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domingo, 7 de maio de 2023

Piranhas pescadas em Porto Alegre causam alerta de desequilíbrio ambiental e acidentes

 Conhecida por ser um predador voraz, espécie palometas chegou à Capital vinda da Bacia do Rio Uruguai


Piranhas da espécie palometas têm sido pescadas às margens do Guaíba, em Porto Alegre. A presença na Capital do peixe carnívoro, originário da Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai, é um fenômeno, de certa forma, esperado. Isso porque, nos últimos anos, as palometas têm conseguido sair do Rio Uruguai e se espalhar por outras bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul.

A chegada das palometas em Porto Alegre tem sido possível devido à transposição e às conexões da Bacia do Rio Uruguai com a Bacia do Rio Jacuí, que se conecta com a Bacia do Guaíba. A presença do peixe em Porto Alegre significa uma ruptura nos divisores de água entre as duas bacias hidrográficas. Um dos locais onde a piranha já foi pescada na Capital é o píer do Pontal, nova área de lazer e comércio na Zona Sul da cidade.

Especialistas explicam que a presença da espécie de piranha não é motivo de pânico, embora seja sim motivo de preocupação. Ainda não se sabe onde está localizada a origem da conexão (ou das conexões) entre as bacias do Rio Jacuí e do Rio Uruguai. Além da piranha, outras espécies exóticas também migraram para o Guaíba, porém, a palometa desperta maior atenção.

“Ela é um predador voraz, agressivo em relação aos outros peixes e isso chama muita atenção. Ataca muito as redes dos pescadores. As outras espécies que entraram antes, os pescadores percebiam, mas como não causava nenhum prejuízo para eles, não deu tanta repercussão”, explica Fernando Becker, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),

Por serem muito vorazes, as palometas atacam os peixes que caem nas redes dos pescadores, que se tornam presas fáceis por já estarem presos. Além disso, por ter dentes muito fortes e afiados, a piranha causa prejuízo material ao destruir as redes de pesca e, eventualmente, se ficar presa na rede, pode acabar mordendo os pescadores ao tentar retirá-la. “Tem um prejuízo material e tem um prejuízo no rendimento da pesca mesmo. Isso é bem ruim para os pescadores”, afirma Becker.

Além do impacto direto na atividade econômica da pesca, o professor de Ecologia da UFRGS explica que a presença das palometas também é um risco grande para outras espécies de peixes da Lagoa dos Patos e do Guaíba. A consequência pode ser tanto afetar outras espécies de interesse dos pescadores quanto causar desequilíbrios no conjunto da biodiversidade.

“A presença delas, por ser um predador voraz, pode alterar todas as relações tróficas (conjunto de cadeias alimentares) entre os organismos, as distribuições e fazer com que piore uma situação que já não é muito boa por conta de outros fatores, como a poluição dentro da bacia”, pondera.


Risco à população

Becker explica que as palometas não atacam em cardume e, portanto, não há um risco exagerado como cenas devastadoras exibidas em filmes. Ainda assim, podem haver acidentes em forma de mordidas na ponta dos dedos dos pés ou nas pernas. Se for numa criança, a situação pode ser mais grave, eventualmente causando a amputação de um dedo, por exemplo. “São uma ou duas mordidas isoladas, não existe um ataque”, afirma.


Em regiões onde as palometas são nativas e existem balneários, não é incomum acontecerem acidentes. Se for um balneário movimentado, também é habitual a colocação de redes de proteção para o peixe não chegar nos banhistas. “Existe o risco, é um fato, passa a ser um algo a mais para se cuidar dentro da água, mas não é um risco de morte e nem catastrófico.”


O que fazer

O professor de Ecologia da UFRGS explica que eliminar as palometas do Guaíba, a partir de agora, é uma tarefa pouco provável. Ainda assim, salienta que medidas podem ser adotadas para reduzir o problema. Uma delas é a identificação do ponto de conexão entre a bacia hidrográfica do Rio Uruguai com a do Rio Jacui.


