domingo, 18 de maio de 2025

Palacinho: como está o centenário casarão italiano que já foi gabinete oficial do governo?

 Do Conde que não veio aos alunos que enchem o prédio de música, conheça a construção que resiste ao tempo no Centro de Porto Alegre

Palacinho fica localizado na avenida Cristóvão Colombo, n.300 | Foto: Fabiano do Amaral


Conhecido como Palacinho, o centenário casarão que já foi destinado à residência dos vice-governadores compõe desde a década de 30 a paisagem da avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre. A construção do palacete teria sido encomendado em 1926 pelo comerciante Santo Meneghetti. A intenção era ambiciosa: hospedar o Conde Galezzo Ciano, genro de Benito Mussolini, em viagem pela América do Sul. Assim, o Palacinho tomou forma pelos traços do arquiteto Armando Boni, imigrante italiano que chegou ao Brasil em 1910. Já o Conde teve sua rota de viagem modificada e não passou por Porto Alegre.

Em um terreno de esquina, o Palacinho possui aproximadamente 500 metros², dois pavimentos, terraço e um subsolo. A fachada é eclética, com elementos neoclássicos e mistos. A construção já chama a atenção a quem vê de fora, ainda que uma estrutura de andaimes atrapalhe um pouco. Mas é por dentro que os detalhes, cores e texturas remontam a um palacete cinematográfico.

Prédio possui estreitas sacadas que dão para a rua Garibalde Prédio possui estreitas sacadas que dão para a rua Garibalde | Foto: Fabiano do Amaral

O cenário já é de encher os olhos na principal porta de entrada. Bastam alguns degraus para chegar ao coração do casarão, ao pé de uma clássica escadaria de mármore. No entorno, vitrais coloridos com paisagens da natureza representadas. Acima, uma extensa claraboia retangular, que ilumina naturalmente todo hall do prédio. As artes foram obras da Vidraçaria Veit & Filho, do mestre Albert Gottfried Veit.

O charme da Palacinho também está nos detalhes (que são muitos!). É preciso atenção e passo lento para perceber todas as pinturas, desenhos, vitrais de diversos tamanhos e lustres distribuídos pelo local. Porém, o Palacinho sofre com a ação do tempo. Uma infiltração formou uma grande mancha no teto da maior sala do prédio, cobrindo parte da pintura feita à mão.

Já a escada principal está isolada por medida preventiva. De acordo com o Instituto de Patrimônio Histórico do Estado (Iphae), houve um evento de infiltração que comprometeu o estuque existente ao redor da claraboia. “A infiltração já foi sanada, no entanto, por não termos ainda finalizado o levantamento dos danos internos, a escada encontra-se interditada”, diz o órgão, acrescentando que ações de levantamento estão em execução para comporem “um futuro projeto de restauro”. Por conta disso, uma escada interna, antigamente usada para ‘serviço’, é utilizada para transitar entre os andares.

A previsão de finalização da fachada também aguarda uma data atualizada, a ser dada pela empresa responsável, após o cronograma de obras ser afetado pela enchente de 2024.

 Vitrais do Palacinho | Foto: Brenda Fernández / Especial / CP

imóvel foi incorporado ao Patrimônio do Estado em 20 de janeiro de 1954. Ele foi desapropriado por decreto do governador para sediar o Departamento Estadual do Serviço Público. Mais tarde passou a ser gabinete de trabalho e residência dos vice-governadores. Doutor Edemar Fetter foi o primeiro vice-governador do RS a ocupar o Palacinho como gabinete de trabalho e também como residência oficial. A gestão durou entre 1971 e 1975. Quem fechou por definitivo as portas do gabinete oficial naquele prédio foi Antônio Hohlfeldt, que foi vice-governador de 2003 a 2007.

Em 1995, o documento de tombamento já chamava a atenção para o Palacinho ser um dos últimos prédios remanescentes na área central da cidade com características de arquitetura neoclássica italiana.

O ofício também pediu que o prédio fosse usado, para além de residência, mas como espaço público para atividades culturais. A portaria foi publicada em outubro de 1996.

Um lugar onde “as artes se conversam”

Em 2018 o Palacinho foi cedido para uso da Escola de Música da Ospa. O local recebe centenas de alunos diariamente, de segunda a sexta, para aulas regulares de música em salas espalhadas pelo térreo e primeiro andar do prédio.

Criada pelo maestro húngaro Pablo Komlós, a Ospa foi criada a partir da percepção de que não havia muitos músicos em Porto Alegre, o que acabava culminando na vinda de artistas de fora. A formação musical gratuita, voltada para músicos de orquestra, atende em torno de 300 alunos.

Palacinho, originalmente se chama Palacete Santo Meneghetti Palacinho, originalmente se chama Palacete Santo Meneghetti | Foto: Fabiano do Amaral

Diego Grendene, clarinetista da Ospa e diretor da Escola de Música, me guia pelo interior do casarão enquanto fala sobre a construção do prédio – que carrega histórias com veracidade duvidosa, como a data exata da construção. Conhece cada canto como ninguém. Com brilho nos olhos guia a reportagem e explica a história dos vitrais, dos quadros, dos acessos aos espaços reservados, e também dos desafios de conservar o prédio centenário. Enquanto conversamos, os sons dos ensaios vazam das salas de aula e se unem como numa orquestra improvisada nos corredores.

