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domingo, 23 de abril de 2023

"Agroinfluenciadores": jovens mostram o orgulho de ser do campo nas redes sociais

 Bom humor e autoestima elevada são ingredientes dos influenciadores da zona rural do RS e do Brasil

por Nereida Vergara

Um estudo preliminar controlado em 2021 pela professora Marlene Grade, do curso de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), se permitiu a quantificar o número de influenciadores digitais que se multiplicaram no Brasil para compartilhar conteúdos do meio rural. Os agroinfluenciadores caíram no gosto das redes sociais, em especial do Instagram e do TikTok, desde 2018, e cumpriram, convidados, uma tarefa que governo e entidades vêm fomentando, com sucesso relativo, de melhorar a imagem do produtor, de seus meios de produção e da atividade agropastoril .

A partir de uma aceitação de 140 perfis nas redes sociais, a professora Mariane, e seu orientando de seguido Eduardo Marcus Bodnar, identificaram que a maior parte dos agroinfluenciadores era de mulheres (69,14%), com média de seguidores entre 5 mil e 170 mil. A amostra considerou 21 estados, com concentração de casos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

O trabalho da UFSC também apresentou a variabilidade de níveis socioeconômicos e culturais dos influenciadores, de agrônomos  e produtores até professores, comunicadores e universitários. Os pesquisadores destacaram que pelo menos 61,15% dos perfis enaltecem e defendem a agricultura tradicional como um modelo a ser seguido e que 69% faturam de alguma forma com o marketing de influência, não apenas com produtos ligados à agropecuária (como máquinas e insumos ), mas também nos convites para apresentação em feiras do setor e eventos, além de roupas, acessórios e alimentos.

Jaciara Muller, secretária geral e coordenadora estadual de jovens da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), avalia que a pandemia levou os jovens do campo a uma sacada de mestre. “Muitas propriedades sobreviveram à pandemia com o trabalho dos jovens divulgando nas redes”, comenta. Segundo o sindicalista, as redes sociais não apenas admiravam o empenho da juventude em defender a profissão de agricultor, como também expressavam a mudança na importância do papel mulher agricultora nas propriedades. “Elas se desafiam e mostram que podem fazer e estar onde quiserem”, ressalta.

Jovens como Marlise Schimitz, Pedro Pastore (na foto), Gabriela Comunello e Bárbara Bedin (com histórias completas na página central) justificam os milhares de seguidores com conteúdos que fogem ao artificialismo, priorizando a simplicidade e a segurança no dia a dia. 

A caminho de um milhão de seguidores

Entre os cerca de 13 mil habitantes de Antônio Prado, na Serra Gaúcha, reside uma celebridade do meio rural que acumula, no Instagram, incríveis 945 mil seguidores inspirados pelo Brasil e até fora dele. Pedro Pastore tem 14 anos, estuda no nono ano de uma escola municipal de Capela São Pedro, distrito de Antônio Prado. Começou em 2021 a postar vídeos no Instagram mostrando o cotidiano de uma criança que vive no campo , segundo ele, apenas para brincar. Um dos primeiros vídeos a viralizar, mostrando as belezas e qualidades da porquinha Titcha, teve nada menos que 20 milhões de visualizações, para surpresa de Pedro e da mãe, Eliane, administradora da agenda do adolescente e produtora de frutas, com o marido, que também se chama Pedro

Pedro chegou ainda em 2021 a 250 mil seguidores. Até este mês de abril, obtive, em média, 600 novos seguidores por dia. “Eu mostro bastante coisa da roça, os bichos, as máquinas. Tem dia que dá 3 mil likes e dias que dá 30 mil", diz, revelando que o segredo para manter o engajamento é o bom humor e o valor que dá as coisas de “colono”. 
"Mais ou menos interessado pelos estudos", como ele mesmo se define, Pedro admite que a formação básica é necessária. Faculdade, entretanto, não está, no momento, entre seus planos. “Quero trabalhar aqui com a mãe e o pai, que sabem tudo das frutas. Fazer curso de agricultor e seguir fazendo meus videozinhos para fazer sucesso no Instagram”, projeta. Rico em bordões para sustentar a atividade da família, que imigrou da Itália para o Brasil no início do século passado, resume a importância de quem produz no campo a uma frase “se o agro não planta, a cidade não janta”. 

