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domingo, 16 de outubro de 2022

Pressão dos custos reduz área do arroz

 Com rentabilidade prejudicada, produtores estão optando por rotacionar o plantio do grão com culturas como as da soja e do milho, além de apostarem em boas práticas que resultem no aumento de produtividade por hectare

Foto: Pedro Trevisan / Irga / Divulgação / CP


Por Camila Pessôa

O cultivo de arroz está em fase de implantação no Rio Grande do Sul. Já foram semeados 322,91 mil hectares, ou seja, 37,44% da área total esperada, com a Zona Sul e a Fronteira Oeste mais avançadas, com respectivamente 81,23 mil hectares (58,21% da área esperada) e 136,25 hectares (52,54%), de acordo com o último levantamento do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), publicado em 14 de outubro. A autarquia se baseou nas intenções de semeadura da safra 2022/2023 para os cálculos da área. Também são a Zona Sul e a Fronteira Oeste que têm projeção de maior produtividade e produção do Estado, explica a diretora técnica do Irga, Flávia Miyuki Tomita. 

Com uma estimativa de 862,4 mil hectares para 2022/2023, também baseada na intenção de semeadura verificada pelo Irga, a redução na área plantada em comparação à última safra, com 957,1 mil hectares, deve ser de 9,9%. A produtividade esperada, segundo a Emater/RS-Ascar é de 8.226 quilos por hectare, 2,1% a mais que a produtividade sobre a área semeada da última safra, de 8.053 quilos por hectare. Isso resulta numa produção total de 7,09 milhões toneladas, 7,95% a menos que em 2021/2022, com 7,70 milhões de toneladas.

O que dizem as autoridades

Para o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, o motivo da diminuição de área é a falta de rentabilidade do arroz, o que faz com que o produtor opte por alternativas como a soja e o milho. “O produtor está se reinventando para trazer sustentabilidade à produção”, afirma. Velho acredita no aumento de produtividade esperado para essa safra, consequência de uma adesão maior a práticas como a rotação de culturas, o que torna os solos mais férteis.

“Essa nova lavoura de arroz, usando um sistema mais integrado, e não mais a monocultura, trouxe muitas vantagens devido ao uso mais adequado dos nutrientes e ao controle de plantas daninhas, que continua sendo o ponto crítico da lavoura do arroz. Sem dúvida o sistema de produção integrada veio para ficar”, pontua o doutor em Fitopatologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo Gravina. A produtividade do arroz, diz ele, se manteve estável, uma vez que a estimativa do Irga para as últimas três safras, de 2019/20, 2020/21 e 2021/22, foi de 8.401, 9.010 e 8.315 quilos por hectare, respectivamente. “Ou seja, apesar da pequena variação devido às questões ambientais, existe uma tendência à estabilidade”, explica. Conforme o professor, a utilização de cultivares de alta produtividade, além de um manejo que prioriza a fertilidade, antecipação do plantio, e, mais recentemente, a integração lavoura-pecuária, foi o que resultou nessa tendência. 

“Tirando o ano passado, essa última safra, a gente vinha com uma crescente muito boa, tivemos duas sequências em que nós batemos recorde de produtividade”, avalia Flávia Tomita, do Irga. Segundo ela, a produtividade, nos meses de estiagem, baixou menos que o esperado, com algumas regiões que mantiveram alta produção, como a Zona Sul. Para 2022/2023, com a possibilidade de um terceiro ano de La Niña, a preocupação se mantém. Flávia antecipa que a área de meteorologia do Irga avaliou que os problemas de falta de água podem começar já na fase de semeadura, com a germinação da semente. Por isso, ela reforça que os produtores devem adotar boas práticas de manejo desde o início do plantio, começando pelo uso de cultivares produtivas. “E isso a gente tem bastante, o Irga 424 RI vai ser plantado com certeza na maior parte da área do Estado, vai passar de 50%”, comemora. A diretora ressalta, ainda, que a expectativa de boa produtividade se mantém e vai ser confirmada se houver condições climáticas favoráveis. 

