Os fatores que formam os preços dos alimentos

 Muitas vezes responsabilizados pelas altas dos produtos, agricultores e pecuaristas não conseguem estabelecer a cotação daquilo que plantam ou criam, afirma pesquisador do Departamento de Economia e Estatística

Frutas cítricas, como a bergamota, estão entre os produtos agropecuários com preços sensíveis à sazonalidade da oferta para comercialização | Foto: Paulo Lanzetta / Embrapa / Divulgação / CP


Um enigma difícil de resolver na cabeça do consumidor e desafiador até para quem tem conhecimento de economia, a formação dos preços dos alimentos frequentemente leva à busca de culpados. Não raro, o produtor rural é apontado como responsável por altas de preço que estão muito além de sua alçada, que dependem de demanda, de oferta, de clima e de características de cada cadeia produtiva.

O economista e pesquisador do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Rodrigo Feix, começa explicando que, em se tratando de produtos agropecuários, nenhum produtor consegue precificar aquilo que planta ou cria.

"É a chamada concorrência perfeita, onde muitos produzem a mesma coisa e o preço é estabelecido pela oferta e demanda", esclarece o economista.

Segundo Feix, a composição dos preços dos alimentos no mercado depende de uma série de fatores, como o tempo da cadeia produtiva, se curta ou longa, dos locais de venda (feiras ou supermercados, por exemplo), e se há um intermediário industrial, entre vários outros. O que nasce da produção primária, diz o economista, costuma ter preços mais ou menos homogêneos, muito próximo dos custos de produção do agricultor ou pecuarista.

"Pequenos e grandes produtores são observados de forma equivalente na questão dos preços", comenta Feix.

Sazonalidade é importante

A sazonalidade também tem papel preponderante no que se refere à comercialização. Alimentos como leite, carne e frutas cítricas são exemplos dessa influência, pois dependem de safra. De acordo com Feix, há produtos que estão disponíveis em determinadas épocas do ano, e mesmo que fiquem mais caros pela lei da oferta e da procura, as altas têm limite.

“Há casos também de alimentos que compõem a cesta básica e acabam influenciando o índice de inflação, como ocorreu em abril com o tomate e o café. O primeiro teve desestímulo ao cultivo, mesmo tendo oferta. O segundo sofreu com condições adversas que afetaram as cotações do produto no mercado mundial, onde o Brasil é um dos principais produtores”, frisou.

Em maio de 2025, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o café acumulava em 12 meses uma alta de 80,2%. O percentual foi apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como a maior inflação acumulada do produto nos últimos 30 anos. O preço do quilo do café torrado e moído pulou da média de R$ 35 para até R$ 53. O Brasil é o maior exportador mundial de café, antes de Vietnã e Colômbia, o que também pressiona os preços.

Economia globalizada

O economista do DEE ressalta que, numa economia globalizada, a formação de preços é altamente influenciada pela extensão do mercado. Há dois anos, outro produto que colocou o agricultor como vilão na mesa do brasileiro foi o arroz. Com forte exportação, estoque regulador interno escasso e sendo um item de primeira linha no prato nacional, o arroz disparou. Em 2023, o grão ultrapassou os R$ 25 por saco de cinco quilos, e toda a conjuntura elevou o preço ao produtor para cerca de R$ 127 a saca de 50 quilos.

“A extensão do mercado, se é local, nacional ou internacional exerce um papel importante da precificação. Foi o que ocorreu no caso do arroz”, observou Feix.

Feix lembra, no contexto de preços, a escalada do leite. “O leite, até os anos 1980, era vendido in natura. Então, se mantinha com preços dentro de uma lógica local”, recorda o pesquisador. Hoje, com o uso de tecnologias como a do leite UHT (sigla, em inglês, para tratamento térmico ultra-alto), que depois de envasado pode durar meses, as diferentes marcas de leite concorrem e podem ter preços variáveis conforme o sítio de comercialização.

Por fim, Rodrigo Feix acentua que o próprio consumidor, suas condições salariais e seu poder de compra influenciam os preços dos alimentos. Um bom exemplo ocorreu em abril deste ano, quando a carne bovina moída de segunda, de acordo com levantamento do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NesPRO/UFRGS), subiu cerca de 35%. Sendo um tipo de proteína de baixo custo, foi a opção do consumidor em detrimento de cortes mais nobres. Desta forma, o preço aqueceu por aumento de demanda.

Conab contribui para a definição das cotações

Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) calcula os preços mínimos de comercialização de produtos como laranja, trigo, café, milho, arroz, feijão cores e preto, mandioca, leite, soja, sorgo, cacau cultivado e uva. Conforme a empresa pública, os preços dos alimentos são formados por diversos fatores, entre eles os custos de produção, sazonalidade da oferta, influência das condições climáticas e a demanda por esses produtos.

Os preços mínimos atuam indiretamente na oferta dos alimentos, uma vez que buscam estimular a produção a partir da definição de patamares mínimos de preços ao produtor. Caso os preços de mercado atinjam valores inferiores ao preço mínimo, o governo poderá apoiar a comercialização dos produtos, a partir da execução dos instrumentos de subvenção, contratos de opção ou até mesmo a aquisição dos produtos.

Por e-mail, a assessoria técnica da Conab explicou que para manter os preços estáveis é necessária a manutenção de estoques reguladores.

"Atuar como mecanismo de estabilização do mercado agrícola, por meio da compra e venda estratégica de produtos. Esses estoques amenizam oscilações excessivas de preços causadas por variações na oferta, garantindo um preço mínimo aos produtores em períodos de queda de preços e colaborando com o abastecimento ao consumidor em momentos de escassez. Assim, contribuem para a segurança alimentar e nutricional, estabilidade econômica do setor agrícola e auxiliam o equilíbrio entre oferta e a demanda", respondeu a instituição.

Estoques reguladores

A formação de estoques públicos foi retomada pelo governo federal em 2023, depois de mais de uma década sem realizar aquisições. “No primeiro ano do governo do presidente Lula, fizemos uma compra de 361 mil toneladas de milho”, diz o presidente da Conab, Edegar Pretto. Mais recentemente, a companhia tem adquirido arroz e trigo. No caso do feijão, que tem um período de validade menor, inviabilizando a manutenção de estoque, a estratégia é adquirir o produto e destiná-lo para programas de consumo imediato, como a merenda escolar. Pretto salienta que as iniciativas também representam um incentivo para o agricultor.

A estatal investe ainda na reforma de unidades armazenadoras, num esforço de recuperação de um sistema que teve 27 unidades fechadas na gestão federal anterior. Hoje, a companhia dispõe de 64 áreas.

“Para fazer estoque, a gente precisa de duas coisas básicas. Primeiro, ter o que comprar e ter aonde guardar”, diz Edegar Pretto.

Decreto-Lei

Algo muito importante para quem se questiona sobre o papel do produtor na formação dos preços é saber que ele inexiste. Segundo o Decreto-Lei nº 79, de 19 de dezembro de 1966, em seu Art 5º, “Os preços mínimos básicos serão definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), levando em conta os diversos fatores que influem nas cotações dos mercados, interno e externo, e os custos de produção, com base em proposta encaminhada ao Ministério da Fazenda pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”.

Ou seja, não há fórmula e nem vilões nesta questão, mas sim um processo cheio de camadas que considera desde o momento que a semente cai na terra ou que um animal nasce no campo, até questões de logística e de regionalidade.

Correio do Povo

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