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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Religião no Brasil Colonial - História virtual



Cena da 1a missa realizada no Brasil (abril de 1500)


A Companhia de Jesus no Brasil

Com os descobrimentos ultramarinos, a Igreja Católica do Renascimento estava demasiadamente imersa nos problemas seculares para promover uma expansão missionário tão grandiosa como a que se exigia. Tornava-se igualmente irrealizável deixar nas mãos dos colonos a conversão do gentio. Possibilidade que se aventou, mas que logo foi abandonada, uma vez que o trabalho apostólico, por mais que se quisesse, representava sempre uma limitação aos propósitos predatórios e mercantis daqueles que viam o indígena meramente como força de trabalho a ser explorada. Para isso desenvolviam as racionalizações mais arbitrárias. Basta-nos ver o exemplo de Cortês, que pedia ao imperador e ao papa o direito de castigar os da terra que não se submetiam, apresentando-os “como inimigos de nossa santa fé”.

Teriam, portanto, que sair da Igreja os esforços para a difusão do Cristianismo no ultramar. Foram as ordens religiosas que se propuseram a esse movimento missionário. Coube à dos franciscanos a precedência sobre todas as outras. As notícias de muitos povos pagãos recém-descobertos despertaram o zelo apostólico entre os frades de toda a Europa, oferecendo-se numerosos deles para predicar o Evangelho aos indígenas. Acorreram à América espanhola imediatamente após a conquista do México e se estenderam a todo o império espanhol no Novo Mundo. Seguiram-se a eles os dominicanos, cuja obra missionária, inspirada num rigorismo ético, chocava-se com a resistência dos colonos espanhóis que se recusavam a ver outra possibilidade no indígena que não fosse a sua exploração no trabalho escravo. Já em 1511 abria-se o conflito entre missionários dominicanos e colonos, com um sermão pronunciado pelo dominicano Antônio de Montesinos. Tendia a missão, enquanto impulso expansivo da Igreja Católica, a exercer uma influência mais além do eclesiástico, atacando um sistema colonial fundado na superposição de uma camada de senhores e na exploração do indígena.

Não demorou para que alguns discípulos da Companhia de Jesus mostrassem grande interesse em serem enviados ao Novo Mundo. Não contaram, entretanto, com a aquiescência do Papa, a quem o fundador da Companhia havia jurado obediência absoluta. Consideravam-se mais necessários os trabalhos dos jesuítas dentro da própria Europa, onde tanto havia que fazer, como os teólogos mais qualificados da igreja, para deixá-los dispersarem-se pelas missões na conversão de infiéis. Somente por volta de 1565 vieram os primeiros jesuítas para a América espanhola, numa expedição orientada para combater os huguenotes franceses alojados na Flórida. “Se simplifica em demasia o fato histórico, quando se faz derivar exclusivamente da Contra-reforma a expansão mundial da Igreja Católica da Época Moderna, e igualmente quando se supõe que essa expansão foi desencadeado pelos jesuítas. A revivescência e ativação das forças missionários da cristandade ocorreram na Idade Média tardia, por obra das ordens mendicantes, e a reforma desses institutos monásticos, em fins do século XV e começos do século XVI, reavivou o ardor apostólico em suas comunidades. A Companhia de Jesus não só apareceu mais tarde, senão que primeiro teve que fortalecer-se internamente e superar fortes resistências do governo espanhol, antes de poder cumprir sua grande obra de evangelização .”

Em Portugal a Companhia de Jesus havia sido favorecido desde 1540, durante o reinado de D. João III, e graças a ele puderam os jesuítas estabelecer-se na América portuguesa sem encontrar os impedimentos colocados aos jesuítas espanhóis por Filipe 11 e pelo Conselho das Índias. Junto com o primeiro governador-geral vieram para o Brasil os primeiros jesuítas: os padres Manuel da Nóbrega, Leonardo Nunes, Antônio Pires, Aspicuela Navarro, Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. Nóbrega, que viera à frente dos demais, tornou-se Provincial com a fundação da província jesuítica brasileira, em 1553. Apesar de não ter sido a primeira ordem a aqui se instalar (aos franciscanos coube também no Brasil essa precedência), tomou-se a mais importante e a que maior influência teve na vida colonial brasileira.
O Sentido das Missões e da Catequese

A ação da Contra-reforma na Europa revestiu-se de dois aspectos principais: procurou por um lado reconquistar pelas armas os territórios protestantes; e por outro, onde a vitória militar lhe permitia, procurou converter as massas protestantes por toda uma série de meios.


Nesse segundo aspecto, visando a reconquistar as almas onde a situação política o permitia, a Igreja romana empregou os métodos mais diversos: multiplicou as dioceses, construiu ou reconstruiu igrejas, sobretudo criou seminários, universidades e colégios, utilizando o fanático devotamente das ordens religiosas. Foram os jesuítas e capuchinhos os agentes por excelência dessa reconquista.

Ligou-se a esse movimento um outro, que vinha há mais tempo, mas que ganhou novo ímpeto com a reação à Reforma protestante, que pretendia não só a cristianização dos povos do Novo Mundo, mas a “conquista dessas almas” para a Igreja Católica. Os propósitos confessionais das ordens religiosas que se dirigiam às terras descobertas eram impregnados de ambições políticas. Em nome de intenções piedosas compunha-se a luta pela restauração do poder político da Igreja de Roma, abalado pela Reforma. Trazer os povos das novas terras para o seio da Igreja Católica; impedir nelas a penetração das seitas “heréticas”, dando-lhes combate e lançando as bases da Igreja romana; e mantendo a vigilância sobre os colonos de forma a que não se desgarrassem dos preceitos católicos, tais eram as funções outorgadas às ordens religiosas, particularmente à Campanha de Jesus.

Foi quanto ao primeiro particular, a catequese, que se revelou o maior conflito com os colonos. Para os jesuítas tanto tinha importância a conversão das almas quanto a utilização econômica daquela mão-de-obra disponível; ao passo que aos colonos não interessava mais que a exploração da força de trabalho indígena, sem que se interpusesse a isso o empecilho da catequização. O que propunham os jesuítas na verdade, ao mesmo tempo em que visavam realizar aqueles objetivos político-religiosos, era uma forma “mais racional” de colonização em confronto com uma atitude puramente predatória dos colonos, apesar de mais condizentes com os termos da política mercantil.

As missões geralmente acompanharam as migrações dos indígenas à medida que estes fugiam dos principais centros de colonização, tentando escapar da escravização a que os colonos os submetiam. Dessa forma fixaram-se principalmente no sertão, em regiões que não apresentavam atrativos de exploração imediata, o que não quer dizer que estivessem isentas de investidos, que não formassem elas mesmas um alvo de cobiça dos colonizadores, pela quantidade de índios domesticados que aldeavam. Seus principais redutos localizaram-se no deserto do norte do México, nas orlas da floresta amazônica e no interior da América do Sul. Pela forma com que se organizaram, evoluíram como economias voltadas para a produção de excedentes comercializáveis pelos religiosos.

Vale a pena citar um trecho de um estudo recente sobre o assunto: “Este modo de produção subsiste teve uma gravitação decisiva na extensa região que atualmente compreende a República do Paraguai, grande parte das províncias argentinas de Missões, Corrientes, Santa Fé, Chaco e Formosa, o Estado brasileiro do Paraná e os departamentos de Artigas, Salto, Paissandu, Rio Negro e Tacuarembo na República Oriental do Uruguai.

Como se pode apreciar, a difusão geográfica deste modo de produção foi bastante ampla. Com relação a suas características geográficas, chegou a compreender, durante o século XVIII, a uns 130 000 indígenas, cifra muito alta se recordarmos as da população total da região.”

Este modo de produção, chamado despótico-aldeão ou despótico-comunitário, teve como fenômeno fundamental a recriação por parte do branco de uma comunidade indígena organizada em “pueblos” (aldeias) tendo em vista uma exploração mais racional da mão-de-obra índia. “Neste tipo de organização econômica se notam as conseqüências, de um modo específico, do impacto conquistador-colonizador sobre a anterior estrutura produtiva indígena. O fato distintivo será a férrea condução dos sacerdotes jesuítas, a minuciosidade administrativa e organizativa da Companhia, mais o zelo que em todo momento pôs essa instituição para evitar todo contato entre suas reduções e os espanhóis. Isto permitiu que os “pueblos” funcionassem até à expulsão em 1768 , como unidades produtivas relativamente autárquicas, que, embora mantivessem certa comunicação entre si, viviam totalmente separadas do resto da sociedade branca, com a qual se relacionavam economicamente apenas por meio da rede administrativa da Companhia de Jesus. … Porém não devemos nos enganar sobre o sentido final dessa subtração de mão-de-obra efetuada pelos jesuítas aos ‘encomenderos’. Obviamente a organização jesuítica significou também para os indígenas um sistema de exploração, na medida em que teve ela como resultado uma destruição quase total de seus valores culturais, além da pura espoliação econômica.”

O Ensino Jesuítico

O padrão para o ensino jesuítico em Portugal e nas terras descobertas na América, Ásia e África foi dado pelo Real Colégio das Artes de Coimbra, cuja direção fora concedida à Companhia de Jesus em 1555, um dos mais altos estabelecimentos de ensino não superior do reino. Os mestres dos colégios ultramarinos, de fundação real, eram subsidiados pela Coroa, a título de “missões”, quer dizer, formar sacerdotes para a catequese da nova terra, de modo a preparar num futuro quem substituísse os padres enviados da metrópole, no trabalho da evangelização. Entretanto, não cuidaram esses colégios apenas da formação de missionários, mas abriram suas portas àqueles que buscavam o ensino em suas aulas públicas, ou para simplesmente se instruírem, ou para irem continuar o aprendizado em medicina ou direito na Universidade de Coimbra.

A importância da Companhia de Jesus para a cultura colonial foi no campo da educação. Os primeiros colégios fundados no Brasil foram os de São Vicente, por Leonardo Nunes, e o de Salvador, por Nóbrega.

Logo, acompanhando a expansão dos trabalhos de catequese (entre 1548 e 1604 cerca de 28 expedições de missionários foram enviadas à colônia], uma vasta rede de colégios espraiou-se pelo nosso litoral: São Paulo (1554), Rio de Janeiro (1568), Olinda (1576), Ilhéus (1604), Recife (1655), São Luís, Paraíba, Santos, Belém, Alcântara (1716), Vigia (1731), Paranaguá (1738), Desterro (1750), “Nas aldeias, vilas e cidades, as escolas intitulavam-se ‘de ler, escrever, e contar’; e nos colégios, o mestre ora se chamava ‘Alphabetarius’ (1615), ora ‘Ludi-Magister’ (mestre-escola), e umas vezes se dizia ‘Escola de Rudimentos’, outras ‘Escola Elementar’. Estava aberta durante cinco horas diárias, repartidas em duas partes iguais, metade de manhã, metade de tarde.”

A organização do ensino jesuítico baseava-se no Ratio Studiorum, que, ao mesmo tempo em que era um estatuto e o nome de seu sistema de ensino, estabelecia o currículo, a orientação e a administração. O currículo dividia-se em duas seções distintas (inferiores e superiores), chamadas classes, de onde derivou a denominação “clássico” a tudo o que dissesse respeito à cultura de autores greco-latinos. As classes inferiores, com duração de 6 anos, compunham-se de Retórica, Humanidades, Gramática. Já as superiores, com duração de 3 anos, compreendiam os estudos gerais de Filosofia, para a época, abrangendo Lógica, Moral, Física, Metafísica e Matemática. Tanto num grau como no outro todo estudo era vazado no Latim e Grego e no Vernáculo.