Produtores devem ter atenção na utilização de cultivares para que sejam resistentes a doenças como a brusone e também no uso de sementes certificadas que impedem o avanço do arroz vermelho, praga que compete com o arroz  cultivado e provoca perdas de produtividade | Foto: Arquivo pessoal / CP.

Mesmo com a confirmação de uma alta produtividade, a produção deve diminuir, com a menor área plantada, já que hoje os produtores de arroz têm dividido suas áreas com a produção de outros grãos. Isso foi inclusive incentivado por iniciativas como o Programa Duas Safras, com o objetivo de ampliar a renda do produtor, intensificar a produção sustentável e otimizar áreas produtivas. “O produtor de arroz não é mais somente produtor de arroz, ele é um produtor de grãos”, enfatiza o presidente da Federarroz. Alexandre Velho assegura que não existe risco de desabastecimento do mercado em função da diminuição da área plantada, por conta justamente do aumento da produtividade, favorecido pela rotação de culturas, consideração reforçada pelo presidente da Associação de Arrozeiros de Alegrete, Gustavo Thompson Flores. 

Porém, representantes da indústria não expressam a mesma tranquilidade. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria do Arroz (Sindarroz), Élio Coradini Filho, essa redução vai contribuir para um aumento de importações do grão do Paraguai e de outros estados brasileiros. “A diminuição da área de produção preocupa muito a indústria porque é uma consequência da falta de competitividade do arroz gaúcho”, pontua Coradini Filho. 

O problema da competitividade também é apontado por Flores, que destaca os preços abaixo do custo de produção: enquanto a média de preços do saco de 50 quilos calculada pela Emater/RS foi de R$ 75,22 na semana entre 10 e 14 de outubro, a média de custos de produção para o arroz irrigado na safra 2021/2022 divulgada pelo Irga foi de R$ 93,28. “A lavoura está sem margem e o produtor espera uma reação para que volte a ter”, afirma o dirigente da associação de Alegrete. Ainda segundo ele, a diminuição de área não será suficiente para aumentar os preços. “Sinceramente acho difícil que a área tenha impacto no preço. Para reagir precisa que o mercado internacional mude seus patamares”, considera.

Melhor remuneração passa por ajuste fiscal

Entidades defendem revisão de impostos e identificação de origem do alimento importado de outros países, o que aumentaria a segurança para o produtor, e, além disso, avaliam que o mercado de arroz exige mais planejamento

O presidente da Federarroz, Alexandre Velho, destaca que uma das principais dificuldades do arrozeiro, além do elevado custo, é a ausência de um mercado futuro para a cultura, o que aumenta a insegurança. Esses problemas fazem com que o produtor precise ter uma forte gestão de seu processo produtivo, calculando seu custo de produção exato, sem depender de números externos, destaca ele. O presidente da Associação de Arrozeiros de Alegrete, Gustavo Flores, defende que uma equalização do ICMS seria uma pauta válida para que a remuneração ficasse justa para todos. A mesma medida é defendida pelo presidente do Sindarroz, Élio Coradini Filho, que acrescenta a concretização de uma reforma tributária nacional como parte da solução do problema. 

Essas questões foram discutidas no dia 5 de outubro, quando Velho esteve em reunião com o ministro da Agricultura, Marcos Montes, para falar sobre problemas estruturais e abertura de novos mercados. Entre as pautas discutidas estão a questão tributária e o aumento de custos de produção nos últimos dois anos, em especial de fertilizantes e combustíveis. Além disso, foi tratada a questão da identificação de origem do arroz importado pelo Brasil para maior segurança do consumidor, medida que já é exigida por lei mas que por vezes não é cumprida. Em relação aos novos mercados, tratou-se da abertura para o Panamá e apoio comercial do México, o qual o Uruguai já tem. “O Brasil depende de uma diminuição de imposto para ter vantagem em relação aos americanos”, destaca Velho. No mercado externo, há no geral uma expectativa de exportação de grandes volumes e de preços acima do custo, segundo Velho. Já no mercado interno, o presidente da Federarroz afirma que deve diminuir a pressão por conta da redução da área plantada.