Becker acredita que o ponto de transposição possa estar na Bacia Hidrográfico do Rio Ibicuí (localizada na Região Hidrográfica da Bacia do Rio Uruguai) com a Bacia Hidrográfica do Rio Vacacaí (localizada na Região Hidrográfica da Bacia do Guaíba). A origem da conexão pode ser diversa, tanto canais para agricultura quanto para o uso público da água. Encontrar e fechar esse ponto de conexão impediria que novas espécies exóticas continuassem passando de uma bacia para outra.


Ele destaca que há outra espécie de piranha na Bacia do Rio Uruguai, maior que a palometa, que até o momento não há registro de que tenha vindo para a Bacia do Guaíba. Com a conexão aberta, isso pode ser uma questão de tempo. O caminho está livre. Outra medida importante é o acompanhamento das palometas já presentes em Porto Alegre.


“Seria importante acompanhar o que está acontecendo aqui, porque uma vez que entrou, a possibilidade que permaneça por longo tempo é grande. Então o ideal seria um programa que investigasse onde esses animais estão chegando e onde eles se reproduzem, para ver se dá para ter algum tipo de intervenção nessa etapa do ciclo de vida”, explica o professor.


A relação com os pescadores pode ser importante, afinal, são eles que estão sempre no local e vendo o que acontece. Becker explica que o conhecimento dos pescadores pode influenciar nos estudos de monitoramento e pesquisa para entender o cenário, além do desenvolvimento de alguma prática de manejo. “No momento, com o que a gente tem de informação, não dá para dizer muito mais do que isso”, diz.


O professor de Ecologia da UFRGS ainda destaca a importância de evitar que as palometas cheguem ao sistema hidrográfico do Litoral Norte e atinjam as lagoas da região. Outras espécies de peixes originários da Bacia do Rio Uruguai já chegaram ao litoral, porém, por não serem prejudiciais aos pescadores, não chamaram atenção.


“Agora… com a palometa é outra conversa. Têm espécies endêmicas que só ocorrem naquelas lagoas, há o turismo com banhistas e pesca de lazer, muita gente de jet ski… Pode mudar completamente a situação das lagoas”, afirma.


Plano de ação

Analista ambiental do Ibama no RS, Mauricio Vieira de Souza conta que o órgão tem trabalhado em conjunto com a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e universidades para avaliar os impactos da propagação das palometas. Ele pondera que todas as espécies exóticas preocupam e causam alterações nas relações ecológicas, porém, por ser carnívora, a palometa preocupa ainda mais.


Baseado numa resolução do Conselho Nacional de Biodiversidade, o Ibama tem desenvolvido um plano de médio e longo prazo com ações variadas, algumas de competência do órgão federal e outras que devem ser adotadas por prefeituras e governo do Estado.


Como exemplo, ele cita ações de licenciamento de empreendimentos que possam afetar barragens e projetos de irrigação, que ficam à cargo do governo estadual. Souza reconhece que mesmo para o órgão fiscalizador é difícil identificar quais, dentre as centenas de canais de irrigação, podem estar conectando as bacias hidrográficas.


“A resolução disso não é muito simples. São centenas de canais que podem estar passando. É muito difícil identificar todas as possíveis conexões, por isso que o fato é consumado. Não tem como tirar elas (as palometas) dos locais onde estão agora”, explica o analista ambiental.


Para minimizar possíveis acidentes com banhistas nas praias do Extremo Sul da Capital na temporada de verão, Souza conta que outros municípios e balneários ao longo do Rio Jacuí já vêm sendo alertados sobre o problema e orientados a se preparem, ainda que os acidentes com palometas não sejam muito frequentes.


As dicas incluem não limpar peixes na água e não jogar alimentos. Também deve-se cuidar ao andar em águas rasas, com vegetação, locais onde podem estar os ninhos e filhotes das palometas. A orientação inclui ainda o cercamento dos balneários com redes. A comunicação constante com as prefeituras e a população em geral também faz parte do plano elaborado pelo Ibama.


Ao que tudo indica, a partir de agora, as piranhas palometas tendem a habitar as águas do Guaíba em Porto Alegre por tempo indeterminado.

Sul21

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