O sentido desse ensino Fernando de Azevedo descreveu-o bem: “Ensino destinado a formar uma cultura básica, livre e desinteressada, sem preocupações profissionais, e igual, uniforme em toda a extensão do território… A cultura “brasileira”, que por ele se formou e se difundiu nas elites coloniais, não podia evidentemente ser chamada “nacional” senão no sentido quantitativo da palavra, pois ela tendia a espalhar sobre o conjunto do território e sobre todo o povo o seu colorido europeu: cultura importada em bloco do Ocidente, internacionalista de tendência, inspirada por uma ideologia religiosa, católica, e a cuja base residiam as humanidades latinas e os comentários das obras de Aristóteles, solicitadas num sentido cristão. Tratando-se de uma cultura neutra do ponto de vista nacional (mesmo português), estreitamente ligada à cultura européia, na Idade Média,. . .-é certo que essa mesma neutralidade (se nos colocarmos no ponto de vista qualitativo) nos impede de ver, nessa cultura, nas suas origens e nos seus produtos, uma cultura especificamente brasileira, uma cultura nacional ainda em formação.”

O ensino jesuítico, tanto em Portugal quanto no Brasil, era público e gratuito. A Companhia tinha mesmo como dever o cumprimento do voto de pobreza, que foi reafirmado por uma determinação oficial de 1556, proibindo aos padres acrescentar qualquer forma de poder material ao religioso. No Brasil, porém, dado não haver um amparo direto da Coroa, como acontecia em Portugal, impôs-se a necessidade de encontrar fontes de recursos para a manutenção de suas instituições.

Já o Padre Manuel da Nóbrega utilizara-se deste pretexto perante o delegado da Companhia no Brasil, Luís da Grã, a fim de permitir o estabelecimento de propriedades territoriais, inclusive com a utilização do braço escravo, em contradição com o voto de pobreza. Isso não se restringiu à Companhia de Jesus; o interesse pela propriedade, escravos e bens materiais foi comum às outras ordens religiosas que para cá vieram. Tal fato não deixou de preocupar a Coroa. Neste sentido foi que D. Sebastião, a fim de melhorar a situação, instituiu, em 1564, uma taxa especial para a Companhia, a redízima, descontada sobre todos os dízimos e direitos da Coroa.

Mesmo assim, isso não era suficiente para arcar com as despesas, sustentadas, sem dúvida, através das fontes próprias de subsistência: as missões, verdadeiras empresas agro-extrativas da Companhia, os colégios ou suas próprias propriedades particulares.

As Visitações – Cabia também à Companhia de Jesus na colônia a vigilância sobre seus habitantes, de forma a mantê-los dentro dos estritos preceitos da religião católica, controlando os seus modos de vida e suas crenças, tanto combatendo as práticas tidas por pecaminosas como a penetração das seitas heréticas. Já no final do século XVI os jesuítas se ressentiam da liberalidade dos costumes demonstrada pelos colonos, que respiravam com alívio, uma vez longe da Inquisição, de seus atos de fé e queimadeiros. A presença estrangeira no Brasil de protestantes, como ingleses, holandeses e franceses, e mais concretamente, a tentativa de Villegaignon de fundar uma colônia no Rio de Janeiro com franceses calvinistas , tornava real a ameaça ao monolitismo católico que se pretendia assegurar na terra. Tais fatos levavam os inacianos a reclamar com insistência, junto à Companhia, a vinda de um Visitador do Santo Ofício que cuidasse da grave situação.


No Brasil não se chegou à fundação de tribunais inquisitoriais permanentes. A Coroa limitava-se a enviar comissários especiais para a realização de processos por causa de fé. Estes funcionários viajavam para os lugares onde eram exigidos e eram conhecidos como “Visitadores”.

Decidiu-se Lisboa a promover uma primeira visitação na colônia, enviando Heitor Furtado de Mendonça, que chegou aqui em meados de 1591, para “atalhar este fogo da Heresia”.

Durante quatro anos percorreu as Capitanias da Bahia e Pernambuco, cumprindo sua missão com tal exagero e prepotência que coube ao próprio Inquisidor-Geral e ao Conselho do Santo Ofício reprimir-lhe os excessos impondo moderação ao fanático Visitador: “Convém ter muita advertência nas prisões que fizer nas pessoas que hão de sair ao auto público, que se faça tudo com muita justificação pelo muito que importa à reputação e crédito do Santo Ofício e a honra e fazenda das ditas pessoas, as quais depois de presas e sentenciadas não se lhe pode restituir o dano que se lhes der.”

Muitos foram nas capitanias os acusados e condenados por blasfêmias, por diminuírem, em conversas, o valor da Paixão de Cristo; por atos heréticos que atingiam a autoridade da Igreja; neste caso, estão as inúmeras arbitrariedades contra os “cristãos-novos”, acusados de praticar o judaísmo às escondidas; por crimes de bigamia e de “pecado nefando” (práticas sexuais consideradas anômalas). Quantidades deles foram condenados a sair em “auto público” (para serem humilhados e esconjurados pelo populacho) sem serem ouvidos seus protestos de inocência; ou então, presos, tiveram seus bens confiscados, sendo enviados para o reino a fim de serem julgados pelo Conselho do Santo Ofício; alguns sofreram violências maiores, chegando mesmo a haver sacrifício em fogueira pública.
Resumo

A religiao oficial do Brasil colonia era o catolicismo,em virtude da influencia catolica nos paise ibericos.

Tanto que chegaram padres vindo da europa para catequisar os indios.Esses padres eram chamados de jesuitas.

Em todo grande latiffundio existia um padre que realizava as missas.

As outras religioes do brasil colonia eram as religioes africanas praticada pelos escravos.

Fonte: paginas.terra.com.br
Religião no Brasil Colonial


DO VIVER AO PRATICAR: SINCRETISMO RELIGIOSO NO BRASIL COLONIAL

Introdução

Desde os tempos coloniais o Brasil é palco de um intenso processo de integração entre as várias culturas que se aventuram em visitá-lo. Colocamos aqui, povos indígenas e africanos, além de católicos portugueses como protagonistas da gênese do sincretismo religioso no período colonial. Consideramos, porém, que outras culturas se fizeram presentes no processo de construção cultural brasileiro, como os judeus e os árabes, aqueles desde a época das entradas e bandeiras, quando os cristão-novos saíam em busca de ouro e indígenas para enriquecimento dos cofres lusos e engrandecimento da Igreja Católica Apostólica Romana, recebedora de almas para entrega a Deus, segundo dizia. É válido destacar ainda, que quando falamos em indígenas, africanos e lusos, atentamos para as peculiaridades existentes em cada um desses grupos humanos, pois nenhum deles se constitui como etnicamente ou culturalmente isento de influências de outrem.

Se os lusos haviam incorporado costumes de outros povos europeus, asiáticos e africanos, o que diremos da diversidade de sociedades existentes na África e no continente que viria a ser chamado América?

O sincretismo foi intenso por cá, no entanto, não seria interessante para todos: de um lado vemos uma religião católica, tentando se fechar em seus templos; de outro, percebemos as crenças indígena e africana adentrando a casa-grande e os recantos mais secretos da mente e vivência luso-brasileira, destronando promessas e penitências, louvando trabalhos e forças mágicas. A religião na colônia, mesmo sob o olhar atento e punitivo dos inquisidores, guarda práticas sincréticas que nos foram legadas, preservando, mesmo que inconscientemente, sua memória.

Neste trabalho, pretendemos abordar as práticas religiosas que assinalaram o período citado, como a pajelança e as santidades, de forma a qualificá-lo enquanto profundamente hibridizado, considerando brevemente a atuação dos tribunais inquisitoriais nas paragens brasileiras. Objetivamos ainda, perceber como ocorria a convivência entre os rituais ditos heréticos, praticados por bruxas e feiticeiros e os cultos cristãos, que transmitiam, na maior parte das vezes, a idéia de que não se devia atentar para aquelas práticas “demoníacas”. Desse modo, procuramos entender como um contato entre culturas tão distintas possibilitou profunda hibridização, buscando conhecer suas peculiaridades no que compete a modos de culto, ao mesmo tempo em que analisamos as formas de resistência e/ou aceitação ao pensar do outro.

Para tal, buscamos inspiração e explicação, ao mesmo tempo em que levantávamos questionamentos em pesquisadores como Laura de Mello e Souza, Roger Bastide, Ronald Raminelli, Ronaldo Vainfas e Luiz Mott. A historiografia costuma, dentro de uma imensidade de objetos de estudo, trazer interpretações dos fatos que caracterizam a vivência de um povo. Pensando nisso é que o período colonial brasileiro é encarado de formas distintas diante do desenvolvimento dos estudos. Sendo assim, podemos perceber algumas vertentes e modos de narrar que, influenciados por distintas concepções, nos oferecem um mar de conhecimentos e questionamentos. Esse mar é tão povoado pelo imaginário quanto aquele do início dos tempos modernos, habitado por monstros terríveis e rodeado por um abismo infinito. E quantas são as histórias… Imaginemos os modos de contá-las.

“Quero falar da descoberta que o eu faz do outro”: a intensificação dos contatos

A frase destacada do subtítulo foi dita por Tzvetan Todorov em toda sua sapiência e inspira nosso discurso sobre as relações humanas e culturais no período colonial brasileiro, voltando atenção especial ao aspecto religioso. Quanto ao contato entre as três culturas aqui abordadas, não poderíamos deixar de salientar que ocorreu de forma híbrida, somando aspectos característicos de ambas.

A região tropical brasileira, de clima escaldante, com parte de seu território banhando-se nas águas salgadas do Oceano Atlântico reunia ainda mistérios e incitava expedições, tão requisitadas no mundo moderno, como forma de provar a hegemonia de países, desejosos em consolidarem seu poderio tecnológico e bélico.

Pois bem. Essa região favorecia mesmo a ebulição cultural que se concretizava, anunciando temperos peculiares e aparências mestiças. Ali se encontrariam hábitos diferentes e olhares pautados por distintos âmbitos. O choque era inevitável em princípio, mas o resultado encanta ainda hoje, e o leitor se sinta livre para prestar significado ao verbete encantar.

Agora, a coesão nos pede para abordarmos brevemente aspectos das três culturas relevadas neste trabalho e a prudência, para esclarecer de imediato que não temos intenção de resumi-las a sucintos parágrafos, contudo de retratar algumas facetas, pois os aspectos culturais destas sociedades se fazem imensos.

Explicamos que não aparecem em ordem de importância, já que consideramos todas como responsáveis equivalentes pelo sincretismo religioso no Brasil.

Em primeiro lugar trazemos os habitantes nativos de um território por eles muitíssimo conhecido. Em uma rápida excursão pelo universo da cultura indígena, mais precisamente no âmbito religioso, detectamos uma pluralidade de emoções e crenças ritualísticas. Um ponto comum era a confiança em entidades que tanto podiam ser boas quanto más, equivalendo a espíritos de antepassados que influenciavam o cotidiano daqueles grupos.

O chefe religioso era o Pajé, regente da comunidade, direto mensageiro daqueles entes. A quantidade de deuses era significativa, sendo que os principais elementos cultuados eram o Sol e a Lua; as divindades mais conhecidas eram Itapuã, Tupã, Jurupari e Jaci; além delas, havia o grande curandeiro, Xaramundy e o Curupira, protetor das florestas. Adeptos de crenças anímicas, acreditavam que o mundo pós-morte se localizaria depois das “distantes montanhas”, sendo uma terra sem mal algum, onde o morto encontraria seus ancestrais.

A expansão marítima portuguesa encontrou justificativa política, econômica e religiosa. Inventos árabes e europeus auxiliaram sobremaneira essa expansão, garantindo às nações ibéricas, unificadas mais cedo, o pioneirismo nos grandes empreendimentos náuticos. Portugal e Espanha puderam consolidar seus domínios no “Mar Tenebroso”, fosse à costa africana ou atlântica. Imaginemos qual não deve ter sido a euforia européia quando do encontro com aquelas – essas – terras.

Era um vasto território, cheio de aparentes riquezas, belezas naturais e humanas que encantavam os pálidos europeus e beneficiavam suas nações de origem de muitas maneiras. Que prato cheio para as narrativas de Américo Vespúcio, que batizaria tais terras. Que ambiente propício aos romances indianistas de José de Alencar, séculos adiante. Não é à toa que Pero Vaz de Caminha escreve ao seu rei, entusiasmado com a exuberante terra que contemplou, semelhante ao Éden, pelo menos em um primeiro momento.

Depois algumas opiniões divergiriam desta primeira, como diz Laura de Mello e Souza: “O Novo Mundo era inferno sobretudo por sua humanidade diferente, animalesca, demoníaca, e era purgatório sobretudo por sua condição colonial”. Essa transição, de paraíso a inferno, ocorre de maneira sutil, cotidiana, quando os lusos percebem que não seria tão fácil dominar as consciências naquele mundo que eles haviam acabado de encontrar.

Durante os primeiros anos, a metrópole portuguesa ocupou-se em explorar o pau-brasil e mandar expedições de reconhecimento das terras. No litoral foram estabelecidas feitorias que não bastavam para o processo efetivo de colonização

Para tal empreendimento, a mão-de-obra utilizada foi a indígena, depois a negra africana. Viram-se, nesse momento, nobreza e clero unidos, pois se o rei queria garantir seu espaço (riqueza nessa época era sinônimo de conquista e exploração de terra), o Papa pretendia receber almas em seu rebanho, consolidando a hegemonia católica na América.

Acerca da doutrina cristã, passada pela Igreja Católica, lembramos alguns dogmas, como a obediência à figura divina, representada no espaço terreno pelo Santo Padre; confissão dos pecados a Deus através de seus mediadores; arrependimento das concupiscências; distanciamento de práticas ilícitas: adivinhações, trabalhos encomendados, bruxedos e toda sorte de feitiços promovidos pelas criaturas hereges que não herdariam o Reino dos Céus, límpido e santo.

A África guarda uma religião povoada por diferentes divindades e formas de adoração. Apegados a crenças animistas, muitos povos africanos se colocaram como principais quando o assunto é religião no Brasil Colonial ou mesmo em décadas do século XX, como fala Roger Bastide, dando por exemplo a inserção do negro nos cultos de origem indígena.

Os deuses mais adorados entre os negros que habitavam estas terras eram Ogum, o deus da guerra; Xangô, da justiça; e Exu, divindade da vingança. Como podemos perceber, tais divindades remetem a sentimentos de contestação e revolta. Ora, certamente os africanos também louvavam o amor, a paz e todas aquelas boas emoções pretendidas pelos ideais católicos. Acontece que, contrariando muitos estudos e compreensões sociológicas abordadas por pesquisadores diversos e contestadas por outros, os escravos não estavam passivos frente à escravidão. A reação era cotidiana, burlando as imposições dos senhores com estratégias sutis que freqüentavam inclusive a adoração aos deuses, disfarçados em imagens católicas.

Esse cenário não demora em se tornar alvo de uma construção belíssima: a do imaginário. As histórias começam a freqüentar o cotidiano da população brasileira.

De início, aterrorizavam e faziam com que se realizassem promessas para proteção, afinal, em um ambiente tão heterogêneo, onde os espíritos estranhos aos colonizadores, adorados pelos escravos estavam soltos e atendiam aos desejos de seus servos, os católicos, temerosos de serem atingidos pelos demônios e suas perversas e ilícitas práticas, precisavam se proteger, recorrendo às orações e penitências.

Além daqueles espíritos vindos da África havia os nascidos aqui, tipicamente brasileiros, produzidos pelos medos dos fiéis católicos em cair no mundo negro e pecaminoso. Laura de Mello e Souza, em seu “Inferno Atlântico”, comenta um poema de Bernardo Guimarães, ‘A orgia dos duendes’, retrato das lendas que marcavam a vivência sincrética e os sonhos de criancinhas e, até mesmo, muitos adultos. Era a Taturana, a Getirana, o Esqueleto, a Mula-Sem-Cabeça, O Lobisome, o Galo-Preto, o Crocodilo e a Rainha, a mais poderosa das bruxas, por ter cometido assassinatos e cometido o pecado da luxúria, magistralmente.

Todos esses fatores atiçavam a imaginação acerca do Brasil, daquelas noites mornas que convidavam os espíritos aos seus rituais malditos.

As terras tropicais, segundo muitos viajantes da época, como Jean de Léry e André Thevet eram consideradas incivilizadas e viáveis ao pecado, pois seus habitantes não conheciam Deus e nem se esforçavam neste propósito, com a exceção de poucos, ainda assim pela insistência dos jesuítas, que a tudo estavam expostos, até mesmo aos rituais antropofágicos, a serem destacados. O Brasil era como um Purgatório, terra de degredo das bruxas e outros pecadores europeus, julgados pelos tribunais inquisitoriais, que vinham pagar seus pecados sob esse sol impiedoso, que fazia corar as senhorinhas e suar os padres, envoltos por seus quentes e pesados hábitos.

A elite luso-brasileira ou mesmo aqueles brancos pobres, se esforçava para não se ligar de maneira nenhuma às atividades mágicas. A Igreja Católica insistia ainda contra essas influências sob um território que havia ajudado a povoar. Os padres e fiéis mais fervorosos se esforçavam sobremaneira para não ceder a nenhum capricho da carne, pura matéria, exposta aos desejos e ao convencimento pelo diabo. As orações se faziam mesmo necessárias, elas santificavam, exorcizavam. Promessas eram fundamentais, como forma de sobreviver ali, naquele ambiente tórrido, semelhante ao inferno, repleto de abismos para a alma através do corpo.

Por mais que tenha havido uma tentativa de sobreposição católica, a resistência negra e indígena a esse processo veio a consolidar o estado sincrético da religião.

É válido dizer que essas religiões não chegam ao Brasil em sua circunstância “pura”, pois as influências se dão desde o processo de gestação de cada idéia, tornando esse estado de castidade, mera suposição. Os africanos, além de suas próprias crenças, estabeleceram contato com o islamismo, o que acarretou, já sob o olhar jesuítico, sua fama de “indivíduos sem alma”.

Como disse Bastide, foi o jesuíta que atribuiu ao negro aquela condição de “desalmados”, pois seu contato com o pecado tinha profundas raízes, desde a estadia na África com os muçulmanos, desde aquelas práticas animistas do começo de sua cultura. Muitos diriam que não restava outra escolha ao negro que não fosse a escravização, apoiados na filosofia aristotélica de justificação da servidão, pois talvez, através do suor, os escravos conseguissem purgar o seu pecado. Enquanto a figura do indígena ganhava ares europeus, retomando uma idéia de Platão de que existira uma ilha esplêndida, Atlante, terra de valorosos homens e exemplar cultura que tinha se colocado agora, sob o domínio indígena, ou seja, aqueles povos ainda poderiam encontrar a salvação, para muitos religiosos, porque descendiam de antigos troncos europeus.

É por isso que os jesuítas defendem muitos indígenas da escravidão, condenando apenas os mais “bravios” ao jugo. Preferiam levá-los aos aldeamentos, onde ficariam sob os auspícios da Igreja, na pessoa dos religiosos.

A América seria agora, o palco da luta entre a força doutrinária da Igreja e os cultos de matrizes africanas e indígenas; o lugar onde os escravos podiam purgar seus pecados através do trabalho; onde os nativos, alguns deles antropófagos, se faziam típicos servos de Satanás, sem conseguirem oportunidade para falarem sobre suas crenças, empurrados pelos jesuítas às pias batismais ou aos aldeamentos, quando não para a escravização na lavoura, trabalho que exigia esforço, suor, que os colonizadores, imbuídos de uma questionável autoridade, mas que governavam e formavam a elite econômica, diziam purificador; o campo de batalha entre Deus e o Diabo.

Os próprios portugueses dialogavam com o mundo vil do pecado em sua terra natal. Lembremos dos inúmeros casos de degredo de lusos às terras purgantes dos trópicos e percebamos quão contaminada pelas ervas satânicas era a vivência religiosa em solo europeu. Os tribunais inquisitoriais não se estabeleceram só para assegurar a devoção católica, mas também para punir os desviados pela imundície do pecado.

Autos de fé condenaram muitos ao Brasil, terra que os abrigaria, absorvendo de suas práticas o suficiente para trazer até essas paragens três visitas dos “diabos da inquisição”, pois:


Se Deus era cultuado d’aquém e d’além-mar, Satanás também o era, reinando ainda nas vagas e turbilhões oceânicos. Numa época em que o Sistema Colonial articulava boa parte das terras do globo, é natural que sonhos, anseios, desejos, projeções imaginárias refletissem suaimportância que tinha na vida cotidiana, nos afetos e na subsistência de cada um.

Ora, se o Brasil abrigou muitos hereges exilados pela Inquisição, é porque na Europa já havia práticas condenáveis. A atuação das fogueiras inquisitoriais em solo europeu não foi coadjuvante. Colocava-se como comum, havendo já um cuidado das pessoas em não se comprometerem mediante as Mesas, pois eram impiedosas, assim como na América.
Crenças e práticas sincréticas nas paragens brasileiras

Mas se já aportamos em terras brasileiras, falemos de como isso aqui andava envolto em armadilhas satânicas. Eram bruxas que saíam em forma de demônios familiares para minguar criancinhas, eram feiticeiros poderosos que viviam de produzir as tão hereges bolsas de mandinga, eram mestiços e mesmo senhores apoderados pelo diabo, que distorciam os preceitos religiosos, cometendo as mais infames concupiscências. Mestiços e senhores. Até padres se deixavam tomar pelas tentações tão bem recortadas nesse ambiente quente e lascivo, sob um sol escaldante que lembrava mesmo os martírios da punição eterna. Difícil para aqueles servos de Deus continuarem imunes aos vícios da carne, outrora afastados com vigor e moral pela santa cruz de Cristo.

No íntimo das povoações indígenas, já acompanhadas de negros e poucos brancos dissidentes, ocorriam rituais de transe místico, que nos trazem a complexidade religiosa de grupos indígenas, guardas de sua cultura, embora esta não esteja imune às influência de outrem.

