sábado, 17 de maio de 2025

Tentativa de reformulação da Guarda Municipal esbarra na falta de consenso

 Idealizado pelo Executivo, projeto pretende criar a “Guarda Civil Metropolitana” e aumentar a contingência dos profissionais; categoria aponta para injustiças no texto

Nesta quinta-feira, a categoria se encontrou com a Prefeitura e entregou sugestões de emenda ao projeto | Foto: Pedro Piegas / CP

Tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre um projeto de lei que prevê a reestruturação da Guarda Municipal. De autoria do Executivo, a proposta transforma a instituição em “Guarda Civil Metropolitana” e estabelece uma série de mudanças, como o aumento do contingente de profissionais e um plano de carreira. Insatisfeita com os termos da proposta, os guardas municipais negociam a valorização da carreira.

Inicialmente, a categoria pediu à prefeitura para que a deliberação da proposta fosse suspensa até junho, no aguardo da aprovação da PEC da Segurança pelo Congresso, porém o Executivo não acatou a solicitação. Foi acordado entre as partes, então, que os guardas propusessem emendas ao projeto original demarcando as suas reivindicações.

Na última quinta-feira, dia 15, a classe se reuniu com o governo e entregou as sugestões de alteração do projeto. Entre outras coisas, destaca-se “acrescentar ao subsídio inicial valores relativos à faixa 7 e 185% de risco de vida”. Também integra os requerimentos da categoria uma readequação “justa” dos atuais guardas aos novos níveis da carreira. A prefeitura deve se manifestar sobre as propostas em até 15 dias.

Contudo, a matéria só deve ser deliberada nos próximos meses, pois ainda carece de consenso com a classe e com a base. O texto prevê a contratação de 1,2 mil guardas – que se somariam aos 374 em atuação hoje – e a criação de um plano de carreira organizado em oito níveis hierárquicos.

Os novos moldes desagradam a classe. José Francisco Espírito Santo, vice-presidente da Associação dos Guardas Municipais de Porto Alegre (AGMPA), defende que as necessidades dos trabalhadores não são contempladas no texto original. “O adicional de risco de vida previsto é de apenas 30%. A Guarda de Pelotas, por exemplo, recebe 185%.”


E a insatisfação não para por aí. O representante também aponta que injustiças são desconsideradas. “No início, todos ocuparão o mesmo nível hierárquico. Como eu, com meus 60 anos e serviços prestados, vou competir com um guri de 25 anos?”, indagou.

Quanto às atribuições, Espírito Santo foi categórico ao afirmar que nada mudará. “Já fazem onze anos que desempenhamos atividade de polícia, mesmo não sendo chamados de polícia.” A fala remete ao Estatuto das Guarda Municipais, que conferiu novas funções à instituição em 2014.

“Em assembleia geral, rejeitamos esse projeto em 2023. No nosso ponto de vista, ele não traz nenhum benefício jurídico ou financeiro para o servidor”, disse o líder. Diante disso, a categoria tem se encontrado com representantes do governo para negociar mudanças no projeto atual.

Comandante Geral da Guarda Municipal, Marcelo Nascimento discorda das colocações de Espírito Santo. “Não é a categoria que é contrária. É apenas uma parte que não concorda com o plano de carreira, porque acredita que ele não abrange as vantagens que esse grupo acredita que merece ter.”

O dirigente entende que o projeto discutido busca equilibrar as necessidades que a cidade tem dentro de uma nova realidade da segurança pública. “O que era uma pauta benéfica para a cidade, acabou se transformando em uma pauta trabalhista de um grupo que diz que representa uma categoria inteira”, lamentou.

Divergências no Legislativo

A matéria é alvo de divergências na Câmara de Porto Alegre. Enquanto a oposição pressiona pela valorização da classe, os representantes da base avaliam a viabilidade dos pedidos.

Líder da oposição na Câmara, o vereador Jonas Reis (PT) aponta para descaso do governo para com os profissionais da segurança. “A Guarda Municipal precisa ser valorizada com risco de vida. Não há motivo para os guardas de Porto Alegre receberem menos valorização que os de Pelotas.”

