda. Era meu sonho fazer essa viagem. Eu sempre tive muitos sonhos, mas agora eu não consigo mais fazer planos."

Rafael Bessa disse à BBC News Brasil que cancelou a reserva do grupo de Adriane porque ela supostamente não teria pagado a ele. Alegou também que Adriane deve dinheiro a ele por passagens de avião que ela comprou separadamente com Bessa.

Mas Adriane apresentou à reportagem cópias de comprovantes de transferências feitas para o agente que, somadas, cobririam os custos do hotel.

Ela também diz que havia acertado com Bessa que pagaria pelas passagens em parcelas, como eles já tinham feito outras vezes, e que ela estava em dia com ele na data da viagem - e mensagens enviadas por Bessa à BBC News Brasil com cronograma dos pagamentos acertados entre os dois confirmam isso.

Adriane conheceu Rafael pelo Facebook. Ela fez um comentário em uma página sobre viagens, e o agente a adicionou entre seus amigos. Adriane ficou impressionada com o que ele publicava sobre viagens em seus perfis nas redes sociais.

"Era só lugar de alto nível mesmo, eu até falei 'a gente não tem o dinheiro desse povo'. Ele disse que tinha público para tudo, hotel para todos os gostos. Foi muito convincente, muito."

Adriane diz que Rafael passava a imagem de ser uma pessoa "poderosa". "Ele dizia que tinha um apartamento em Londres, escritório no Brasil, na Suíça e na Inglaterra. Parecia ser muito rico, bem de vida, de família rica. Ele dizia que tinha um pai poderoso, tinha uma mãe poderosa… todo mundo na casa dele era poderoso."

Rafael Bessa costuma se apresentar como alguém rico e influente e contar que estudou em internatos na Suíça e no Reino Unido.

O Aiglon se orgulha de oferecer uma educação de excelência em meio aos Alpes suíços. O ano letivo custa no mínimo o equivalente a R$ 390 mil, segundo o Swiss Learning, organização que representa instituições de ensino do país.

O diploma do St. Clares's, em Oxford, abre as portas de algumas universidades de maior prestígio do mundo para seus estudantes. Os alunos pagam ao menos R$ 285 mil por ano para estudar lá, de acordo com o site da instituição.

Ambos disseram à BBC News Brasil que Rafael Bessa não estudou nestas escolas.

As informações sobre a educação de Bessa hoje não constam mais em seu LinkedIn.

Bessa também diz no perfil que tem entre seus clientes o hotel XV Beacon, nos Estados Unidos. Mas a gerência do hotel disse à reportagem que nunca trabalhou com o agente.

A BBC News Brasil também conversou com funcionários de outros dois hotéis de luxo no Brasil que ele afirma ter representado. Eles disseram que hoje só aceitam reservas dele se forem pagas antecipadamente por causa de sua "má reputação".

Uma ex-funcionária de Bessa, que preferiu se manter anônima, contou que decidiu pedir demissão ao perceber que o agente de viagens "estava se enrolando".

"Uma hora, o cartão de crédito não passava. Aí, depois, passava. Caí de paraquedas em um evento, e o buffet veio em cima de mim para cobrar o pagamento. Teve um hotel que passou a não aceitar mais reservas", diz ela.

"Eu vi que tinha algo errado. Ele estava metendo os pés pelas mãos, se enfiando em furadas. Ele não ia conseguir sustentar isso por muito tempo. Resolvi sair."

Ela diz que Bessa era uma pessoa "muito ambiciosa". "Ele comprava em lojas caríssimas, marcas caríssimas, Gucci, essas coisas. Acho que ele não quis deixar cair o padrão de vida e começou a embolsar o dinheiro pensando que ia ganhar mais depois, não ganhou e acabou devendo a todo mundo."

Outra pessoa que foi próxima do agente e pediu para não ser identificada, diz que Bessa viria de uma família rica que teria perdido tudo.

Bessa gostava mesmo de "luxar", disse. "Esse era o bordão dele: 'Eu gosto de luxar!'".

Fonte: BBC - Brasil - 25/11/2022 e SOS Consumidor

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