Promessas e "freio puxado" nos investimentos marcam 100 dias de Eduardo Leite

 Dependência de decisões nacionais justificada ausência de anúncios mais 'robustos' no primeiro trimestre, mas discussão começa a se esgotar


Ausência de projetos de grande visibilidade, maioria estreita na Assembleia Legislativa, dependência de ações do governo federal e muitas promessas de investimentos futuros marcaram os primeiros 100 dias do segundo mandato de Eduardo Leite (PSDB) à frente do Executivo gaúcho. O tucano elegeu, ainda na campanha, a área da educação como prioridade 'absoluta' . Desde que voltou ao posto, em janeiro, traçou metas ambiciosas também para saúde, inovação e combate à pobreza. Na primeira, projetar tornar a referência do Estado e gerar um número significativo de postos de trabalho de qualidade. Na segunda, alcance uma economia de maior valor agregado e alta produtividade. Na última, afiança que esperarão iniciativas para derrubar a pobreza infantil.

Na prática, a administração atual, nos primeiros três meses,  não deu indicativos de como pretende alcançar estas e outras metas. Tanto o chefe do Executivo como integrantes do primeiro escalão, ou lideranças aliadas no Legislativo, costumam definir este segundo mandato como “de evolução”. Para a tarde desta segunda-feira, quando completa 100 dias, o governo organizou um evento cujo mote é a apresentação das ações e entregas ocorridas no período e a divulgação dos “eixos prioritários para as futuras ações.” Em participações em diferentes eventos públicos, o governador tem se comprometido a anunciar, em breve, o que denomina de um plano de investimentos “robusto”.

Por enquanto, o Executivo cumpre com dedicação uma agenda que inclui as tradicionais entregas de obras viárias, de repasses para instituições de saúde, de organização e administração da rede de serviços públicos, assinaturas de termos e parcerias, ou prospecção de investimentos e negócios, como o do centro de montagem de aviões em Guaíba. Há intensa participação em feiras, seminários e discussões. Internamente, entretanto, aliados começam a ficar ansiosos por uma notícia de porte, uma diretriz que funciona como marca.

Para o professor Rodrigo González, do programa de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, “tanto do ponto de vista positivo como negativo, nos primeiros 100 dias do governo estadual não aconteceu nada.” O pesquisador apontou que, no período, o governador conseguiu reorganizar sua base de apoio, mesmo que ela não seja ampla, e ajustar o secretariado sem pressão. “Era o esperado em uma gestão que é de continuidade. Ele obteve com êxito a reeleição, só que ela é o ponto de partida, não de chegada. Equilibrar contas e pagar dívidas não é uma grande notícia, é administrar o cotidiano. É verdade que 100 dias são 5% do obrigatório, é cedo. Porém, se Leite deseja protagonismo nacional, vai precisar tirar algum coelho da cartola. Um governo que não aparece é um sonho para liberais, mas, do ponto de vista eleitoral, é a morte”, alerta,

O docente aponta que o fato envolvendo o RS que ganhou destaque neste período ocorreu à revelia do governo estadual. Foi o resgate, em diferentes cidades, de trabalhador em condições análogas à escravidão. Já politicamente, no que se refere ao projeto, houve uma ação importante na área da educação, a aprovação do reajuste do magistério. Mas, como admitimos aliados, o aumento não ocorreu por iniciativa do Estado, e sim para cumprir a norma federal.

Educação e questão fiscal ganham destaque na pauta 

Entre as ações já anunciadas pelo Executivo gaúcho para a educação em 2023 estão a abertura de um concurso para 1,5 mil professores e retomado, a partir deste mês de abril, do programa 'Todo Jovem na Escola', que paga R$ 150, 00 de bolsa permanecer para tentar combater a evasão no Ensino Médio, a etapa da Educação Básica que, na rede pública, é de responsabilidade do governo estadual, e que vem apresentando alguns indicadores críticos no Censo Escolar.

Em 2021 o Ensino Médio público aqui amargou uma taxa de abandono de 10,7%. A quarta pior entre as unidades da federação, e praticamente o dobro da nacional. Em 2022 o RS ficou na penúltima posição quando medida a proporção de alunos matriculados em tempo integral no Ensino Médio na rede pública, com 4,7%. A média, no Brasil, foi de 20,4%. As consequências da pandemia do Covid-19 e o cenário conturbado de implantação do Novo Ensino Médio tendem a acentuar as dificuldades.

“Não vai bastar o Executivo eleger a educação como prioridade se isso não se traduzir em números. Em determinado momento, por exemplo, o Ceará se destacou nacionalmente na Educação Básica. Mas isso não aconteceu de uma hora para outra. Ocorreu após vários anos de investimentos que, por fim, acabaram por aparecer nos indicadores nacionais”, compara González.

Argumento recorrente ao longo dos três primeiros meses para justificar a manutenção do “freio de mão puxado” em iniciativas para diferentes áreas, a dependência de configurações nacionais na questão fiscal para anúncios sobre investimentos também começa a perder áudio, já que em março houve uma sucessão de decisões que beneficiam os cofres do Estado.

No início do mês o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o dispositivo que retirava da base de cálculo do ICMS como tarifa dos serviços de transmissão e distribuição de energia elétrica e encargos setoriais vinculados às operações, favorecendo pleito de governadores. Poucos dias depois, a União anunciou como irá compensar os estados pelas perdas na arrecadação resultante da redução de alíquotas de ICMS determinadas em 2022. O RS, que reclamava R$ 5 bilhões, receberá R$ 3,6 bilhões. No final do mês, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) definiu que o ICMS da gasolina passará a ser de R$ 1,22 a partir de 1º de junho, valor que elevará o imposto a um patamar próximo aos 25% cobrados antes da limitação de alíquotas. Acordo fechado ainda em dezembro também aumentará o ICMS sobre o diesel e o gás de cozinha, a partir de 1º de maio.  

“É uma pauta forte esta da recomposição dos impostos sobre combustíveis. Reestabelece receitas, mas gera aumento de preços e contraria uma promessa do governador. Ou seja, vinha tudo meio parado, e esta questão pode virar uma pedra no sapato, talvez exija alguns contorcionismos”, analisa o professor dos programas de pós-graduação em Ciência Política e em Políticas Públicas da Ufrgs, Sergio Simoni Júnior.

O pesquisador coloca ainda outro aspecto que, por um lado, beneficia a espera de Leite de alçar voos nacionais, mas, por outro, não permite que se concentre com questões regionais específicas: o fato de o tucano ter cumprido, em fevereiro, a presidência nacional de seu partido. “É uma condição na qual não pode defender apenas interesses do RS, vai ter que contemplar outras demandas. Ele já enfrentou resistências no PSDB, precisa se dedicar a isso”, adianta.

Correio do Povo

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