Roberto Robaina (PSol) também assume postura crítica em relação à iniciativa. “Conforme o projeto, o contingente de profissionais que atua nas autarquias do governo, como o Dmae, será extinto e seu trabalho será terceirizado.” O vereador teme que a instituição, a partir disso, fique restrita ao “trabalho de rua” e adquira um caráter repressor.

A despeito da pressão, Idenir Cecchin (MDB) indica que o plano do governo é manter-se firme e aprovar a proposta original. Contudo, o líder da base na Casa Legislativa também afirmou que os guardas ativos terão “talvez” a escolha de aderir ou não ao novo plano de carreira.

O PSDB – uma das maiores bancadas da Casa – ainda não tem uma definição sobre o tema. Gilson Padeiro, líder do partido na Câmara, afirmou que a sigla ouviu alguns grupos da Guarda e debate a matéria internamente. “É um projeto muito complexo”, avaliou o tucano.

Giovane Byl (Podemos) segue a mesma linha. “Estamos na fase de análise jurídica do projeto”, constatou o vereador. O parlamentar afirmou que, no momento, o partido apenas estuda os impactos da matéria.

Substitutivo para valorização da categoria

Como resposta, o vereador Erick Dênil (PCdoB) protocolou um substitutivo à proposta do Executivo. O texto prevê a contratação de 2.400 profissionais – o dobro em relação ao projeto original – e um acréscimo de 222% a título de risco de vida.

A iniciativa pretende também vincular o novo efetivo previsto aos quadros em extinção no Dmae e no Demhab, além de delimitar grupamentos específicos dentro da instituição. As equipes seriam divididas em diferentes áreas e funções. Hoje, não há tal organização na Guarda Municipal.

José Francisco Espírito Santo disse que a categoria se sente representada pela proposta do vereador comunista. “Seria o ideal para nós”, alegou o vice-presidente da AGMPA. Todavia, ele entende também que, do modo como o cenário se desenha, a alternativa não deve ir para frente.

Proposta de regulamentação

Paralelamente, tramita na Câmara um projeto de lei que visa regulamentar as atividades da Guarda. Idealizada pela vereadora Mariana Lescano (PP), a iniciativa pretende, segunda ela, aumentar a eficiência da segurança pública.

“Muitas vezes, o criminoso pego pelos guardas era solto, pois a Justiça questionava a validade da detenção. Isto é, questionava se o policiamento era, de fato, atribuição da instituição”, afirmou Lescano.

Entretanto, a parlamentar explica que a decisão tomada pelo Supremo em fevereiro resolveu as dissonâncias na interpretação jurídica. O projeto procura, portanto, regularizar e reorganizar a atuação da Guarda Municipal frente a essa fato.

Além disso, a vereadora também protocolou uma proposta que altera o nome da instituição para “Polícia Municipal”. A Suprema Corte não conferiu aos municípios a possibilidade de utilizar a nomenclatura. Porém, Lescano entende que a situação pode mudar com a criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), previsto na PEC da Segurança.

Entenda

  • A Constituição Federal de 1988, no artigo 144, parágrafo 8º, estabeleceu que os municípios podem criar guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações.
  • A lei 13.022/2014 – mais conhecida como Estatuto das Guardas Municipais – reconheceu a instituição como força de segurança pública. Isso permitiu aos guardas trabalharem como polícia administrativa, portando armas e realizando policiamento preventivo.
  • Entretanto, a constitucionalidade das ações da Guarda Municipal continuou sendo alvo de contestação por parte do Judiciário.
  • No julgamento da ADPF 995, em 2023, o Supremo reconheceu a constitucionalidade da lei 13.022/2014.
  • Em fevereiro de 2025, a Corte julgou um recuso extraordinário (RE 608.588) da Câmara Municipal de São Paulo, que questionava uma decisão do Tribunal de Justiça local. O órgão havia considerado inconstitucional lei que confere permissão à Guarda para realizar policiamentos. O veto foi derrubado e abriu caminho para outros municípios fazerem o mesmo.

Correio do Povo

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