A santidade, movimento do século XVII, esteve presente entre grupos indígenas, sendo que a principal característica era a do culto a um ídolo de pedra. Outros movimentos de santidade foram desenvolvidos e, após um contato mais intenso com a religião católica, agregou elementos cristãos aos cultos. O principal ídolo era nomeado Maria, havendo ainda outros elementos, como estátuas, e o fato do culto ser realizado sob um templo, coisa que antes da chegada dos europeus não se costumava fazer, sendo as cerimônias ao ar livre. Para atingir o transe místico na santidade, era comum o uso de ervas.

Esse ritual indígena ganha novos adeptos: os negros africanos. Como nos relata Bastide, muitos deles, principalmente os bantos, adoravam elementos naturais da paisagem onde haviam nascido. Com a saída forçada da terra natal, suas divindades não podem acompanhá-los, pois estavam fixos na região. O homem, no entanto, parece sentir a necessidade de adorar um ser misterioso, de atribuir ao mesmo, propriedades de protetor e onipotente. O mesmo acontece com aqueles negros, até então privados de proteção, quase desprovidos de esperança.

Alguns escravos se rebelam exigindo liberdade. A ordem tradicional senhor/escravo começa a ser questionada, perturbada pelas cantigas estranhas dos africanos, tonta com o aroma da ousadia que se metia pelas entranhas dos negros e firmavam o movimento. Negros que já haviam tentado sair da condição de escravizados, uns conseguindo seu intento, outros não. Ao menos a santidade podia adquirir mais uma esperança, alimentada pela certeza de que um dia e definitivamente o senhor se tornaria escravo e o escravo se faria senhor.

Essa idéia embriagava o espírito dos adeptos: brasileiro, mestiço, humano e pensante.

Não poderíamos deixar de referir o ritual da jurema. Realizado por grupos cariris, essa prática envolve todo o universo dos encantados somado à perspectiva da santidade. Esse culto trazia a mais profunda crença indígena na inversão dos papéis entre colonizador e colonizado. Acreditavam que um deus de pedra por eles cultuado far-lhes-ia justiça um dia, colocando os brancos opressores no papel de dominados.

Os que não cedessem a esse novo modelo seriam transformados em seres inanimados.


Sociologicamente esse culto pode ser classificado na categoria dos messiânicos, já que está todo repleto de ressentimento, o ressentimento do escravo contra o senhor, do homem da terra contra o conquistador, e ele anuncia profeticamente a desforra do vencido contra o europeu.

Saindo desse culto e centralizando nossa análise no ritual da jurema, vemos uma prática já pintada com traços católicos, onde os principais cultuados assumiam denominações dessa religião, como a “Mãe de Deus” e o “Papa”. A jurema tem propriedades alucinógenas e, quando propriamente utilizada, promove o transe místico. Ele ocorre através do ajuá, beberagem da raiz da jurema, somada ao fumo da mesma planta. O que é importante ressaltar é o caráter hibridizado desse culto, que apesar de sua origem indígena, recebe influências religiosas africanas e católicas portuguesas.

No entanto, muitas outras práticas se integravam ao cotidiano colonial. Eram pequenas rezas para cura de doenças cotidianas que cismavam em perturbar ainda mais a vivência dos habitantes das terras sob domínio luso. Eram feitiços para conseguir paixões praticamente impossibilitadas, ou para adquirir algum benefício, como a proteção. Eram contra-feitiços procurando desfazer os trabalhosencomendados por inimigos. Eram bruxedos realizados por mulheres conhecedoras de toda espécie de sortilégios e receitas mágicas, com ervas ou ingredientes nada usuais. Eram demônios familiares que auxiliavam as bruxas no seu intento, sugando criancinhas, deixando-as secas.

Outra prática muito comum era a adivinhação. Para realizá-la bastavam a crença, o material e o dom.

Serviam para muitos fins: encontrar objetos perdidos, conhecer o futuro, desvendar casos amorosos, desenterrar botijas. Além dela, a cura que, apesar de proibida era freqüente, principalmente na figura das velhas rezadeiras, mestras no procedimento do curar. Aqui, a terapêutica popular se aliava às artes obscuras das rezas que despediam dores de cabeça, dores de dente, espinhela caída, sol na cabeça, feitiços, tosses, tudo através do saber daqueles que rezavam e das orações que deviam acompanhar o processo, algumas invocando o Deus cristão, outras mencionando diretamente o nome do diabo. Além disso, havia as benzeduras, destinadas principalmente a animais adoentados ou para fazer-lhes mal. As três práticas foram duramente perseguidas pelas autoridades católicas e governamentais.

O infanticídio, assassinato de recém-nascidos e crianças, rapidamente era atribuído às bruxas. Quando um senhor aparecia com achaques estranhos, logo se pensava no escravo africano ou já mestiço, conhecedor das ervas e das palavras para fazê-lo cair. As bolsas de mandinga apareciam como principais causas das visitas inquisitoriais. De acordo com nossa concepção, não havia outro elemento no Brasil colonial que destacasse mais o caráter híbrido da religião.

As bolsas traziam elementos do culto católico e unia conhecimento indígena, africano e europeu em sua confecção. Lembramos que a presença do feitiço e do bruxedo no Brasil, bem como sua propagação, deve muito aos europeus condenados ao Brasil por seus pecados com práticas ocultas. José Francisco Pereira foi um dos que se destacaram na arte de confeccionar bolsas, sendo perseguido por isso. As cartas de tocar também se alastraram, utilizadas principalmente para aventuras amorosas.

E não era só. A colônia estava povoada por práticas sincréticas diversas e por mais que os luso-brasileiros tentassem se afastar delas, muitos acabavam cedendo, mesmo que a uma pequena reza. Apesar de um verdadeiro combate que se travava contrariamente a estes rituais, havia, não raro, casos de pacto com o demônio, metamorfoses de bruxas em demônios familiares e outras relações com o mundo da obscuridade, para os católicos da época.
Visitas dos “diabos da Inquisição”: breves considerações

No entanto, muitas outras práticas se integravam ao cotidiano colonial. Eram essas as mais perseguidas pela inquisição, pois estavam escancaradas à sociedade, acessíveis a quaisquer pessoas interessadas em ganhar proteção ou em garantir que algum desejo secreto se fizesse real. Muitos relatos de bruxedos preenchem as laudas eclesiásticas. Muitos nomes se pronunciaram nos “autos de fé”, lista afixada às paredes externas dos templos que não se preocupavam em guardar os nomes dos acusados, a partir dali, marginalizados nas conversas do dia-a-dia, pois agora eram publicamente considerados íntimos do demônio.

Até ser extinta em 1821, a Inquisição portuguesa esteve no Brasil em três oportunidades. A primeira se deu em 1591, com Heitor Furtado de Mendonça, dirigida à Bahia e a Pernambuco; a segunda, voltada à Bahia, por Marcos Teixeira, veio em 1618; e, por último, vem trazida ao Grão-Pará e Maranhão, entre 1763 e 1768, por Geraldo José de Abranches.

Tomamos como exemplo o caso de Frei Luís de Nazaré, um religioso exorcista que foi tomado pelo diabo em algumas situações, chegando a ser julgado por seus ex-colegas inquisidores. Acontece que, quando de suas tarefas a afastar influências malignas de adoráveis senhoras vitimadas, abusava delas sexualmente, com a desculpa de ser aquilo, parte do ritual de exorcismo.

Outro processo que nos interessa é o de José Francisco Pereira, julgado pela Mesa Inquisitorial e preso em 1730. Um escravo que fabricava bolsas de mandinga e, segundo depoimento, sob tortura, à Inquisição, mantivera relações sexuais com a própria pessoa do Diabo, este ora sob a forma feminina, ora sob a masculina. Além disso, fora responsável por certas cartas “demoníacas” que compunham as bolsas, feitas sob encomenda para o sentido de autoproteção.

Esses foram dois casos entre muitos outros analisados pelos inquisidores e julgados pelos mesmos em suas mesas e autos. O fato é que, além de revelar a atitude dominadora da Igreja Católica, tais fatores nos trazem testemunhos de que a resistência a essa pretensa hegemonia católica ocorreu verdadeiramente. E não se dá desse modo. A alternativa aos padres exorcistas eram os feiticeiros que tanto aplicavam quanto livravam de feitiços e bruxedos.

Muitos depoimentos trazem a perspectiva do cotidiano colonial, povoado por estas práticas, nem sempre estranhas ao luso-brasileiro:


A feitiçaria colonial se engastava na vida cotidiana da população, notadamente a das camadas mais pobres. Eram os vizinhos que se delatavam mutuamente, espiando o quintal alheio por sobre o varal de roupa ou através da cerca divisória, colando os ouvidos contra as paredes-meias, colhendo informações em conversas diárias na porta das vendas, da igreja, na esquina, na janela.

Por mais que houvesse a tentativa deste luso-brasileiro em resistir à influência do “outro”, as relações eram híbridas, não privilegiando nenhuma religião em detrimento de outra. Apesar de toda a fiscalização e repressão por parte dos que se supunham dominadores, o colono sente sua hibridização, embora alguns a rejeitassem. A Inquisição, por mais rigorosa que fosse, não podia praticar aquilo a que combatia, a adivinhação.

Até aqui falamos de práticas sincréticas diretamente verificadas pelos tribunais. É válido salientar, porém que haviam as práticas mais discretas, aquelas não descobertas, mantidas no segredo das pessoas envolvidas, por medo ou interesses. A colônia se fizera cúmplice dos contatos entre as culturas.

Considerações Finais

A vivência no Brasil colônia inspirava muitas promessas. E cada indivíduo tinha sua particularidade ao pedir. Aqui, já não nos é possível separar os povos que se encontraram em terras ainda edênicas, pois já não são os mesmos.

Encaramos agora, o produto do tão comentado hibridismo: uns pedindo ajoelhados frente a altares, outros, com o auxílio de orações de mandinga e outros ainda, ocupados em seus transes místicos, portais para um mundo idealizado. E é como se cada promessa, cada pedido, cada palavra dedicada a Deus ou a Ogum ou mesmo aos antepassados idealizassem um mundo, uma vivência.

E já não contemplamos mais uma homogeneidade nos ambientes, seja ela étnica ou religiosa. Em alguns momentos percebemos um africano rezando a Ave Maria, um índio recebendo em seus cultos aos encantados um negro banto como líder, um luso-brasileiro encomendando um trabalho. Todos mensageiros da mestiçagem, arautos de uma identidade.

A coexistência inicial foi eficaz para que acontecesse essa bela mistura sob a iluminação espetacular do Sol nos trópicos. A prática dos contatos híbridos era uma questão de tempo. Pouco. As paragens brasileiras proporcionavam um convite ao sincretismo, à mistura, ao convívio. Embates não deixaram, é claro, de existir, afinal não é só a memória de saudáveis receitas que insiste em se fazer lembrar. Vivências e práticas sempre vão guardar singularidades, já que nenhum povo é homogeneizado.

O período colonial exemplifica tudo isso e, se havia um temor por parte de alguns em conhecer a cultura do ‘outro’, pretendendo o isolamento cultural e essa tão questionável castidade religiosa, salientemos que nem tudo podia ser observado, sendo que o cotidiano guardava segredos entre a prática e o adepto.

Gláucia de Souza Freire

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. Vol. 2. Tradução de Maria Eloísa Capellato e Olívia Krähenbühl. São Paulo: EDUSP, 1971.
MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Mello e (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Pp. 155-220.
RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: Demonologia e Colonização Séculos XVI – XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
VAINFAS, Ronaldo. Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista. In: SOUZA, Laura de Mello e (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Pp. 221-273.

Fonte: www.cerescaico.ufrn.br
Religião no Brasil Colonial
As Religiões no Brasil

Do descobrimento à Proclamação da República, o catolicismo foi a religião oficial do Brasil, devido a um acordo de Direito de Padroado firmado entre o Papa e a Coroa Portuguesa. Neste tipo de acordo, todas as terras que os portugueses conquistassem deveriam ser catequizadas, mas tanto as Igrejas quanto os religiosos se submeteriam à Coroa Portuguesa em termos de autoridade, administração e gerência financeira.

Com a Proclamação da República, foi declarada a independência do Estado em relação à Igreja, e foi instituída a liberdade de culto, sendo o Brasil declarado um Estado laico, isto é, isento de vínculos religiosos.

O catolicismo no Brasil colonial foi implantado pelos jesuítas durante o período colonial e depois por outras Ordens Religiosas que assumiram o serviço das paróquias, dioceses, institutos educacionais e hospitais. Em 1750, graves conflitos entre os colonos e padres levaram o Marquês de Pombal a expulsar os jesuítas do Brasil, pois eles resistiam em permitir que os índios fossem escravizados.

As religiões de formação brasileira, ou de raízes brasileiras, são as religiões dos índios (mais encontradas na região Norte e Nordeste) e as religiões afro-brasileiras trazidas pelos escravos da África e, posteriormente, adaptadas à sociedade brasileira.

Fonte: www.csanl.com.br
Religião no Brasil Colonial
Religiosidade popular brasileira colonial: um retrato sincrético

O nascimento do Brasil como nós conhecemos foi através da “descoberta” por exploradores europeus profundamente imbuídos em levar a fé e o culto católico por terras “virgens” e “incultas”. Antes da atual denominação, a colônia portuguesa foi batizada de “Terra de Vera Cruz”, revelando o expressivo caráter religioso na colonização. A epigrama de Tertuliano, acima, é pertinente para o Brasil, para onde missionários e exploradores trouxeram com eles seus elementos culturais.

Novos costumes, valores, hábitos, deveres e obrigações foram se impondo e se estabelecendo na colônia luso-americana.

O próprio catolicismo português já era delineado como sincrético. Ele era caracterizado como um catolicismo de forte apego aos santos e a eles nomeando forças da natureza. Práticas já observadas desde o século 15 com forte ênfase nas procissões religiosas e missas, um catolicismo mais afeito às imagens e às figuras do que ao espiritual, como elucida Laura de Mello e Souza (1986). O catolicismo medieval europeu era impregnado de heresias e paganismos, estudados por Jacques Le Goff, recordando os templários e os cátaros nos seus repúdios à cruz (apud Mello e Souza, 1986).

Em Portugal símbolos como as cruzes eram constantes em praças, igrejas, ruas, sepulturas, ao longo de caminhos, nos cordões, peitorais e escapulários, nas exclamações invocatórias e protetoras, no velame das caravelas. Por toda parte imagens de santos povoavam as vilas, cantos de ruas, altares, oratórios e capelas, interior de casas, cultos à Virgem Maria, festas, romarias e procissões nas ruas que se repetiram no Novo Mundo.

Um delicado equilíbrio era, então, buscado entre a religiosidade popular e o catolicismo de Roma na Idade Média. Uma relação de tensão perpétua, “tentando integrar o que recebe de aceitável e esforçando-se por eliminar o que desfigura ou ameaça as forças que o estruturam” (Manselli apud Mello e Souza, 1986:99).Uma tensão entre “o uno e o múltiplo, o transitório e o vivido” que caracteriza a relação entre crenças populares e a religião oficial. Carlo Ginzburg, com propriedade, identifica essa tensão na religiosidade popular medieval européia em oposições assimétricas: “indivíduos cultos/ camponeses; latim/ línguas vulgares; pintura/ escultura; Cristo/ santos; religião/ superstição” podendo ser reduzidas à tensão entre o “cultural/ social […] cultura escrita/ imagens” (Ginzburg, 2001:98).

Essas dualidades sobre a religiosidade faziam presença na Europa medieval, e no Brasil colonial não poderia ter sido diferente.

Dualidades que se desdobram em três no Brasil, classificadas por Hoornaert (1974) como o Guerreiro, o Patriarcal e o Popular. O primeiro se refere ao espírito de organização presente no Estado português e entre os jesuítas no confronto com o empreendimento colonizador, isto é, catequizar e desbravar o selvagem. Imagens de santos guerreiros como São Sebastião no Rio de Janeiro ou Santo Antônio em Pernambuco atestam o uso deles a fim de aflorar e legitimar o sentimento de pertencerem ao Império Português e ao catolicismo frente ao infiel francês ou holandês.

O aspecto patriarcal do catolicismo brasileiro se enquadra no estabelecimento da religião nos engenhos de açúcar nos séculos XVI e XVII. Estudado por Gilberto Freyre (1992), o patriarcalismo nos remete ao catolicismo localizado dentro da propriedade do senhor de engenho, a ele obedecendo e procurando integrar escravos e outros dentro da estrutura de poder e produção da cana de açúcar. Um poder de caráter mais privativo, visto que se limitou às capelas e aos capelães próximos à casa-grande açucareira.

Por último, o popular, o que mais interessa ao estudo. O popular, como diz Hoornaert (1974), seria aquele catolicismo praticado pelo gentio, indígenas e escravos.

Catolicismo aqui no sentido mais amplo visto que entre esses, a religião ganhou novos contornos e significados. O catolicismo pressupõe valores e costumes que, quando confrontados com etnias de origens diversas, acaba se mesclando com novas culturas. Apesar de hegemônico na colônia, o catolicismo não conseguiu se impor plenamente.

Houve espaço para o sincretismo na medida em que não se conservou a religiosidade como nos locais de origem, mas ganhou novas características ao se defrontar uma com as outras, transcendendo a configuração anterior ao contato. Espíritos africanos foram identificados com santos católicos, mas o culto destes não significava a simples preservação de cultos vindos da África. O culto aqui se distinguiu do continente africano pelas condições geográficas e culturais diferentes. Orixás guerreiros, como Ogum, ganharam destaque aqui, diferente dos de cunho agrícola mais cultuados na África, como Onilé.

A vertente popular do catolicismo brasileiro, enfim, apresenta-se como mais dinâmica. Na vertente popular constatamos a adaptabilidade e renovação que o catolicismo, com toda a sua gama de influências populares medievais européias2, adquire com contornos tropicais peculiares.

Dentre os inúmeros aspectos peculiares da colônia portuguesa, que escandalizaram observadores estrangeiros, podemos destacar alguns traços principais. O culto intenso e íntimo dos santos, o número excessivo de capelas, a teatralidade da religião, certa irreverência nos costumes religiosos, além de sincretismos de inúmeras etnias na colônia, perfazendo finalmente um quadro, ou um mosaico, do catolicismo popular brasileiro colonial.

Entre as heranças culturais portuguesas na religiosidade brasileira está o forte apego aos santos, criando vínculos íntimos e até carnais com alguns deles.

Como descreve Gilberto Freyre (1992:247) nos insistentes pedidos de velhas e viúvas para se casarem e de mulheres estéreis a se esfregarem nas imagens santas:


Casai-me, casai-me, São Gonçalinho,
Que hei de rezar-vos, Amigo Santinho

E por parte das moças:


São Gonçalo do Amarante,
Casamenteiro das velhas,
Por que não casai as moças?
Que mal vos fizeram elas?

E para São João:


Dai-me noivo, São João, dai-me noivo,
Dai-me noivo, que me quero casar.

Esse forte apego aos santos do catolicismo popular medieval europeu e português legou como herança cultural ao Brasil uma das mais ricas manifestações populares: a festa junina. Anteriormente era chamada de festa “joanina”, festa em homenagem a um dos santos mais importantes: São João. Toda a festa junina transparece em sincretismos: a dança de quadrilha advinda de danças de cortes francesas, os mastros a simbolizar falos na Europa medieval, o rito de fertilidade no casamento e na fartura das comidas e doces, o santo homenageado nas ruas, nas danças.

Outro legado cultural do catolicismo popular português foi o messianismo, que resultou de crenças sebastianistas do povo português – exemplificado no Brasil pelo movimento do Contestado e Canudos – que teve a convicção de que um herói, um salvador, acabará por regenerar o país, extirpando de vez a miséria, a fome e outras desgraças. Foram crenças herdadas da religiosidade portuguesa que ganharam novos contornos populares na colônia luso-americana.

O barroco também se fez presente na religiosidade brasileira oriundo da cultura portuguesa. Estilo caracterizado pela exuberância das formas e pompa litúrgico-ornamental, que reafirmava em glória e circunstância o poder da Igreja no mundo. A estética humanista do Renascimento se apoiava em elementos de linearidade, rigidez de planos, delimitação de formas, autonomia e claridade dos objetos. O barroco vem opunha-se opor-se como novo modo de arte e cultura, fundada em maior liberdade e desenvoltura, desprezo da linha reta, prevalência do pictórico, movimento de massas, dimensão e integração em profundidade de planos, interpenetração e confusão de contornos e claridade. O sentimento religioso nasceu português, mas cresceu barroco, interpenetrativo, apelando às excentricidades do culto propugnadas pelo Concílio de Trento e difundidas pelos jesuítas. Do barroco herdamos não só o estilo atormentado da nossa arte religiosa, mas a importância dada às semanas santas e festas populares.

Barroco este que marcaria profundamente a cultura brasileira nos seus insistentes apelos emotivos e piedosos, manifestados nas esculturas de Aleijadinho do século 18 mineiro.

Refletiam a tradição portuguesa na comemoração de santos e celebrações nas invocações a Nossa Senhora, comum aos dois países. Datas e comemorações como a São Sebastião, no Rio de Janeiro; a Semana Santa; os Santos de junho; procissões de rua como ao Círio de Nazaré, no Pará; peregrinações a santuários – Bom Jesus da Lapa, na Bahia, Nossa Senhora da Aparecida, em São Paulo. “Santos” populares como o Padre Cícero ou Frei Damião, no Nordeste. O cenário religioso brasileiro foi marcado por devoções que enfatizaram milagres, aparições e intervenções de santos na vida dos homens.

Laura de Mello e Souza, no capítulo 2 da sua obra “O Diabo na Terra de Santa Cruz” (1986), retrata a religiosidade popular brasileira, narrando-nos incontáveis casos de acusações de heresias. Assim a estudiosa estimula nossa curiosidade com casos como o que foi relatado pela Primeira Visitação do Santo Ofício ao Brasil, em fins do século 16.

