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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Irã: mulher, vida, liberdade

 Mulher, vida, liberdade

Jurandir Soares

Os estádios do Catar em que o Irã jogou suas partidas pela Copa do Mundo foram palcos de protestos contra a repressão desenvolvida pelo regime dos aiatolás. Numa ocasião, uma torcedora portava uma camisa da seleção iraniana com o nome de Masha Amini, a jovem de origem curda que foi morta pela polícia de costumes, chamada de polícia moral, por portar inadequadamente o hijab, o véu islâmico que toda muçulmana deve usar a partir dos nove anos. A camisa tinha o número 22, que era a idade que tinha Masha quando foi morta.

Enquanto isto, dentro do país seguiam as fortes manifestações contra o regime e a correspondente repressão. A ONG Iran Human Rights, sediada em Oslo, contabiliza cerca de 540 mortes desde o início dos protestos, quando a jovem foi morta, em 16 de setembro. Segundo o relator especial da ONU para o Irã, mais de 15 mil pessoas foram detidas. A Justiça iraniana já proferiu ao menos seis sentenças de morte relacionadas às manifestações e anunciou nesta semana a prisão de 40 estrangeiros, acusados de participação nos atos. Sob a lei da Sharia na República Islâmica, a pena de morte é sempre a punição imposta por assassinato, a menos que a família da vítima conceda perdão ou aceite um valor em dinheiro em troca da morte. Nenhuma circunstância atenuante é levada em consideração pelo Judiciário local. A maioria dessas mulheres condenadas à morte “reagiram a tentativas de estupro ou viviam em um contexto global de violência”, afirma Julia Bourbon Fernandez, coordenadora da ONG Ensemble contre la peine de mort (Juntas contra a pena de morte). A maioria das rés pertence a classes sociais marginalizadas, de acordo com os ativistas. "Elas são muitas vezes pobres e rejeitadas por suas próprias famílias. Elas são, portanto, muito vulneráveis", disse ao Washington Post Roya Boroumand, co-fundadora do Abdorrahman Boroumand Center em Washington.

Além disso, o sistema judiciário é baseado em regras discriminatórias que dão mais poder aos homens, inclusive diante da lei. Entre as discriminações judiciárias existentes contra mulheres estão o fato de a idade de responsabilidade criminal de uma menina ser de 9 anos, enquanto que para um menino é de 15 anos, e o fato do testemunho de uma mulher não ter o mesmo peso legal que o de um homem.

Reunidos em caráter de urgência em Genebra por iniciativa da Alemanha e da Islândia, os 47 países-membros do mais alto órgão das Nações Unidas sobre direitos humanos decidiram, no final de novembro, nomear uma equipe de investigadores para esclarecer violações aos direitos humanos relacionadas à repressão do regime aos protestos. A ONG Anistia Internacional aplaudiu o que chamou de resolução histórica e "um passo importante para acabar com a impunidade". Neste fim de semana, finalmente, o governo resolveu fazer uma concessão, visando minimizar os distúrbios. Extinguiu a polícia de costumes, força especial que prendia principalmente mulheres por não usarem o véu e não cumprirem as regras estabelecidas pelo país. No entanto, o procurador-geral do país, Mohamad Jafar Montazeri, adiantou que o comportamento comunitário vai continuar a ser fiscalizado e destacou que a indumentária feminina continua a ser muito importante, principalmente nos espaços sagrados, mas que a ação legal só será utilizada como medida de último recurso. É uma vitória da população, mas muito pequena ainda diante do atraso que representa o regime que governa o país. Mas o movimento segue. "'Mulher, vida, liberdade”. Com esse slogan, tão simples e tão forte, os iranianos reforçam, há mais de dois meses, os valores que defendem.


Correio do Povo

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