Atenção à Bruscone

Doenças e pragas também podem ser empecilho para a produtividade. Além de ter uma boa gestão de custos, o agricultor precisa estar atento às doenças causadas por fungos, em especial à brusone do arroz, às manchas foliares e à queima-da-bainha, como destaca o doutor em Fitopatologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo Gravina. “A brusone é a doença que deve preocupar mais o produtor”, enfatiza. A doença pode ocorrer tanto durante a fase de desenvolvimento vegetativo quanto na fase reprodutiva da cultura. “É nesse segundo período que as perdas podem ser muito elevadas pois uma epidemia severa da doença pode chegar até a inviabilizar a colheita”, explica. 

O professor ressalta que a brusone é beneficiada quando há períodos de clima quente, úmido e com nebulosidade. Ele explica que o plantio tardio, próximo ao mês de dezembro, favorece a doença. “Outra questão que preocupa a todos é a das cultivares, porque não há uma grande disponibilidade de cultivares resistentes”, acrescenta Gravina. Ele ressalta que a variedade Irga 424 RI, muito utilizada no Estado, não tem mais a mesma eficácia para esse propósito. “Praticamente metade da área de arroz é com essa cultivar, mas ela perdeu a resistência e era a grande ferramenta contra a brusone”, relata. Isso, de acordo com o especialista, causa uma maior dependência de fungicidas para os produtores. 

As manchas foliares também são causadas por fungos e afetam a fotossíntese, prejudicando a produtividade e a qualidade dos grãos. “Não existem cultivares resistentes às manchas, por isso existe maior dependência do uso de fungicidas”, alerta Gravina. Por fim, a queima-da-bainha é causada por um fungo que sobrevive no solo. “Essa era uma doença pouco importante, porém tem aumentado a incidência nas últimas safras”, explica o professor. Segundo ele, esse crescimento se deve ao aumento da rotação de culturas entre soja e arroz, uma vez que o fungo afeta as duas culturas. “Essa doença preocupa pois não existem boas soluções em termos de cultivares resistentes e de fungicidas até o momento. Nesse caso, o produtor necessita monitorar a ocorrência e alterar práticas de manejo das culturas para evitar o aumento da incidência em sua área”, diz Gravina. “É importante o produtor ter mais opções de cultivares resistentes, pois o uso contínuo de uma mesma cultivar pode levar à perda de resistência devido à seleção de fungos mutantes”, completa.

Além das doenças, o produtor também deve estar atento ao arroz vermelho, praga que compete por nutrientes com o arroz cultivado, como explica Gravina. “Durante a colheita ele é perdido por debulha, ou seja, não contribui para o produto final”, complementa. O professor destaca que o arroz vermelho sobrevive por longos períodos no solo e é resistente a alguns herbicidas, o que dificulta seu controle em áreas altamente infestadas. Para contê-lo, o uso de tecnologias genéticas e químicas não basta. De acordo com Gravina, “a rotação de culturas com a soja e a sucessão com cultivos de inverno, como uso de espécies forrageiras ou de cobertura do solo, contribuem muito para reduzir a infestação na área”. O professor recomenda ainda que o produtor nunca use sementes não certificadas, pois elas são a porta de entrada do arroz vermelho na propriedade. 

Agricultores têm feito a conta do custo por hectare e da remuneração por saca para diminuir a área plantada nas propriedades com o arroz e aumentar o cultivo de grãos como o milho e a soja | Foto: Igor Khols / Irga / Divulgação / CP.