O caso se refere ao Fernão Cabral de Taíde, senhor do engenho Jaguaripe:


Este senhor permitia em suas terras um culto sincrético realizado por índios em que se destacavam uma índia a que chamavam Santa Maria e um índio que ora aparece como “Santinho”, ora como “Filho de Santa Maria”. Os devotos tinham um templo com ídolos, que reverenciavam. Alguns depoentes aludem a um papa que vivia no sertão, que “dizia que ficara do dilúvio de Noé e escapara metido no olho de uma palmeira”. Os adeptos da Santidade diziam “que vinham emendar a lei dos cristãos”, e, ao fazer suas cerimônias “davam gritos e alaridos que soavam muito longe arremedando e contrafazendo os usos e cerimônias que se costumavam fazer nas igrejas dos cristãos, mas tudo contrafeito a seu modo gentílico e despropositado”. “Santa Maria”, ou “Mãe de Deus”, batizava neófitos, tendo nisso a permissão de Fernão Cabral e de sua mulher, Dona Margarida. O próprio senhor de Jaguaripe costumava freqüentar o templo, ajoelhando-se ante os ídolos; segundo um dos depoentes, ele era bom cristão, parecendo “que fazia aquilo por adquirir assim a gente gentia” (Mello e Souza, 1986: 95)

Fernão Cabral seria apenas um entre inúmeros que toleravam e permitiam manifestações heterodoxas do catolicismo colonial, apesar de sua personalidade duvidosa neste caso, objetivando angariar mais mão-de-obra indígena para seu engenho de açúcar em Jaguaripe (Vainfas, 1995). No entanto, como assinala Vainfas, portugueses, além de mamelucos e alguns negros praticavam a adoração a “santidades”.

Há nessa tolerância um aspecto de controle social, visto que as autoridades eram insuficientes na colônia e distavam-se consideravelmente da metrópole. Além disso, como lembra Hoornaert (1974), a falta de livros e universidades no Brasil colonial certamente contribuiu para o livre alastramento do catolicismo confrontado com costumes diversos dos colonos, escravos e indígenas.

Parte integrante do quadro religioso brasileiro, os indígenas tinham suas culturas e crenças antes do advento dos portugueses e do catolicismo nas terras brasileiras. A Igreja Católica para obter sucesso na catequização3 teve que necessariamente negociar com elementos culturais indígenas.

A chegada de cristãos no mundo indígena inseriu-se num processo de dinamismo cultural, de reinterpretação e adaptação. A chegada dos elementos europeus entre os tupis, por exemplo, associava-se “com a volta de heróis míticos ou divindades” (Castro, 2002:202). Os europeus eram vistos como portadores de atributos divinos4 tais como a imortalidade, aos olhos tupis simbolizado pela sua constante troca de pele, as suas roupas. A atratividade dos missionários era potencializada com a promessa de vitória sobre os inimigos, abundância material, pedidos de cura e longa vida respondida “com o batismo e a pregação da vida eterna” (Castro, 2002:210).

A religiosidade indígena encontrava por vezes resistência à evangelização pelos jesuítas, uma “inconstância na alma”, ora a aceitar entusiasticamente a nova religião, ora a rejeitá-la5. Não existia entre eles uma doutrina inimiga, mas exibiam “maus costumes” aos olhos inacianos que deveriam ser combatidos, descritos por Antonio Vieira: “canibalismo e guerra de vingança, bebedeiras, poliginia, nudez, ausência de autoridade centralizada e de implantação territorial estável” (Castro, 2002:188-189). Era então necessário um longo e árduo processo de adaptação e reinterpretação de hábitos e costumes cristãos com as culturas indígenas6. A missa dominical, a prática de sacramentos do qual o batismo seria o primeiro passo, tudo isso conflitava com os sentimentos de tradições indígenas.

A água batismal, por exemplo, era associada à morte, recusada pelos índios (Castro, 2002).

Os padres da Companhia de Jesus começaram a aprender a língua tupi-guarani e a propagar a fé através dela: “para atrair crianças indígenas buscaram trazer meninos órfãos de Lisboa para fazerem a ligação com os curumins […] faziam-no representar autos, mistérios, de fundo e sabor medieval, para depois chamá-los às missões, às escolas, aos colégios, onde o ensino doutrinário e programático, na linha da Ratio Studiorum, assentada na teologia do Concílio de Trento, apontava para uma religião universal e salvífica”, nos conta Rios (1994:22). Não somente restrito à língua, mas a música e o canto usados na catequização tinham alto conceito juntos aos tupinambás (Castro, 2002).

Costumavam os indígenas celebrarem a chegada de pajés e feiticeiros, como entre os caraíbas. Esperavam-no com ansiedade e “ao recebê-lo, limpavam o caminho, edificavam um tijupá em que ele se recolhia com seus maracás e outros aparelhos prestigiosos”, relata Capistrano de Abreu (apud Rios, 1994:22). Para Capistrano, essas festividades em torno de pajés e feiticeiros criavam um clima semelhante ao carnaval, com sua permissividade a embriaguez, comida e dança.

Em termos morais, essas festividades serviram para lhes reforçar uma unidade de crenças e ritos que não tardou em ser usado pelos jesuítas a misturar com crenças e símbolos cristãos em procissões festivas.

Os jesuítas, procurando catequizar os mais propensos à aculturação católica, separavam as crianças da tribo, os curumins, e souberam combinar a crença animista7deles da entidade maligna, o Jurupari, associando ao mal cristão designado como o Diabo. Jurupari, presente entre os indígenas, assegurava a ordem pelo temor vindo da mata, ameaçando pegar meninos e mulheres desobedientes (Freyre, 1992).Jurupari, depois o Diabo ao ser interpretado pelo catolicismo inaciano, ficava sempre à espreita, pronto para castigar e levar a alma do desobediente ao Inferno.

A associação de Jurupari ao mal cristão, adverte-nos do desconhecimento indígena do conflito entre o bem e o mal. Tal dualismo religioso foi introduzido pelos missionários cristãos reinterpretando elementos de sua religiosidade: Tupã, força ligado ao raio, fundiu-se com Deus cristão. Do outro lado, Anhangá, uma espécie de espírito maligno, associou-se ao Demônio (Laube, 2006).

Outra prática a ressaltar na religiosidade indígena foi a pajelança. Consistia em comunicações feitas pelo pajé através de danças e uso de instrumentos musicais, como o maracá, para o controle ou afastamento de espíritos imersos no mundo natural e espiritual indígena. O uso do tabaco e de outras plantas psicoativas, como a Ayahuasca, a Jurema, eram considerados como “meios de aumentar o poder de evocação” e de atingir estados de consciência para contatar o mundo espiritual (Junqueira, 2004:298).

O pajé, além disso, acumulava o encargo de curar doenças, dirigia sacrifícios da comunidade e acompanhava as almas dos mortos ao outro mundo. A doença, entre os indígenas, era vista como uma perda de alma, e o pajé tinha de averiguar como afirmou Eliade: “se a alma do doente extraviou-se para longe da aldeia ou se foi raptada por gênios malévolos e está aprisionada no outro mundo” (2005:254). O pajé cumpria essas funções por meio de êxtases, ou seja, pelo poder que tinha sua alma de sair do corpo.

Também importante no contato com o mundo espiritual indígena, o feiticeiro, em algumas comunidades, como entre os Kamaiurá, no alto Xingu, era visto como contraposto em seus poderes aos do pajé (Eliade, 2005). O feiticeiro era visto com desconfiança, medo e poderia ser a causa de moléstias e desgraças da comunidade, como a morte de alguém. Mas também era respeitado por ter contato com espíritos que permeavam todo o mundo natural e sobrenatural. Sua magia8 era adquirida através de árdua autodisciplina do corpo e da vontade, que conduzia “à domesticação da dor” (Eliade, 2005:298), escarificações, esfolamentos, queimaduras entre outros rituais pelas quais o feiticeiro demonstrava a sua resistência e certa superioridade a forças naturais.

O uso de talismãs9 e tetéias, as mais diversas como dentes de animais, figas, bentos e medalhas católicas, mechas de cabelo, serviam ao propósito de afastar infortúnios no plano espiritual, como o espírito mau, o Jurupari.

Os jesuítas introduziram conceitos e vocábulos novos na religiosidade indígena, empregando estratégias para desmerecer os pajés, considerando-se eles mesmos como os verdadeiros. Reinterpretaram a mitologia indígena, incorporando seus heróis à crença cristã. Como exemplo, introduziram a figura do anjo, elemento inexistente entre os tupis, “que mereceu a criação, por Nóbrega, do vocábulo karaibebê”, figura que os jesuítas associaram a um pajé com asas, uma espécie de santidade alada para os indígenas (Laube, 2006:2-3).

Mas o elemento indígena mostrava-se não somente como passivo às novidades religiosas européias. A recepção cultural indígena era fundamentada na incorporação da alteridade, de elementos europeus, como explicou Eduardo Viveiros de Castro,


apareceu como uma possibilidade de autotransfiguração, um signo de reunião do que havia separado na origem da cultura, capazes, portanto de vir alargar a condição humana, ou mesmo de ultrapassá-la. […] A inconstância da alma selvagem, em seu momento de abertura, é a expressão de um modo de ser onde “é a troca, não a identidade, o valor fundamental a ser afirmado”, para relembrarmos a profunda reflexão de Clifford [Geertz] (Castro, 2002:206).

Os indígenas brasileiros, enfim, foram agentes no dinamismo cultural com os europeus, reinterpretaram a cultura européia na medida em que cultura é um “conjunto de estruturações potenciais da experiência, capaz de suportar conteúdos tradicionais variados e de absorver novos: ela é um dispositivo culturante ou constituinte de processamento de crenças” (Castro, 2002:209).

Não podemos ignorar a importante presença cultural dos mouros já entre os portugueses que com eles conviveram durante séculos até a retomada da Península Ibérica pelos cristãos ao final do século 15. Câmara Cascudo (1978) nos aponta que as expressões católicas de invocações exaltando o poder divino – pela graça ou pelo poder de Deus – são semelhantes à constante enunciação muçulmana que afirma que Deus (Allah) é grande.

Os judeus, por sua vez, chegaram ao Brasil ostensivos ou conversos, fugindo da Inquisição nos primeiros séculos da colônia portuguesa. Misturados nas tripulações dos navios de colonos católicos, praticavam as mais diversas profissões na colônia. Logo, porém, despertaram antagonismos entre os católicos brasileiros. O que os levou à quase endogamia e proselitismo, mas também reforçaram seu zelo e piedade na conservação e transmissão de sua fé. Atraíram ódio por muitas vezes terem assumido tarefas de cobrança e arrecadação de impostos do Reino, além de empréstimos de dinheiro praticando a condenada “usura” entre os católicos.

Pelo século XVII em diante notava-se a presença judia em cidades como Recife e Salvador, desempenhando o papel de capitalistas que financiavam os senhores de terra na fundação de engenhos e na compra de escravos. Na descoberta de ouro no século seguinte, grande contingente de judeus seguiu para Minas Gerais e Centro-Oeste brasileiro. Desempenhavam papel de intermediários, contribuindo para as acusações de agiotagem e usura. Uma corrente de judeus portugueses de cultura sefárdica, procedente de Amsterdã, teria vindo participar do comércio e da indústria do açúcar, como também da prática de medicina. No Recife de Nassau conviviam com reformadores holandeses, negros, caboclos e católicos, Recife esse que Freyre (1992) denominou de judaico-holandês.

