A pergunta então é: como se dá isso?
Jurandir Soares
Os cofres do BNDES mais uma vez se abriram para um amigo governante, aliás, como era previsível. O argentino Alberto Fernández veio ao Brasil em busca de empréstimos aos empresários argentinos, para que esses possam pagar aos empresários brasileiros por suas asas. Tudo bem que a Argentina é um de nossos principais parceiros comerciais e um mercado muito importante para os nossos produtos. Emprestar faz parte dos negócios, porém os governos petistas têm um histórico de mandar dinheiro nosso para fora e não receber. Neste caso com a Argentina foi muito destacada a questão das garantias para o empréstimo. O que se espera que tenha sido vencido. Fica em aberto ainda a questão do financiamento brasileiro para a construção de um gasoduto na Argentina, a partir da jazida de Vaca Muerta, no valor de 700 milhões de dólares. O que, sem dúvida,
Fernández tenta estes negócios enquanto tem que administrar o pagamento para o FMI de um empréstimo de 57 bilhões de dólares contraído em 2018, ao tempo do governo de Maurício Macri. Isto, conforme tem sido ressaltado, num país em que a liberdade já passou dos 100%, o dólar dos 500 pesos e a pobreza dos 40%. A rigor, se poderia pensar que a Argentina está mergulhada numa miséria profunda. Mas não é isto que se percebe. Durante o verão, por exemplo, se viu um enorme contingente de argentinos frequentando as praias catarinenses e até algumas do nosso Estado. Na Copa do Mundo do Catar o contingente de torcedores argentinos era imenso. No recente feriado da Páscoa 2,7 milhões de argentinos saíram do país a turismo. E os restaurantes de Buenos Aires têm se mantido cheios, assim como as casas de tango.
A pergunta então é: como se dá isso? Acontece que a perda do poder aquisitivo afeta principalmente os pobres. Estes sofrem, fundamentalmente, com os preços dos alimentos e da moradia, pois os pesos que recebem em um dia, no outro já valem menos. Basta observar o que aconteceu com o dólar, que, em uma semana, saltou de 400 para 500 pesos. Os mais abastados lidam somente com dólares. Os funcionários públicos e outros ligados aos sindicatos fortes conseguiram reajuste de salário, de modo a manter o padrão de vida. O comércio transforma tudo que recebe em dólares. Isto quando não recebe diretamente a moeda norte-americana, que é a preferida dos lojistas. E como o câmbio está favorável para os países vizinhos, a Argentina está sendo inundada por turistas, especialmente do Brasil e Chile. Gente que vai injetar mais dólares.
No meio a isto, desenvolve-se a campanha eleitoral com vistas às eleições de outubro, para a sucessão de Alberto Fernández, o qual, seguramente desiludido com os números do seu governo, já afirmou que não é candidato à reeleição. Porém, ao obter recursos financeiros do Brasil, ele está dando um impulso para quem for o candidato do seu partido. E a propósito, os dois principais postulantes peronistas ao posto estavam com ele em Brasília. São o embaixador no Brasil, Daniel Scioli, e o ministro da Economia, Sérgio Massa. Scioli foi congressista, funcionário e aliado dos peronistas Carlos Menem e Eduardo Duhalde e vice-presidente de Néstor Kirchner, entre 2003 e 2007. Já Massa rompeu com o kirchnerismo em 2013, para formar uma frente peronista opositora, a Frente Renovadora. Foi o candidato a deputado mais votado nas legislativas de 2013 e conseguiu impedir o projeto kirchnerista de reformar a Constituição e aprovar a reeleição presidencial indefinida. A eterna Cristina Fernández de Kirchner indicou que desta vez está fora. Vai continuar com sua carga vitalício de senadora que lhe dá imunidade para não ir presa pelas falcatruas a que já foi condenada.
Para se contrapor à esquerda peronista, despontam os nomes do deputado Javier Milei e de Patricia Bullrich, presidente do partido PRO Argentina. O deputado de 52 anos Javier Milei lidera as intenções de voto. Ele é o único representante da coalizão La Libertad Avanza. Economista liberal, Milei é crítico das práticas do Banco Central argentino e defende a liberdade financeira por meio da adoção de criptomoedas como câmbio nacional. Embora se apresentando como de oposição, com um novo partido, Patricia Bullrich, que foi deputada pela cidade de Buenos Aires, tem um histórico de presença nos governos peronistas, pois foi ministra do Trabalho entre outubro de 2000 e outubro de 2001, ministra de Segurança Social entre outubro e dezembro de 2001 e ministra da Segurança entre 2015 e 2019.
Seja quem for o vencedor, vai herdar um país que vem praticando um sistema econômico que se contrapõe aos princípios básicos do desenvolvimento. Que, diferentemente do Brasil, permitia baixar os juros enquanto a flutuava estava subindo. Que hoje não consegue oferecer financiamentos para automóvel ou para casa própria. Onde os mais pobres pagam a cada dia mais pelo seu sustento, pois não conseguem comprar dólares, a moeda salvadora no país. Só que, com a vinda de Fernández ao Brasil, o real se tornou a moeda salvadora do momento. Aliás, o nosso real, por sua estabilidade, também é bem aceito pelos comerciantes argentinos.
Correio do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário