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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Ameaça amarela nos campos do Rio Grande

 Sem o controle dos ovinos e favorecida por falta de manejo do solo, a maria-mole se propaga no Estado e causa a morte de bovinos


Preocupação tradicional dos pecuaristas gaúchos, com potencial para matar bovinos entre a primavera e o verão, os casos de seneciose têm crescido nos últimos anos, segundo observação de estudiosos com base em relatos recebidos dos produtores. Como explicações para a curva ascendente têm sido apontadas o manejo incorreto do solo e a redução do rebanho de ovinos. As medidas de mitigação passam essencialmente pelo manejo da propriedade.

A propagação da doença, que é a maior causa de morte de bovinos no Estado, está vinculada à proliferação de plantas do gênero senecio, conhecidas como maria-mole ou flor-das-almas, que contêm alcalóides pirrolizidínicos, componentes químicos que inibem a mitose das células hepáticas, algo semelhante aos casos de cirrose em seres humanos. 

A intoxicação não é aguda, mas a substância tem efeito cumulativo e pode levar a quadros irreversíveis. “Quando há um problema numa propriedade, entre 30% e 40% do rebanho pode ser afetado e a letalidade é de 100%", resume o pesquisador Fernando Castilhos Karam, do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF). Também não há tratamento terapêutico para a intoxicação, que tem como sintomas principais o emagrecimento; diarréia intermitente; sinais nervosos, como apatia e agressividade; inchaço (é comum haver relatos de que o animal parece estar “cheio de água” ao andar); feridas; e prolapsos retais. Esses sinais podem surgir em até dois anos depois da ingestão da planta.

 Os animais sentem os efeitos da contaminação na primavera e no verão, quando a maria-mole está florida e é mais visível. Foto: Fernando Castilhos Karam / Divulgação / CP

Dado que a consequência final é a morte do animal, Karam se preocupa com a progressão do número de casos no Estado. “Há anos ela (a seneciose) vem aumentando porque está muito ligada à atitude do homem no ambiente”, afirma. Segundo o pesquisador, tratar a terra de forma inadequada, o que acontece com frequência nas culturas de soja, faz com que a planta nasça em maior quantidade e se espalhe também para as redondezas. Em campos destinados à pecuária aos quais a maria-mole chegar, os animais acabam comendo a planta por falta de opção, sobretudo se a lotação for grande. Outro fator que causa o aumento do número de casos, segundo o pesquisador, é o declínio da ovinocultura, que pode ajudar no controle da planta. “Os ovinos são 20 vezes mais resistentes”, afirma. 

As regiões Sul e Sudeste são as mais afetadas pela seneciose. O Rio Grande do Sul tem características que agravam o problema, especialmente as climáticas. “Sobretudo pela ação do frio, a forragem fica seca, mas tem umidade no solo”, diz Naylor Perez, pesquisador da Embrapa Pecuária Sul. Isso diminui a concorrência entre espécies vegetais e favorece o surgimento de plantas indesejadas. 

Assim, o outono e o inverno são as estações em que mais ocorre a ingestão da planta. Nessas épocas, a maria-mole está em brotação e pode passar despercebida, pois é pequena e verde. Quando suas flores surgem, na primavera, tornando-a visível, também começam a aparecer os sintomas decorrentes da intoxicação. 

Perez afirma que o problema da seneciose é crônico. “Se a gente pegar os últimos 10 anos, vamos ter em torno de 650 mil animais que morrem por ano (no Rio Grande do Sul) e, desses, quase 8,5% (55,2 mil cabeças) por seneciose”, calcula. A perda econômica estimada está entre R$ 150 milhões e R$ 160 milhões por ano. “É um problema grave há muito tempo”, afirma Perez. 

Segundo o pesquisador da Embrapa, o problema é agravado pela propagação da senecio madagascariensis, uma variedade de maria-mole que entrou no Rio Grande do Sul vinda da Argentina. Embora seja menos tóxica que a senecio brasiliensis local, a argentina também representa risco e pode ter contribuído para o aumento do número de casos da doença. Tudo isso faz com que o produtor gaste em vão com medicamentos, o animal passe por sofrimento e, por fim, acabe morrendo.

Diante disso, o que resta fazer é usar o manejo para evitar a intoxicação. Perez destaca o método “mirapasto”, que consiste em eliminar as plantas adultas e fortalecer a pastagem, nativa ou cultivada, para que exista uma competição que evite infestações da maria-mole. Ele também recomenda que o criador compre sementes fiscalizadas, que não vêm contaminadas; use sempre equipamentos limpos; e deixe animais recém-adquiridos de quarentena, antes de colocá-los no pasto, para eliminar sementes que podem estar no pelo ou no trato digestivo do bovino. Respeitar a capacidade máxima do pasto; roçar áreas infestadas nos meses de julho e agosto; utilizar ovinos para o controle (associados ou não aos bovinos); e arrancar a planta manualmente também são medidas eficazes. 

Ano Difícil

“Há uns anos atrás, a gente estava juntando o gado e uma vaca forte deitou e não levantou mais. Aí ela morreu, o veterinário fez uma autópsia e o fígado estava da cor de um pulmão. Ele falou que era intoxicação.” Foi assim que o criador Arturo Isasmendi, de Bagé (RS), descobriu que um de seus animais havia ingerido a maria-mole. Na ocasião, o produtor deu antitóxicos e cálcio ao bovino, porém não houve melhora. “Mas agora a gente fica só torcendo para que não aconteça”, admite. Por volta do ano de 2010 ocorreram as maiores perdas de Isasmendi: oito vacas morreram. Como anteriormente havia criação de ovelhas na propriedade, essa não costumava ser uma preocupação. 

Nos últimos anos, Isasmendi relata que a ocorrência da maria-mole tem aumentado a ponto de “só se enxergar o amarelo dela e não o pasto”. A solução do criador é roçar o terreno uma vez por ano; Desde que ele adotou a prática não houve mortes, mas a quantidade de plantas neste ano tem causado preocupação. 


Correio do Povo

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