A agenda de Pedro é movimentada. “Estou indo nas feiras de agro de todo o Brasil”, conta, anunciando que estará na Agrishow, de 1° a 5 de maio, em Ribeirão Preto, São Paulo. Ele diz que as idas às feiras atrapalham um pouco a escola, mas garante que recebe ajuda para recuperar os conteúdos e “fica tudo bem”. O garoto que sabe pilotar motocicleta de trilha e trator, lembra que as atividades são supervisionadas pelo pai. O que consegue faturar com marketing de influência, vai para a poupança, para poder usar “adulto”. Diversão fora das redes? Tem sim. Pedro gosta de brincar com o irmão João, de 8 anos, e os amigos, de pescar e tomar banho de rio.

Bem-humorado e piadista, Pedro Pastore gerencia seu Intagram de Capela São Pedro, no interior de Antônio Prado, e ganha cada vez mais seguidores com a participação em eventos do agronegócio, entre os quais a Agrishow, que visitará em maio| Foto:Pedro Pastore / Arquivo pessoal / CP

Talento que colocou marmeleiro no mapa

Foi correndo atrás de um tour, em 2019, furiosa porque o pai, carinhosamente chamado de "nêne", esqueceu de ligar a cerca elétrica, que Gabriela Regina Comunello, de 21 anos, ganhou nas redes sociais. Somando os seguidores do Instagram, do Facebook e do Youtube, a moça, que auxilia o pai em uma pequena propriedade no município de Marmeleiro, no Paraná, ultrapassa os 900 mil seguidores. "Eu postei o vídeo correndo atrás do tour de brincadeira e num instante teve mais de 20 mil visualizações, daí achei que tinha alguma coisa para explorar e começou", conta. 

Depois de correr o Brasil excomungando o "nêne" por deixar escapar o rebanho, Gabriela decidiu mostrar o trabalho da família e expressar seu orgulho em fazer parte da agricultura familiar. No estabelecimento do pai, são plantados milho e soja , mas a renda principal vem da produção de 35 vacas, cuidadas com preço pela jovem. "Minhas mimosas são tudo pra mim, e eu aprendi em quatro anos a expor da melhor maneira o meu trabalho com elas", ressalta. O salário de Gabriela é composto por ganhos no gerenciamento das férias e marketing de influência nas redes sociais. 

Ela garante que ser influenciadora lhe deu um conforto, de trabalhar da própria casa levando bom humor e uma visão positiva da mulher do campo. "Nós não estamos nas redes vendendo nosso corpo, estamos mostrando como é bonito o trabalho da agricultura, que pode fazer tudo o que o homem faz. Também gosto de pensar que levo bom humor para as pessoas, que estão na casa delas, às vezes tristes, e podem rir comigo", destaca Gabriela, que viu um incremento significativo de seus seguidores durante a pandemia. Daqui alguns anos, ela pretende retomar os estudos para talvez cursar Agronomia. Por enquanto, está feliz em Marmeleiro, município de 15 mil habitantes. "Me sinto feliz, integrado ao mundo, próxima das pessoas, mais conhecida do que feijão, como diz o pai", completa.

Aos 21 anos, Gabriela Comunello, de Marmeleiro, no Paraná, aprendeu a produzir conteúdos mostrando o trabalho da família e cenas animadas do dia a dia, como quando teve de correr atrás de um tour porque o pai, o “nêne”, deixou a cerca elétrica da propriedade ameaças | Foto: gabriela comunello/arquivo pessoal

Força e foco que surpreendem

Marlise Schimitz, de 31 anos, foge daquele que poderia ser o estereótipo de uma influenciadora digital. Muito tímida, ela produz conteúdo sem ter de falar, mostrando apenas trabalho, e trabalho pesado. Com mais de 60 mil seguidores no Tik Tok, a agricultora de Linha Antão, interior de Canela, toca com o marido, Eliandro de Freitas Livi, uma propriedade de apenas 1 hectare, onde criou frangos, plantam tomates e combustível  . 

