Especialistas alertam: uso descontrolado de zolpidem virou problema de saúde pública no Brasil

 


São Paulo, novembro de 2025 – A Academia Brasileira de Neurologia (ABN), em parceria com sociedades de psiquiatria, psicobiologia e medicina do sono, publicou neste mês o primeiro consenso nacional sobre o uso do zolpidem – o popular “remédio para dormir” das chamadas “drogas Z”.O documento, divulgado na revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, classifica o consumo crescente do medicamento como questão de saúde pública. Segundo a Anvisa, o zolpidem já é o terceiro hipnótico mais vendido do país, atrás apenas de clonazepam e alprazolam. Entre 2014 e 2021, as vendas saltaram 139% – de 338 mil para mais de 810 mil caixas por ano.Coordenador do Departamento de Sono da ABN e um dos autores da diretriz, o neurologista Paulo Afonso Mei aponta três principais causas do boom:
  • venda irregular e sem receita (um dos medicamentos mais comercializados ilegalmente no Brasil);
  • explosão de transtornos de ansiedade e sono durante e após a pandemia (estudos da própria ABN registraram alta de 40% nas queixas de insônia);
  • facilidade de prescrição digital nos períodos de isolamento social.
Efeitos colaterais e dependência
Apesar de lançado nos anos 1990 como alternativa “mais segura” aos benzodiazepínicos tradicionais, o zolpidem tem gerado dependência em milhares de brasileiros. A bula recomenda uso contínuo por no máximo de quatro semanas, orientação raramente seguida.
Entre os riscos mais graves estão:
  • sonambulismo com amnésia (pacientes realizam atividades complexas – dirigir, comer, enviar mensagens – sem lembrar depois);
  • comportamentos de risco e até atos ilegais sob efeito da medicação;
  • síndrome de abstinência grave ao suspender o uso prolongado.
Medidas já tomadas
No ano passado, a Anvisa endureceu o controle: passou a exigir receita azul (controle especial) e intensificou a fiscalização. Segundo Mei, foi a única ação que de fato conteve o crescimento desenfreado das prescrições.
Recomendações do consenso
  • Zolpidem continua eficaz e seguro para insônia aguda (curta duração, ligada a estresse pontual);
  • Não deve ser usado como primeira linha em insônia crônica (mais de três meses);
  • Priorizar sempre terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) e higiene do sono antes de medicamentos;
  • Prescrição por tempo limitado e com plano claro de desmame.
“O remédio funciona, mas virou muleta para milhões de brasileiros que dormem mal há anos. Precisamos tratar a causa, não só apagar o sintoma”, resume o neurologista Paulo Mei.O consenso está disponível gratuitamente no site da Arquivos de Neuro-Psiquiatria e já é referência obrigatória para neurologistas, psiquiatras e clínicos que lidam com distúrbios do sono no Brasil.

Correio do Povo

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