Mas foi uma forte religiosidade católica portuguesa que aqui chegou e se instalou. Missionários como os jesuítas procuraram propagar a fé católica através de cantos e exemplos, como nos primeiros dias do cristianismo, a fim de fazer chegar a sua mensagem a povos tão distantes da cultura católica. O catolicismo no Brasil se imbuiu de festividades e foguetórios, animando uma população mal regida por um clero escasso e inculto. Distribuíam-se os padres de modo irregular pelo território brasileiro, concentrando-se no litoral, nas cidades maiores, de mais fácil assistência e remuneração.

Acresce ao escasso número o isolamento. As distâncias entre os povoados e vilas no interior eram imensas. Nos fins do primeiro século da colonização, as paróquias do Brasil não passavam de 50, e no segundo século, eram cerca de 90 (Rios, 1994). À medida que o povoamento se expandia – seguindo o cultivo de açúcar e gado no Nordeste; as bandeiras em busca de ouro e índios no Sul – os colonos, por si próprios, iam promovendo a evangelização graças à instituição da capela, incorporada à casa-grande, à fazenda, ao engenho. Era o capelão, muitas vezes membro da família, que rezava a missa aos domingos, catequizava os negros, ensinava o alfabeto às crianças do fazendeiro e, às vezes, com rudimentos do latim, as primeiras orações e o catecismo. Surgia assim uma religiosidade latifundiária e patriarcal, sob estrita influência dos senhores de engenho.

Contra esse catolicismo marcadamente patriarcal, como classificou Hoornaert (1974), insurgem-se os jesuítas. Foram os discípulos de Santo Inácio que travaram lutas contra os primeiros colonos que buscavam escravizar e comerciar a mão-de-obra indígena. Foram eles também que lançaram as bases de uma cultura intelectual cristã, através de suas escolas e colégios, onde formaram importantes inteligências da colônia portuguesa, preparando uma elite de doutores e bacharéis que mais tarde iriam dirigir o país. Foram os jesuítas os mais intelectualizados dentre as várias ordens religiosas da Igreja, que fundamentaram a base intelectual do país, voltando-se para o estudo da filosofia, teologia e latim, mas pouco afeitos às atividades manuais. Cursos universitários de engenharia, por exemplo, só teria existência no Brasil em fins do século 19 sob a regência de Dom Pedro II.

Expulsos por Marquês de Pombal em 1759, derrotados pelo Iluminismo e pela Monarquia Esclarecida, os jesuítas deixaram o campo de evangelização entregue ao clero regular, às ordens monásticas e aos vigários das paróquias, debaixo da frouxa autoridade dos escassos bispos na colônia portuguesa. Depois do primeiro Bispado, o da Bahia, criado em 1551, o segundo e o terceiro – Rio de Janeiro e Olinda – só foram estabelecidos em 1676, seguidos pelo do Maranhão (1677) e pelo do Pará (1720). Não é de admirar que a disciplina católica sofresse e a moral acabasse desvalida num ambiente de hierarquia distante de Lisboa.

É neste sentido que o clima de diversidade religioso pode ser em parte explicado pelo clero brasileiro. Ao contrário dos países da América Hispânica, onde o clérigo sempre representou fonte de prestígio e poder investidos pelo Estado espanhol, aqui os cleros eram mais regalistas, desinstruídos e relapsos na moral. A vinda de inúmeras ordens estrangeiras ao Brasil não modificou a situação. Muitos mal falavam português e ignoravam o latim.

Muitos dos padres não provinham das altas hierarquias da sociedade. Aqueles de origens mais aristocráticas eram poucos e se dirigiam aos altos escalões da hierarquia da Igreja. O Regalismo, desde a colonização até a República, reduziu o clero à situação de funcionários públicos, mal pagos. Seus costumes sempre refletiram os costumes correntes da sociedade de onde atuavam e cresceram, contrariando muitas vezes a moral católica. Costumes como o concubinato era freqüente, do qual, muitas vezes resultavam inúmeros filhos (Freyre, 1992).

O clero, enfim, nunca foi alvo de revoltas populares, porque seus membros estavam imbuídos, praticando seus costumes e ritos aparentando exterioridades de culto oficial, com uma religiosidade popular presente e atuante, sincrética e singular dos padrões romanos.

Singularidade essa da religiosidade popular brasileira que Gilberto Freyre retratou:


No século XVII mesmo no XVIII, não houve senhor branco, por mais indolente, que se furtasse ao sagrado esforço de rezar ajoelhado diante dos nichos; às vezes, rezas quase sem fim, tiradas por negros e mulatos. O terço, a coroa de Cristo, as ladainhas. Saltava-se das redes para rezar nos oratórios: era obrigação. Andava-se de rosário na mão, bentos, relicários, patuás, santo-antônios pendurados no pescoço, todo o material necessário às devoções e às rezas… Dentro de casa, rezava-se de manhã, à hora das refeições, ao meio-dia e de noite, no quarto dos santos; os escravos acompanhavam os brancos no terço e na salve-rainha. Havendo capelão, cantava-se: Mater purissima, ora pro nobis… Ao jantar, diz-nos um cronista que o patriarca benzia a mesa e cada qual deitava a farinha no prato em forma de cruz. Outros benziam a água ou o vinho fazendo antes no ar uma cruz com o copo. No fim davam-se graças em latim… Ao deitar-se, rezavam os brancos da casa-grande e, na senzala, os negros veteranos… Quando trovejava forte, brancos e escravos reuniam-se na capela ou no quarto do santuário para cantar o bendito, rezar o Magnificat, a oração de São Brás, de São Jerônimo, de Santa Bárbara. Acendiam-se velas, queimavam-se ramos bentos (Freyre, 1992: 651).

A isso se acrescentam as devoções, públicas e particulares, aos santos protetores, festas, romarias, para se ter o retrato de uma sociedade em que a religião era elemento importante para o cotidiano.

Como pode se depreender o catolicismo brasileiro teve uma dupla face. Uma oficial dependente das diretrizes de instituições eclesiásticas e mais restrita em número devido ao reduzido pessoal qualificado, e aquela que permeava a sociedade brasileira, muitas vezes longe de instituições eclesiásticas espalhada sobre a colônia portuguesa.

Sobre o catolicismo popular brasileiro, Thales de Azevedo (apud Rios, 1994:39) classificou:


um corpo de noções ou crenças derivadas do catolicismo “oficial”, mas empobrecida no seu conteúdo dogmático e moral, sobretudo na menor importância atribuída à salvação; um sistema ético em parte resultante do modelo formal, mas do qual se desprendem certos elementos, entre os quais se nota a ausência do pecado; a significação secundária que se atribui aos sacramentos, do que resulta a minimização do papel do sacerdote, encarado muito mais como um provedor de serviços religiosos do que um mediado entre Deus e os homens; a ênfase no culto propiciatório dos santos, considerados seres benevolentes e milagrosos – que constituem uma hierarquia prenatural, na qual tendem a confundir-se Jesus Cristo, a Virgem Maria e os santos canônicos; e uma liturgia doméstica ou localizada em determinados santuários.

Um catolicismo permeado com noções básicas e precárias da doutrina católica. Um catolicismo com vida própria, longe muitas vezes das diretrizes da metrópole e com poucos instruídos no evangelho. A imensidão do país e o número reduzido do clero se tornariam uma constante na história do Brasil. Um catolicismo, como escreveu Laura de Mello e Souza, que tem como característica básica o seu caráter colonial, isto é, “[b]ranca, negra, indígena, [que] refundiu espiritualidades diversas num todo absolutamente específico e simultaneamente multifacetado” (1986: 88) “tecendo uma religião sincrética” (1986:97).

Nesse caldeirão religioso, os afro-descendentes marcavam presença em participação em certas irmandades, em devoções a santos determinados como Santa Ifigênia, São Bento, e pela mistura sincrética de crendices e práticas afro-brasileiras com as católicas. Em Pernambuco, um religioso consignou: “Na primeira noite de Nossa Senhora dos Prazeres, no sábado, acendia-se a fogueira junto ao cruzeiro e havia ladainhas e danças de ‘xangô’ durante a noite inteira”. Cantavam o que entendiam da ave-maria traduzida em seu idioma e louvavam Iansã, orixá africana identificada com Santa Bárbara. Isso sem prejuízo à permanência de seus cultos e divindades (Ribeiro, 1978:141).

As crenças africanas aqui ganharam contornos peculiares aos do continente africano. Abarcam-se crenças como a religião dos orixás, o candomblé dos nagôs, antecedidos no Brasil pelos bantos, com o candomblé congo e angolano, assim como o candomblé-caboclo que inseriu elementos da sociedade brasileira, como o índio, no seu panteão, incorporando lendas indígenas locais como a do tambor-de-mina no Maranhão e da encantaria no Pará. Crenças que ganharam contornos próprios do africano, inseridos num novo ambiente social. No candomblé, a ligação do praticante com o seu “egum”, seus antepassados, sua genealogia, seria relegada ao segundo plano, ganhando mais importância a sua filiação particular com o orixá (Prandi, 2005). A umbanda se consolidaria nas primeiras décadas do século 20 como a crença afro-brasileira que incorporou elementos católicos, indígenas e espiritista, seguindo o espírito de sincretismo religioso presente na sociedade brasileira.

Portanto, era natural a peculiaridade dos cultos africanos no Brasil visto que aqui misturaram e conviveram uma multiplicidade de etnias.

Os antropólogos costumam classificar em três grupos principais os africanos que aqui aportaram (Costa, 2001: 327):
[O]s de cultura sudanesa: iorubás advindos da Nigéria (Nagô, Ketu etc.); povos do Benin (Gêge, Ewe Fon) e os Fanti e Ashanti do Gana, Costa do Marfim, Serra Leoa, Gâmbia e Guiné; Bantus, vindos do Congo, Angola e Moçambique; Sudaneses islamizados como os Fulanis, Haussás, Mandiga etc



Do quadro pode-se depreender a variedade de contribuições culturais africanas à religiosidade brasileira.

A interação entre esses grupos aqui gerou inúmeros cultos como:


– Macumba, praticados, sobretudo, no Rio de Janeiro, São Paulo e
Espírito Santo;
– Batuque, Rio Grande do Sul, de origem banto como a anterior;
– Casa de Mina, praticados por Nagôs no Maranhão;
– Candomblé, na Bahia por sudaneses;
– Encantaria ou pajelança, no Amaz
onas e Pará, misturados com cultos
indígenas;
– Catimbó, no Nordeste brasileiro, com influências africanas, indígenas
e do catolicismo popular europeu;
– Umbanda, culto influenciado pelo espiritismo kardecista baseado na
idéia de “reencarnação”, em religiões
afro-brasileiras, cultos indígenas e no
catolicismo popular;
– Xangô, difundida no Nordeste.
(Costa, 2001: 327).

Vale ressaltar que os espíritos afro-brasileiros aqui cultuados tinham mais o caráter de guerreiros e de justiça, como Ogum e Xangô, respectivamente, além de Exu, o mensageiro intermediário, orixá identificado com o Diabo pelo catolicismo e, por isso, marginalizado e mal-visto pela sociedade (Mello e Souza, 1986:94).

