domingo, 20 de abril de 2025

Do cacau à prateleira: por que o ovo de Páscoa está mais caro este ano

 Com o aumento do preço dos chocolates, consumidores se mostram mais cautelosos na hora de presentear

Vendas para a data devem somar R$ 3,36 bilhões, o que representa uma retração de 1,4% no volume em comparação a 2024 | Foto: Mauro Schaefer


Um dos principais ingredientes da Páscoa está mais caro este ano. Conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o preço dos chocolates teve alta de 18,51% nos últimos 12 meses, fazendo com que os tradicionais ovos ficassem mais salgados para o bolso dos brasileiros, que tiveram que adotar estratégias para não comprometer tanto o orçamento. Os consumidores passaram a diversificar a cesta com outros itens além dos chocolates mais tradicionais da data, optando por barras e bombons, por exemplo. Os empreendedores também tiveram que usar a criatividade na produção para não repassar tanto os custos aos clientes.

O motivo para a alta está no custo do cacau, que teve um aumento mundial de cerca de 180% em dois anos. Essa elevação se concentrou, principalmente, no segundo semestre do ano passado, devido à quebra de safra dos grandes produtores africanos. A previsão é de que a instabilidade se mantenha nesta temporada, com a Costa do Marfim, o maior produtor, enfrentando impacto significativo das ondas de calor e da seca.

Segundo a chocolateira Ana Ruzzarin, apesar do atual contexto mundial que faz os preços avançarem, o cacau de uma forma geral sempre foi um produto caro. “O cacau sempre foi um artigo de luxo”, diz. Ao se aprofundar no assunto, ela descobriu as especificidades que fazem o produto ser tão nobre. Ana explica que o fruto tem uma produção muito difícil e restrita e só cresce na linha do Equador, com 70% da produção de cacau do mundo acontecendo no continente africano. Quanto mais longe dela, pior a qualidade - e quanto pior a qualidade, menor a viabilidade de ser utilizado para fazer chocolate. Efeitos das mudanças climáticas, como ondas de calor, secas e enchentes, afetam a produção e diminuem a oferta. Além disso, a colheita só pode ser feita de forma manual.

A alta histórica do cacau traz um cenário desafiador para o varejo durante a Páscoa. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), as vendas para a data devem somar R$ 3,36 bilhões, o que representa uma retração de 1,4% no volume em comparação a 2024, já descontada a inflação. O chocolate deve registrar um aumento médio de 18,9%, o maior reajuste em 13 anos.

O Brasil é o único país no mundo que tem a cadeia do cacau inteira, da produção ao chocolateiro, dentro do seu território, de acordo com um levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab). No entanto, o que é produzido no país não supre toda a demanda interna da indústria, e a importação segue sendo necessária. Conforme dados divulgados pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), em 2024, houve uma redução significativa no recebimento de amêndoas de cacau. Durante o ano foram chegaram ao Brasil 179.431 toneladas de amêndoas de cacau, uma queda de 18,5% em relação às 220.303 toneladas de 2023. O processamento também apresentou retração de 9,5%. Segundo a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, essas dificuldades reforçam a necessidade de políticas de suporte à produção nacional.

Expectativa positiva para o varejo

A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto, avalia que a inflação de outros alimentos, e não apenas do chocolate, também é um fator que influencia nas vendas da Páscoa. Esse ano, o suporte da renda das famílias teve um aumento considerável, mas os preços altos ainda fazem com que elas consumam de maneira mais cuidadosa. Dados para o RS mostram crescimento da massa real de salários em 9,6% e a queda da taxa de desocupação em 0,7 ponto percentual no último trimestre de 2024 em relação ao final de 2023, mas, no contexto inflacionário, os alimentos mais caros em 7,42% na comparação ao mesmo período do ano anterior pressionam o orçamento das famílias - o chocolate teve alta ainda mais expressiva (18,51% em 12 meses). “Os preços elevados tiram o impulso das compras. Temos consumidores cautelosos, ainda mais do que no ano passado”, complementa.

Ela ainda destaca que os lojistas precisam pensar em novas estratégias para alcançar resultados positivos na data. Uma forma de potencializar as vendas é mostrar ao consumidor uma maior variedade de produtos, com diferentes composições e tamanhos, além de prestar atenção no atendimento e na comunicação com o cliente. “É importante mostrar a variedade de preços e formatos, para que o consumidor veja que ele tem a possibilidade de fazer escolhas. Oferecer condições de pagamento diferenciadas, dentro do que já se tem estruturado na loja, também pode ajudar.”