Produtores aderem ao Programa Duas Safras

Em Camaquã, na Região Sul do RS, agricultores aderiram à iniciativa da Farsul que fomenta a diversificação de culturas entre os arrozeiros, como forma de ampliar a produção gaúcha de grãos e também de melhorar a renda das propriedades

O agricultor e presidente da Associação dos Arrozeiros de Camaquã, Volzear Longaray, está plantando no município e em Arambaré 410 hectares de lavouras do grão. A produtividade média de Longaray é de 200 sacos por hectare, mas, como diminuiu o terreno plantado este ano, eliminando áreas marginais, o produtor espera ter uma produtividade maior. Na última safra ele plantou 500 hectares de arroz. Também ampliou os cultivos de soja e milho, com 200 hectares e 30 hectares de lavouras, respectivamente. O produtor participa ativamente do Programa Duas Safras, iniciado pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) destinado a fomentar a produção e melhorar a rentabilidade dos agricultores.

De acordo com o dirigente, o peso dos custos está diminuindo em comparação à última safra. “A realidade do custo é muito diferente hoje, estão caindo os preços dos insumos”, considera. Longaray afirma que um dos principais empecilhos para uma maior rentabilidade do cultivo é a ausência de um mercado firme de exportação. Pondera que a saída é a regulação do mercado para valorizar o produto, considerando os altos investimentos necessários para implantar a produção, e uma redução na carga tributária, em especial do ICMS.

Já o agricultor José Carlos Gross, também de Camaquã, já plantou cerca de metade dos 400 hectares de arroz planejados. Ele pretende terminar o plantio antes do dia 30 de outubro. Além do arroz, hoje Gross planta 600 hectares de soja, mas não foi sempre assim. “Eu cheguei a plantar quase mil hectares de arroz e hoje eu planto mais da metade de soja”, relata. O motivo é o alto custo de produção e preço do arroz que não compensa. “A soja é mais atrativa que o arroz em termos de custo e rendimento”, considera. O produtor acredita que, com a expectativa de redução de área plantada, vai haver uma redução de preços. “Eu sou um exemplo da área plantada menor e eu vejo que vai haver uma diminuição de oferta”, afirma. 

Gross acompanha o programa Duas Safras e pretende variar mais os cultivos. “Eu não era plantador de milho e vou me tornar plantador de milho este ano já, e talvez de alguma cultura de inverno, como o trigo, estou pensando em entrar nesse sistema”, conta. “Éramos simplesmente plantadores de arroz, mas aprendemos a drenar as áreas e agora nos transformamos em produtores de culturas de sequeiro”, finaliza. 

“Éramos simplesmente plantadores de arroz, mas aprendemos a drenar as áreas e agora nos transformamos em produtores de culturas de sequeiro”, diz José Carlos Gross | Foto: Arquivo pessoal / CP.

Uma parte da produção de soja de Gross é em sulco-camalhão, técnica que confere mais produtividade ao cultivo. Além disso, ele realizou o plantio direto do arroz sobre a soja, o que também pode oferecer benefícios em produtividade. Assim, Gross pretende produzir um pouco mais que o ano passado. “Eu espero colher acima dos 10 mil quilos por hectare. Ano passado foi 9,9 mil”, comenta. 

Gross planta a cultivar IRGA 424 RI. “É uma variedade muito boa, muito estável, mas eu vejo que nós vamos ter que fazer no mínimo uma aplicação de fungicida, por causa da brusone”, comenta. Além dos gastos maiores com agroquímicos, o produtor se preocupa com uma possível estiagem, visto que há previsão de La Niña novamente este ano. “Há preocupação de que talvez venha a ter alguma restrição de água, mas por enquanto está tranquilo”, relata.

Para controlar seus custos, o agricultor está implementando o uso do software AgroSim. “Hoje em dia, realmente, se tu não tiver uma compreensão dos custos tu não vai conseguir ter uma boa rentabilidade”, reflete Gross. “Eu sei hoje que os meus custos do arroz estão mais altos do que ele remunera porque eu tenho esse software que está me dando esse apoio, então eu mantenho um apontamento de custos dentro do software”, complementa. A aplicação ajuda, inclusive, a descobrir qual o custo de produção total por cada talhão da propriedade.

Correio do Povo

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