O fenômeno do transe nos cultos afro-brasileiros constitui caso crucial. O transe espiritual é a prática através do qual se faz contato com entidades sobrenaturais, no caso os orixás. Na religiosidade afro-brasileira, existem dois mundos separados espiritualmente e o transe possibilita o contato entre esses mundos. O transe associa-se também à cura divina, buscando-se um equilíbrio perdido no corpo e na alma, a ser recuperado contatando entidades do mundo espiritual.

Mas a instrução religiosa católica dos negros era sumária. Os párocos católicos lhes ensinavam somente as principais orações e os rudimentos do catecismo.

Desse convívio e mistura de crenças, de culturas, superstições e religiões diferentes, nasce uma religiosidade nova.
O sincretismo na religiosidade brasileira

O sincretismo é inerente à religiosidade brasileira. Analisando o sincretismo e a religiosidade popular brasileira, constatamos a sua íntima relação. Como nos revela Roberto DaMatta (1987), nossa sociedade tem intrínseca facilidade de relacionar e combinar opostos, sintetizá-los e combiná-los para produzir algo distinto; considerando, o autor, a arte barroca brasileira.

Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, nos conta a respeito da Igreja Católica e a religiosidade brasileira no início do século XX. A religiosidade brasileira, como foi assinalada por vários viajantes e escritores, somente seguiu as práticas e rituais católicas até certo ponto. A rigidez religiosa inexistiu nas cerimônias religiosas. Auguste de Saint-Hillaire visitou São Paulo em 1822 e nos contou quão impressionante foi a falta de atenção que os habitantes locais prestavam durante os serviços religiosos: “Ninguém se compenetra do espírito das solenidades”, observava ele, “[o]s homens mais distintos delas participam apenas por hábito e o povo comparece como se fosse a um folguedo” (Holanda, 1994:111).

Sanchis (1997) descreve a configuração da religiosidade popular no Brasil como sendo profundamente sincrética. Mesmo dominado pelo catolicismo durante séculos, o país sempre teve uma estrutura religiosa sincrética de um modo peculiar. Enquanto em Portugal o catolicismo foi sincrético, mas de maneira escondida, carregando suas influências religiosas na fé católica, seja o judeu ou muçulmano, o catolicismo no Brasil foi sincrético de uma maneira diferente. Encontros religiosos aqui se deram de uma maneira mais aberta, explícita, culturas se influenciando, se misturando e interpenetrando.

Constitutivas também da religiosidade brasileira, as crenças religiosas africanas, que no Brasil colonial foram praticadas pelos escravos, foram elas mesmas produtos de contatos culturais entre as diversas nações no continente africano. A umbanda e o candomblé, para mencionar os dois maiores cultos afro-brasileiros, carregam influências do catolicismo português, e a umbanda, o catimbó e o candomblé-caboclo, entre outros, combinam elementos indígenas brasileiros.

A religião católica oficial, romana, de fato, aqui no Brasil, nunca se entranhou no caráter e cultura do gentio brasileiro da exata forma como era estruturada na Europa medieval. O povo moldou e conservou sua espiritualidade própria aflorada em cerimônias e festas em determinadas datas do ano, como as festas juninas.

A religião no Brasil colonial, pela sua distância da metrópole, permaneceu à parte do controle metropolitano e flexível com relação à miríade de etnias e seus descendentes.

A fraca presença do catolicismo oficial no Brasil pode ser em parte explicada em termos do insuficiente número de padres ordenados no país, como escreveu Emílio Willems (apud Smith, 1972). A situação era precária nas paróquias católicas, que não dispensavam a assistência de um sacerdote regularmente ordenado, inserido numa hierarquia, sujeito ao bispo e, no regime do Regalismo vigente no Império, dependente da remuneração do Governo. Na falta desses requisitos, o sacristão tomava o lugar do padre, o que favorecia alterações na prática religiosa.

Podemos afirmar que o quadro religioso brasileiro foi formado por um mosaico de crenças supostamente sob a hegemonia católica. A prática religiosa brasileira não foi rígida e facilitou a convivência e trocas culturais recíprocas entre as crenças. As improvisações de fiéis constituíram a peça fundamental para entendermos o cenário religioso brasileiro com suas criatividades e seus improvisos, que muitas vezes acabaram sincretizando elementos religiosos vindos do exterior.

A pluralidade religiosa no Brasil avançou ainda mais dois meses após a queda da Monarquia, a 7 de janeiro de 1890. Foi quando houve a promulgação do decreto abolindo o Padroado, proclamando o direito à liberdade de culto. O decreto, redigido por Rui Barbosa, removia assim grandes obstáculos à imigração e abria espaços para a prática religiosa dos imigrantes não-católicos.

A falta de clérigos e os de vocação sacerdotais levou à introdução de novas ordens monásticas, procedendo da Bélgica, da França e da Itália. Os tradicionais mosteiros da Ordem de São Bento foram transferidos a beneditinos alemães. Essa aparente “invasão estrangeira” ao catolicismo brasileiro, no entanto, pouco mudou o perfil do católico brasileiro, como afirmou Gilberto Freyre em entrevistas: “Minha atitude frente à Igreja Católica é da maioria dos brasileiros: por tradição de família sou católico, pouco praticante […] Sou, porém, por convicção, por sentimento, cristão” (Freyre, 1959: 533). A essa atitude, antes cristã que estritamente católica, favoreceu a popularização de outras crenças de cunho cristão no país.

De fato, o catolicismo no Brasil apresentou dois aspectos: o catolicismo popular e o oficial, configurando desta forma a dualidade que serve como premissa para compreendermos como o aspecto popular da religiosidade brasileira permaneceu flexível, maleável e aberto às múltiplas influências advindas do exterior.

Bernardo Sorj (2000:31-32), por exemplo, caracterizou a religiosidade popular brasileira como flexível, uma religiosidade “pragmática”, que permitiu “a diversidade […] que se estabelece[u] devido à fragilidade da Igreja Católica, e sua capacidade adaptativa, a vitalidade de cultos africanos e o surgimento de uma cultura urbana pragmática e multifacetada”.

Diversidade maleável, flexível constatada em dados históricos de casamentos que historiadores nos relatam. Gilberto Freyre (2004) refere-se a inúmeros casos de cruzamento entre nórdicos, judeus, portugueses, negros e índios que prestavam uma diversidade de cor à sociedade de Recife do século XVII. Casamentos entre holandeses e mulheres portuguesas, entre protestantes e católicos, judeus e católicos, não teriam sido em números insignificantes. Um traço da maleabilidade religiosa no Brasil colonial demonstrado pelo número de casamentos entre diferentes credos e etnias.

Um dos aspectos mais significativos do sincretismo religioso brasileiro seria aquele relacionado à possessão espiritual. No cenário da formação brasileira o catolicismo popular que valorizava a resignação e esperança por milagres se mesclou com as crenças africanas, criando-se as expectativas resultantes de que os males físicos e espirituais seriam resolvidos por meio de curas, adivinhações e orientações de um outro mundo espiritual. O bater das palmas, o canto são traços religiosos que se juntaram com a prática de possessões espirituais e dons divinos, como a glossolalia10 e curas divinas refletindo progressivamente na formação geral da religiosidade popular brasileira.

Como Gilberto Velho constatou (1987), o transe, a possessão espiritual, é fenômeno religioso recorrente no cenário brasileiro. Levando em consideração a diversidade do cenário cultural brasileiro, observem que essas características sempre estiveram presentes no país desde tempos coloniais. Já nas primeiras décadas do século 18, cultos religiosos católicos são identificados com o uso de transe espiritual, possessão do corpo por espíritos em Minas Gerais, participando escravos afro-brasileiros e até descendentes europeus (Mello e Souza, 1986).

No contexto da época os portugueses não chegaram ao Brasil para impor sua religião sobre uma nulidade sócio-cultural. Indígenas aqui durante séculos consolidaram suas crenças e práticas. Pajelanças e rituais de cura faziam parte da ordem regular. Missionários jesuítas levaram em consideração tal existência anterior e procuraram incorporar elementos culturais indígenas visando a uma maior catequização. Em suma, perceberam que para melhor popularizar a crença católica entre os aborígines era necessária a adaptação de costumes locais ao catolicismo (Laube, 2006).

A diversidade de etnias na colônia brasileira foi, então, condição para diversos cultos e práticas religiosas, freqüentemente confrontadas umas com as outras.

Características próprias da religiosidade popular, citadas no estudo acima, foram incorporadas total ou parcialmente às práticas do catolicismo popular, o que permitiu a consolidação de uma nova forma de religiosidade comparada ao da Santa Sé.

O catolicismo popular no Brasil não seguiu fielmente preceitos de Roma. Outros fatores tais como a escassez de padres com devida formação, a distância geográfica e a dimensão da colônia contribuíram para tal quadro. A vertente católica popular, maleável e plástica, reinterpretou e sincretizou os preceitos católicos oficiais.

Considerações finais

O Brasil em tempos coloniais caracterizou-se pela multiplicidade e maleabilidade singular nos aspectos religiosos decorrentes da diversidade étnico-cultural que conviveu sob uma frágil hegemonia católica. Resultaram desse quadro inúmeros casos de sincretismos, apresentando criatividades interpretativas mútuas conseqüentes de convivências interculturais, transcendendo a anterioridade dos contatos.

Os portugueses aqui chegaram a partir do século XVI conferindo à sua colonização um forte caráter cruzadístico católico. A catequização dos gentios serviu como um dos pilares legitimadores da colonização, devendo os portugueses servir a Deus e ao rei levando a verdadeira fé para aqueles que a desconhecia.

Trouxeram os portugueses, contudo, um catolicismo frágil, distante do controle metropolitano e romano, permeado de elementos populares medievais europeus, práticas e crenças mistas e com influências pagãs. Um exemplo disto é que os santos e suas imagens não deveriam permanecer enclausurados dentro das igrejas, eram eles celebrados e adorados no mais público dos espaços das vilas e cidades. A adoração era de tal intensidade, como mencionamos no início do estudo, que revela laços até íntimos por pedidos de casamentos e milagres. Até hoje deparamo-nos com pedidos de simpatia de mulheres solteiras a Santo Antônio, casamenteiro deixando-o “de castigo”, colocando-o de cabeça para baixo ou decepando-o. O “castigo” duraria até que os pedidos fossem atendidos.

O processo sincrético ocorrido na estruturação da religiosidade brasileira pode ser considerado até um fenômeno reificado, pois assume características de naturalidade expressando comportamentos que já não traduzem conflitos. Atualmente não constituem raridade depoimentos como de católicos que procuram ajuda espiritual em terreiros de cultos afro-brasileiros, católicos que simpatizam com o kardecismo, umbandistas de classe média e de etnia caucasiana. No seu artigo “Religiões tradicionais e novas formas de experiências religiosas”, Maria das Dores Campos Machado (2002) nos elucida a respeito do sincretismo presente na religiosidade brasileira. Mostra-nos três exemplos de pessoas marcadas pelo sincretismo religioso: uma profetisa carismática que aplica shiatsu, massagem oriental, nas suas tentativas de identificação de problemas do cliente; a segunda, uma carismática fervorosa que utiliza meios psicológicos, psiquiátricos e espirituais visando a aliviar dores de pessoas portadoras de câncer e AIDS que a ela recorrem; a última, uma católica simpatizante com práticas terapêuticas orientais.

EMILIANO UNZER MACEDO

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Fonte: www.periodicos.ufes.br


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