Natureza do corpo hídrico é julgada por ação civil pública que tramita na Vara Regional do Meio Ambiente da Comarca de Porto Alegre
Segue o capítulo da definição da natureza do curso hídrico do Guaíba. Uma audiência pública no auditório do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reúne, na tarde desta sexta-feira, informações técnicas para auxiliar na compreensão da natureza do corpo hídrico – se é rio, lago, ambos ou outro tipo. Os debates irão subsidiar o julgamento da Ação Civil Pública que tramita na Vara Regional do Meio Ambiente da Comarca de Porto Alegre.
A juíza de Direito Patrícia Antunes Laydner, que conduz a ação civil pública e preside a audiência, afirmou que esse é o momento de ouvir argumentos da comunidade científica, sem bater o martelo. “Porque há mais de uma corrente a respeito desse curso d'água. A partir dessa oitiva, depois, meu planejamento é talvez tentar marcar uma audiência de conciliação para ter elementos melhores para podermos conciliar”, projeta.
Segundo a juíza, a audiência, que é um importante passo no processo judicial, deve entender os diferentes pensamentos e obter maiores elementos sobre o corpo hídrico. “O principal ponto mesmo é: o que é o Guaíba? Qual a natureza? Porque isso é bem discutido. É um curso d'água, e para alguns ele é um curso d'água misto, para outros é rio, para outros é lago. Qual a importância de discutir isso? Isso vai definir qual o parâmetro de proteção que a gente tem que ter das áreas de preservação permanente de acordo com o código florestal”, explica.
A audiência contou com representantes das partes que ingressaram com a ação, movida pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH). Também, os representantes dos réus, que são o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Município de Porto Alegre.
Definição compete aos estudiosos na área, afirma representante do Estado e Fepam
Lívia Deprá Camargo Sulzbach, procuradora do Estado que representou o Estado e a Fepam, defende que a definição do curso hídrico deve competir à ciência. "Nossa ótica não competiria aos operadores do direito, mas sim aos estudiosos da área fazer essa classificação. A própria petição inicial reconhece a folha 49, é o ineditismo do estudo parecer que fundamenta o pleito, sem tirar o seu mérito acadêmico. Mas é fato que a ciência possui métodos de atuação que quase sempre se diferenciam daqueles usualmente utilizados pelo direito", diz.
Ela ainda afirmou que o posicionamento adotado atualmente pelos entes públicos corresponde ao constante do Atlas Ambiental de Porto Alegre, elaborado pela Universidade Federal do do Rio Grande do Sul, em parceria com o município e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ainda, que o Estado segue na legislação estadual desde 1998, então consenso científico acerca do tema, e que os entes públicos entendem que não houve omissão com relação à preservação do meio-ambiente.
Para o procurador José Renato de Oliveira Barcelos, que representou a Agapan, o MJDH e o INGÁ, deve-se ter segurança de que o Estado e órgãos ambientais, especificamente a Fepam, cumprem a legislação federal que disciplina a proteção, o uso e a guarda daquela da faixa de proteção. "Nós queremos saber se o Estado cumpriu a sua função disciplinar do uso daquilo que entendemos que seria área de proteção permanente às margens do Guaíba", afirma.
"Essa zona de proteção, na realidade, é uma zona onde a natureza manda. Há regramento constitucional que ampara isso. Ou seja, não é qualquer área. É uma área tida pela Constituição Federal como de proteção especial", complementa.
Para geólogo e pesquisador, Guaíba é lago
Rualdo Menegat, geólogo e professor do Instituto de Geociências da Ufrgs, defende que é fácil tratar qual a relação de um rio ou lago. “Os rios têm margens paralelas, os lagos não tem. Só a forma já indica o que é um e o que é outro. E de onde vem a forma? A forma vem da dinâmica hídrica desses corpos d'água”, diz.
“Um rio que tem margens paralelas, tem uma extremidade mais elevada e a outra menos elevada. Então a água escorre por gravidade. Por causa disso, a água escava, erode, raspa tanto fundo como as margens do rio. Já um lago não. O fundo do lago pouco importa para o escoamento dele. É como uma travessa”, acrescenta.
Menegat diz que o Guaíba, por muitas vezes, ficou com os níveis muito baixos, levando a uma eutrofização, quer dizer, uma proliferação de algas, porque a água não fluía. Ainda, que todo rio tem correnteza, mas correnteza não deve ser sinônimo de rio, já que lagos e oceanos também tem correnteza.
Ele lembra a importância de definir corretamente os corpos d'água, já que a definição implica na gestão ambiental. "Se nós chamamos um corpo de água de rio, isso nos dá a ideia, embora errônea, de que o que se coloca ali, o rio leva embora. Mas se for um lago, não. O lago deposita tudo o que se coloca dentro dele. Agora, veja, o Guaíba acumulou tudo o que nós colocamos dentro dele. Então, o que faz com que a água do Guaíba vá se tornando cada vez mais deteriorada. Ele é a única fonte de água que nós temos", explica.
O pesquisador ainda afirma que o Guaíba é majoritariamente composto por argilas e lama, e que essas presenças não são compatíveis com um rio. Para Menegat, as evidências apresentadas em relação ao Guaíba depõem contra o modelo de rio e a favor do modelo de lago. "É uma riqueza hídrica importantíssima, né, do Rio Grande do Sul, no entanto, nós não temos um plano de conservação desse patrimônio".
Ele acrescenta que o Guaíba é parte da planície costeira, está interligado com a Laguna dos Patos e está no nível do mar. "Com a perspectiva da emergência climática de que o oceano suba-se o nível durante o século 21, isso vai afetar o Guaíba e vai afetar o Porto Alegre. Nós temos que ter conceitos muito corretos para podermos enfrentar o que nos aguarda", conclui.
A audiência, que ainda segue, deve ouvir, além das partes e dos réus, demais pesquisadores na área inscritos.
Correio do Povo
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