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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Caso Boate Kiss: TJ-RS decide anular júri que condenou quatro réus

 Julgamento dos recursos ocorreu nesta quarta-feira na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul



Por dois votos a um, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu, nesta quarta-feira, por anular o júri que condenou os quatro réus no caso da Boate Kiss. Agora, Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão vão ser submetidos a um novo julgamento. 

Durante a sessão, foram julgadas as apelações da defesa, que alegaram nulidades no processo e na solenidade do julgamento original. Os advogados de defesa apresentaram seus argumentos pedindo tanto a nulidade do júri, quanto, em caso de manutenção da condenação, pelo redimensionamento das penas. 

Julgamento dos recursos ocorreu nesta quarta-feira na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Julgamento dos recursos ocorreu nesta quarta-feira | Foto: Mauro Schaefer

O julgamento foi acompanhado por familiares e vítimas da tragédia, que deixou 242 mortos em 2013 na cidade de Santa Maria. Antes do início da sessão, o grupo protestou em frente ao prédio ao TJ-RS.


Em dezembro do ano passado, em julgamento popular que durou dez dias, Elissandro Callegaro Spohr tinha sido condenado a pena de 22 anos e 6 meses, Mauro Londero Hoffmann a 19 anos e 6 meses, Marcelo de Jesus dos Santos a 18 anos e Luciano Bonilha Leão a 18 anos.

O advogado Jean de Menezes Severo, que fez a defesa de Luciano Bonilha Leão, produtor da banda Gurizada Fandangueira, afirmou na sessão de hoje que o juiz Orlando Faccini Neto, responsável pelo caso, teve conduta diferenciada durante o júri popular por se tratar de um caso midiático como o Caso Kiss, permitindo comportamentos que não aceitaria em outros julgamentos, como, por exemplo, a manifestação dos familiares durante as sessões. 

A defesa de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda, feita pela advogada Tatiana Borsa, apelou pela soltura do réu, que afirmou também ter sido vítima do incêndio. “Depois do júri, voltei a Santa Maria e as pessoas me disseram que acreditam na inocência do Marcelo. Não existe dolo eventual”, argumentou. 

Os advogados de defesa apontaram 19 nulidades no júri, que foram refutadas pelo Ministério Público, responsável pelas acusações, durante as manifestações da procuradora de Justiça Irene Soares Quadros e do assistente de acusação Pedro Barcellos. “As provas falam por si. Botar fogo dentro de uma boate, sendo que é proibido em estádios. Era previsível o que aconteceria”, disse Barcelos.

Após estas manifestações, o desembargador Manuel José Martinez Lucas, que também foi relator dos recursos, leu um breve relatório e, em seguida, deu seu voto. Martinez, em cerca de uma hora de argumentação, rechaçou todos os apelos da defesa, citando, principalmente, a complexidade do Caso e, em consequência, a dificuldade de se fazer um julgamento sem fazer algumas concessões. “Não vislumbro prejuízo para os réus. Se este júri for anulado, seguirão muitos outros, pois sempre haverá algum problema”, finalizou.

Em desacordo, os desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto, reconheceram as apelações dos advogados de defesa e, assim, por 2 votos a 1, decidiram pela nulidade do julgamento original. O principal problema apontado pela dupla foi o sorteio dos jurados, que ocorreu em três momentos diferentes, a última delas sendo apenas quatro dias úteis antes do início do julgamento. “A escala do tempo exígua e o número extenso de jurados restringe as defesas demais”, afirmou Weingartner, último a ler seu voto. 

Durante os votos, os desembargadores criticaram a decisão do ministro Luiz Fux do Superior Tribunal Federal (STF) de ordenar a prisão dos réus da Kiss. Opinião partilhada inclusive por Martinez que chamou a ordem de “esdrúxula e arbitrária”.

Com a leitura do último voto, o relator, desembargador Martinez, anulou o júri e mandou soltar os quatro réus, que deverão passar por novo julgamento, a ser marcado. Familiares das vítimas protestaram dentro da sala onde ocorria a sessão. “Foi um duro golpe para todos nós, principalmente para as famílias. Eu lamento a postura tomada pelo tribunal, que julgou mais a forma dos atos do que sua validade. Não foi a resposta que a sociedade esperava. Eu tenho certeza de um resultado positivo mais adiante no Superior Tribunal de Justiça. Estou tranquila que vamos reverter essa decisão”, opinou a promotora Lucia Helena Callegari.

Ao conversar com a reportagem do Correio do Povo antes do início do julgamento, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Gabriel Rovadoschi Barros, esperava que as condenações fossem mantidas. “Temos a convicção que não tem argumentos possíveis para uma nulidade do júri. Contamos também com a manutenção das penas decretadas em dezembro. Temos a confiança, pois sabemos que nossos argumentos são baseados nas provas, nos fatos e nos testemunhos de quem viveu aquilo. Os responsáveis têm nomes, estão presos e assim devem ficar”, sustentou. A decisão pela nulidade não foi facilmente recebida pelas vítimas e familiares.

Muitos precisaram ser atendidos pelo departamento médico do TJRS após o proferimento da decisão. A mãe de uma das vítimas subiu o tom de voz na saída da sala onde ocorreu a sessão. “Mataram meu único filho e vocês vem dizer que isso é vingança? Justiça é vingança? Querer assassino na cadeia é vingança?”, proferiu a mulher enquanto familiares tentavam confortá-la. Kelen Ferreira, uma das vítimas sobreviventes da noite na Kiss, há quase dez anos, também acompanhou o julgamento, ontem. “É difícil, não quero falar hoje”, disse, abalada.

 Um banner com as fotos das vítimas do incêndio foi colocado em frente ao TJ-RS nesta quarta-feira | Foto: Mauro Schaefer



Correio do Povo

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