Projeto com inteligência artificial busca reduzir devoluções em processos de adoção no RS

 


No Brasil, a maioria das adoções segue adiante, mas os casos de devolução deixam marcas profundas. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 9 em cada 100 crianças adotadas acabam retornando ao acolhimento institucional, geralmente nas fases iniciais do processo, por fatores como idade, saúde, comportamento ou falta de preparo emocional dos adotantes.

Para enfrentar esse desafio, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) aposta na tecnologia. Uma das iniciativas é a Ágape, assistente virtual baseada em inteligência artificial que orienta pretendentes e famílias já envolvidas na adoção. A ferramenta, que funciona como um chat sigiloso e fundamentado em fontes oficiais, completou um ano de operação em outubro e integra o Projeto Acolhimento, voltado à proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade.

“A ferramenta auxilia pessoas que pretendem adotar ou as que já adotaram e têm dúvidas. Isso ajuda a reduzir a ansiedade e prevenir adoções interrompidas”, explica a promotora Cinara Vianna Dutra Braga, da Infância e Juventude de Porto Alegre.

🔹 Como funciona a Ágape

O projeto foi desenvolvido pelo MPRS em parceria com a WideLabs e a ELO – Organização de Apoio à Adoção e Assistência Social, que há dez anos atua em diferentes etapas do processo adotivo no estado. Baseada no modelo brasileiro Amazônia IA, a assistente é acessível sem cadastro pelo link adocao.widelabs.com.br.

As respostas são elaboradas a partir de legislação, protocolos psicológicos e orientações técnicas validadas pelo MPRS e pela ELO. O banco de dados inclui dúvidas frequentes, procedimentos e experiências vividas em cursos e acompanhamentos de famílias.

“É uma ferramenta inovadora. Ao permitir sigilo, as pessoas se sentem à vontade para perguntar. Não substitui a interação humana, mas complementa”, afirma Peterson Rodrigues, presidente da ELO e pai adotivo.

🔹 Expansão e novos usos

Além de apoiar famílias, a IA passou a ser utilizada também no atendimento às crianças acolhidas. O recurso chamado Amigo Imaginário permite que a criança converse com a assistente, sempre acompanhada por um técnico, para identificar medos, expectativas e particularidades. Os relatórios ajudam na definição de perfis de adoção e no suporte emocional.

Rodrigues defende que a ferramenta seja ampliada: “Quanto mais divulgada, melhor será o resultado. Uma versão em aplicativo para celular ampliaria o alcance e poderia apoiar equipes de abrigos e o monitoramento das famílias após a adoção.”

🔹 Traumas permanentes

Embora a adoção seja considerada ato irrevogável pela legislação, o CNJ identificou desistências até mesmo após sentença definitiva. Em casos extremos, crianças retornam ao acolhimento institucional por decisão judicial.

“Quando uma adoção é frustrada, as crianças sofrem traumas. Muitas vezes não querem ser novamente adotadas ou passam a apresentar problemas de comportamento”, relata Rodrigues.

A promotora Cinara Braga defende mecanismos de responsabilização mais claros: “Estamos falando de vidas, de vínculos estabelecidos. A decisão de adotar é muito séria.”

🔹 Vida depois da devolução

A trajetória de Esther Maria da Silva Romeiro, 18 anos, moradora de Gravataí, ilustra os impactos da devolução. Adotada ainda pequena, foi devolvida aos 3 anos de idade. Em 2014, encontrou um novo lar com o casal Everaldo e Elizângela Romeiro.

Ao chegar, apresentava desnutrição, dificuldades de locomoção e sequelas emocionais. “Ela perguntava várias vezes: ‘Algum dia tu vais me devolver?’”, lembra o pai. Com acompanhamento psicológico e apoio familiar, superou crises de dislexia e TDAH. Hoje, cursa o ensino médio e sonha com a faculdade de fisioterapia ou veterinária.

“Gosto muito deles desde o primeiro dia. Tinha medo de ser deixada, mas eles batalharam por mim”, diz a jovem.

A família tornou-se voluntária da ELO e participa de encontros com novos pretendentes. Everaldo reforça a importância da preparação emocional: “É melhor desistir antes do que causar sofrimento depois.”

📌 O uso da inteligência artificial pelo MPRS busca tornar o processo de adoção mais seguro e consciente, prevenindo devoluções e garantindo vínculos duradouros entre crianças e famílias.

Fonte: Correio do Povo

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