O casal produz 17,1 mil frangos de corte a cada 60 dias e duas safras de tomate por ano em 3,6 mil pés plantados em quatro estufas. Mas foi o trabalho com lenha que levou Marlise a obter, em um único vídeo, 2 milhões de acessos, e pensar em como poderia exibir o orgulho de sua profissão nas redes sociais, até então usado apenas para funções particulares. "Esse vídeo teve mais de 3 mil comentários e muitas pessoas disseram que nunca tinham visto uma menina trabalhando assim", relembra. A surpresa dos internautas é bem justificada: na postagem de cerca de 20 segundos, a trabalhadora põe nas costas um tronco de árvore e carrega, aparentemente, sem esforço. "Eu quis fazer diferente, demonstrar que o jovem e, principalmente, a mulher, 

O agricultor e o marido iniciaram o negócio há sete anos, segundo ela "sem nada e com um financiamento de R$ 300 mil para pagar". Por isso, Marlise define sua presença nas redes sociais como uma manifestação exclusiva de incentivo. Uma demonstração de que dá para viver no campo sendo jovem, se a pessoa enfrentar os desafios e ter foco. Por não abrir mão da dedicação ao aviário, tarefa da propriedade em que atua mais diretamente, Marlise não aceita contratos de marketing de influência, mesmo já tendo sido procurada. “Não é do meu interesse, porque aqui somos só os dois para trabalhar e não tenho como atrelar a obrigação de produzir conteúdo com tudo o que tenho de fazer”, reconhece.

 Responsável pela criação de mais de 17 mil frangos a cada 60 dias, em Linha Antão, distrito de Canela, Marlise Schimitz deixou a timidez de lado para ressaltar o valor do jovem e da mulher na agricultura familiar | Foto: M arlise Schimitz / Arquivo pessoal / CP.

Autenticidade na vida dos Bedin

Bárbara Bedin, de 20 anos, mora na Linha Berno, no município de Seara, interior de Santa Catarina. Com conteúdo bem-humorado, ela e os irmãos, Pedro, de 14 anos, e Brenda, de 6, somam mais de 170 mil seguidores no Instagram e 300 mil no Tik Tok. Os perfis geridos por Bárbara mostram situações do cotidiano da família, como a ordenha das 42 vacas, manejo dos suínos, e o plantio de soja e milho. Além dos estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) − ela pretende conquistar uma vaga em uma instituição federal no curso de Medicina Veterinária −, Bárbara ajuda o pai, Sidimar, e a mãe, Fernanda, nos afazeres da propriedade. 

Segundo ela, a vida mudou bastante desde que obteve sucesso nas redes sociais. O marketing de influência lhe rendeu, por exemplo, um telefone novo, para melhorar a qualidade de suas postagens. "A maior parte do dinheiro eu guardo para usar mais tarde", diz ela, brincando que "poderá" dividir o dinheiro com os irmãos, coadjuvantes em seus conteúdos. Para Bárbara, as redes sociais trouxeram a possibilidade de levar o que acontece na vida dela e na da família, numa cidade com menos de 20 mil habitantes, tanto a internautas do meio rural quanto do meio urbano. "O que me alegra é saber que com um vídeo meu, ou um vídeo meu com o Pedro e a Brenda, leva felicidade e riso para quem pode ter tido um dia difícil na cidade", pontua. 

A influenciadora acredita que a aceitação de conteúdos como o dela chamam atenção pela confiança e simplicidade. "A gente posta sem estar arrumado, sem maquiagem, vida real mesmo", brinca. Parceira de Bárbara, Brenda, de 6 anos, é uma dose a mais de espontaneidade para responder às tradicionais perguntas dos internautas. "Bárbara, o que vocês plantam?", questiona o seguidor. Sem cerimônias, Brenda responde: "Nós planta soja (sic), mas não é nós não (sic), é o pai que planta!" 

Com a pequena Brenda, de 6 anos, Bárbara Bedin mantém 170 mil seguidores no Instagram e 300 mil no Tik Tok, sem produção prévia, sem maquiagem, “vida real” mesmo, como ela faz questão de dizer | Foto: Barbara Bedin / Arquivo pessoal / CP

Radiografia da “agroinfluência”

140 perfis de influenciadores digitais voltados aos agro foram analisados ​​em 2021 no trabalho no curso de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina 69,14% desses perfis eram personalizados por mulheres, com média de seguidores entre 5 mil e 170 mil. Considerou influenciadores em 21 estados, com concentração de casos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. O trabalho da UFSC também identificou os níveis socioeconômicos e culturais dos influenciadores, que variavam de agrônomos e produtores até professores, comunicadores e universitários. 61,15% dos perfis enalteciam e defendiam a agricultura tradicional como um modelo a ser seguido. 69% dos influenciadores faturaram de alguma forma com o marketing de influência, não apenas com produtos ligados à agropecuária (como máquinas e insumos), mas ainda na forma de convites para apresentação em feiras e eventos do setor. 

Correio do Povo

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