Nestes sete anos que frequenta o espaço, Diego já mediou visitas de curiosos que passavam na frente e decidiram perguntar o que havia ali. “Este local é inspirador. Você vê coisas bonitas e ao mesmo tempo ouve música inspiradora. As artes se conversam”, define.

Até chegar no Palacinho, a história da Escola de Música é de longa peregrinação, passando pelo Teatro Leopoldina, pela PUCRS (no prédio onde hoje é o Colégio Rosário, pelo Auditório Araújo Vianna (então localizado na Praça Matriz), pelo Salão de Atos da Universidade Federal do RS (Ufrgs), pelo Palácio Piratini e pela Usina do Gasômetro, entre outros.

“Nós saímos de uma casa pequena ali na André da Rocha [no Centro Histórico da Capital], esse espaço aqui é muito maior, as salas são grandes, o local é muito mais aconchegante, muito mais acolhedor. Então foi um grande avanço né?”.

Apesar das interdições, Diego Grendene está satisfeito com o uso do espaço. “Essa parte que a gente ocupa atualmente atende as nossas necessidades. Mas eu acredito que Porto Alegre mereceria um restauro no prédio.”

O casarão hoje abriga apenas a Escola da Ospa. A cedência do prédio à Ospa vai até 2043 (25 anos ao todo). Os ensaios da Orquestra Jovem e da principal, além dos concertos, ocorrem na Casa da Ospa, dentro do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF). Inaugurado em 2018, o auditório da Casa Ospa comporta mais de mil convidados. O espaço de 2,5 mil metros quadrados (m²), que conta com camarins, musicoteca, salas de estudo, banheiros, copa e sala de ensaio, também foi cedido pelo governo estadual.

A grande agenda no Palacinho

Entre 4h30 e 5h da madrugada o telefone tocou. Era 8 de março de 2005, quando o governador em exercício soube por um agente da polícia militar que duas mil mulheres da Via Campesina tinham ocupado uma fábrica de papel. “Eu disse ‘prepara tudo, estou indo pro Palacinho.” Minutos depois, Antônio Hohlfeldt estava reunido com secretários e policiais para decidirem como controlar a situação. Enquanto isso, a imprensa se reunia em frente ao Piratini esperando a saída de algum porta-voz. 10h da manhã, Hohlfeldt chegava para atender os jornalistas.

Esse é um dos momentos mais marcantes do ex-vice-governador no casarão centenário. Ele foi o último gestor a despachar da Cristóvão Colombo, n 300. O Palacinho passou de algo desconhecido para a segunda casa dele.

  | Foto: Brenda Fernández / Especial / CP

Quando assumiu o cargo em 2003, pisou no casarão com a grande tarefa: torná-lo habitável. “Era uma sujeira. Nós levamos uma semana inteira para limpar”, conta o jornalista e atual presidente da Fundação Theatro São Pedro. Ele lembra que um dos maiores desafios foi isolar os morcegos do local.

Hoje onde é uma sala de espera improvisada, antigamente servia para reuniões. A estrutura era utilizada também para mobilização da Consulta Popular, recebendo recorrentemente assessores, secretários e prefeitos do interior do Estado.

No térreo ficava a cozinha, uma sala grande transformada no refeitório. “Se eu estivesse em Porto Alegre eu almoçava ali obrigatoriamente”. Mas alguns almoços eram diferentes. “Nós vimos que o espaço era muito legal para fazer reuniões-almoços mais privados. Ou com prefeito que vinha do interior, ou com deputado ou com grupo de funcionário ou com nossa equipe”, diz Hohlfeldt lembrando que o cardápio era bastante simples: “uma sopa, um arroz e um feijão”. “E o pessoal gostava disso. Ser recebido no Palacinho era bacana! Às vezes eu brincava com o governador Germano Rigotto ‘acho que a comida no Palacinho é melhor que a comida do Palácio’”, brinca.

No segundo andar tinha o gabinete e uma sala grande onde ficava toda a equipe que trabalhava na consulta popular, cerca de 10 a 12 funcionários. No acesso ao terraço ficava um espaço grande, também usado para receber convidados para jantes e, claro, churrasco. A capacidade era maior que o espaço de refeição do térreo. Ali abrigava cerca de 40 pessoas. “Recebíamos inclusive convidados estrangeiros”.

Foto feita na época em que prédio ainda era o gabinete oficial do vice-governador  Foto feita na época em que prédio ainda era o gabinete oficial do vice-governador | Foto: Mauro Schaefer/CP Memória

Um dos grandes atrativos era a vista do terraço que, sem os prédios que posteriormente foram construídos no entorno, tinha vista livre para o Guaíba. Houve, inclusive, um projeto para instalação de um elevador que levasse do térreo direto para o terraço. Ele seria colocado em uma entrada lateral que já existia no Palacinho, com acesso pela Cristóvão Colombo. A ideia do elevador propiciava outra maior: criar um restaurante público no terraço do Palacinho. Nenhum dos projetos foi adiante, entretanto.

O casarão também contava com a Associação Amigos do Palacinho para aproximar simpatizantes do Patrimônio Histórico, comunidade do entorno e buscar financiamento para melhorias estruturais no prédio. O grupo também era responsável pela programação cultural que acontecia semanalmente em um dos salões do prédio – onde atualmente é a sala de espera da Escola de Música. Eram sempre dias de casa cheia, lembra o ex-vice-governador.

Correio do Povo

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