Mesmo com esses limitadores, a expectativa do comércio gaúcho para a Páscoa é positiva. Dados da Federação das Câmaras de Comércio e de Serviços do Rio Grande do Sul (FCCS-RS) preveem um aumento de 5% nas vendas relacionadas à Páscoa em 2025, em comparação ao mesmo período em 2024. Isso deve representar uma injeção de aproximadamente R$ 250 milhões no comércio gaúcho. A federação ainda estima que o tíquete médio projetado deve ficar em torno de R$ 170.

As lojas do Centro de Porto Alegre observaram maior movimento nos últimos dias antes da Páscoa. Caroline Lopes, proprietária de uma loja de chocolates da região, diz que o objetivo é acabar com o estoque e acrescenta que as vendas têm sido positivas. “A nossa estratégia é encher bastante a loja e até colocamos balões na rua para chamar atenção. Também dar o melhor atendimento para o cliente, praticamente dobramos a quantidade de funcionários nesse período”, conta. Apesar dos preços mais altos, ela afirma que os ovos de chocolate continuam sendo os mais procurados.

Comércio de chocolate no centro de Porto Alegre para o feriado de Páscoa Mauro Schaefer

Pequenos empreendedores

Como uma forma de driblar o aumento do valor da matéria prima do chocolate, as indústrias têm buscado alternativas para manter o lucro de uma forma que não impacte tanto no preço final. Para isso, a economista Giovana Menegotto explica que formatos, gramaturas e composições podem ser alteradas. De acordo com a chocolateira Ana Ruzzarin, nesses casos, no lugar da manteiga de cacau, passa a ser utilizada a gordura hidrogenada, por exemplo. Da mesma forma, o leite é substituído por soro do leite.

Quem tende a sofrer mais com o aumento do preço do cacau são os pequenos empreendedores que fazem chocolates de forma artesanal. Com poucas alternativas para conter o aumento dos preços dos produtos sem comprometer a sua composição, a analista de articulação de projetos de alimentos e bebidas no Sebrae RS, Francine Danigno, considera que a melhor estratégia é focar na qualidade para vender mais. “É importante que o empreendedor saiba precificar o seu produto de forma correta, mostrando os benefícios da compra. Vale ressaltar que os pequenos empreendedores não competem com a indústria, são mercados e qualidades diferentes”, explica.

De acordo com ela, o consumidor que compra de um pequeno ou de um microempreendedor já está mais atento à qualidade e aceita pagar um valor mais elevado. Por isso, essas pessoas continuam tendo mercado mesmo com a alta dos preços. No entanto, para quem optou por não subir tanto os preços de seus chocolates, a alternativa foi trabalhar com variações de tamanho ou oferecer uma variedade maior de formatos, como barras e bombons em vez de apenas os tradicionais ovos.

Para a chocolateira e proprietária da chocolateria Negro Doce, Ana Ruzzarin, que trabalha no ramo desde 2010, se paga mais caro pelo chocolate industrializado e se come menos. “Se eu consigo comprar um chocolate de verdade e de qualidade, com uma menor quantidade eu me satisfaço, não sinto necessidade de comer a barra inteira”, explica. Ana é dona de uma empresa que trabalha exclusivamente com cacau brasileiro desde a torra até o chocolate. Apesar de os preços não terem aumentado tanto na loja em 2025, ela considera que seus produtos têm um valor agregado mais elevado. “O chocolate puro e artesanal tem público diferente, mais seleto, mais preocupado com saúde e que conhece mais”.

Já o estudante de química Vitor Nilson começou a produção de ovos de chocolate este ano, como uma forma de complementar o valor recebido com uma bolsa de pesquisa para graduação. “No início eu fiquei meio relutante porque vender e empreender envolve um pouco de botar a cara a tapa, oferecer o produto, divulgar, e eu tinha muito medo disso. Daí decidi começar num lugar mais confortável, na faculdade, vendendo os cookies e brownies”, conta. Ainda em março, o estudante já estava vendendo pelo menos 20 unidades dos seus produtos por dia. Com o início das vendas coincidindo com o começo da procura por itens de Páscoa, ele ampliou a produção para ovos recheados, criou um perfil no instagram e começou a procurar mais sobre confeitaria. Agora ele trabalha para entregar mais de 70 encomendas até o feriado.

Vitor destaca que os preços dos ingredientes e insumos são uma dificuldade para quem está começando, principalmente com um orçamento reduzido. Com os valores altos do chocolate mais nobre, ele optou por produtos mais baratos. “Pensei na clientela que eu tinha construído nesse último mês: maioria estudantes que não necessariamente tem dinheiro pra gastar R$ 100 em um ovo de Páscoa. Depois de muito pesquisar e testar receitas, consegui desenvolver produtos com personalidade, sabor e qualidade”, conclui


Correio do Povo

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