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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Estímulo ao etanol e à expansão de lavouras

 


Programa estadual deve facilitar investimentos na produção do álcool e, com isso, tornar o plantio de alguns tipos de grãos mais atrativo para os agricultores gaúchos

Com matéria-prima renovável e menos emissão de gases do efeito estufa, o etanol é uma alternativa de combustível mais ecológica, que também oferece renda para agricultores e possibilidades de investimentos e empregos em toda a cadeia econômica. O Rio Grande do Sul compra de outros estados – sobretudo São Paulo e Mato Grosso do Sul – 99,7% do etanol que consome, mas tem potencial para reduzir significativamente este índice. Por isso, prepara uma série de ações de incentivo ao cultivo de produtos agrícolas que possam gerar álcool e à construção de usinas dentro do Programa Estadual de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Etanol – conhecido como Pró-Etanol/RS. 

Principal fonte para a fabricação do combustível no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, a cana-de-açúcar não se adapta bem ao clima do Rio Grande do Sul. Mas o Estado pode apostar na ampliação do plantio de espécies como o triticale, trigo, sorgo-grão e arroz, todas de cultivo viável em seu território e ricas em amido, com potencial para a produção de etanol. 

Voltada a essas possibilidades e à ocupação dos cerca de 4 milhões de hectares ociosos no inverno, a política estadual para o etanol foi criada pela lei 15.641, aprovada em maio do ano passado, e regulamentada pelo decreto 56.198, de 11 de novembro de 2021. O coordenador do Pró-Etanol, Valdir Zonin, lembra que o programa vinha sendo elaborado há três governos. Com a oficialização, acredita que “as regiões podem entrar em campo” e elaborar projetos de produção em cadeia com usinas porque agora têm de fato a segurança e credibilidade institucional para empreender. 

A legislação estabelece políticas públicas e incentivos que serão fornecidos pelo Governo do Estado para facilitar investimentos da área privada no ramo. Entre essas políticas estão a formação de convênios e parcerias; orientação técnica; incentivos na construção de infraestrutura; zoneamento das matérias-primas; facilitação do acesso a sementes, mudas e insumos; incentivo à pesquisa visando à criação de programas específicos para a experimentação no campo; e incentivos de crédito presumido a indústrias integrantes do Pró-Etanol.

“O governo entra com alguns ajustes; com incentivos na questão tributária, na questão das matérias-primas, na questão do zoneamento climático do triticale e algum outro cultivo que não fez zoneamento climático; com a política florestal; com o apoio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e da Secretaria do Desenvolvimento Econômico”, enumera Zonin. O coordenador também explica que a maior parte das discussões e trâmites ocorre dentro das 12 regiões do Estado com projetos em desenvolvimento para a área.

As regiões atendem a um planejamento que está organizado em cinco fases, explica Zonin. A primeira é o autoabastecimento do consumo atual, com a construção de 12 usinas no Estado; a segunda é a redução dos custos e consequente incremento do consumo gaúcho do combustível; a terceira é a produção de biocombustíveis de aviação; a quarta é a exportação do etanol; e a quinta é abastecer futuras demandas de carros elétricos à base de etanol (veja mais nas páginas centrais). “Quantos anos nós vamos levar para chegar lá a gente não sabe, mas a gente tem cinco fases, cinco metas a serem alcançadas”, reitera Zonin. “É possível porque temos condições, terrenos e maquinário disponíveis e mão de obra. Temos todas as condições para desenvolver essas etapas, mas por enquanto estamos na primeira”, complementa. 

Para o coordenador da Comissão de Trigo e Cereais de Inverno da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, o Pró-Etanol dará mais oportunidades para o produtor apostar nas culturas de inverno e outras culturas do amido. “É um programa fantástico”, define, lembrando que a Farsul sempre esteve presente nas discussões sobre essa política de estímulo, com interesse especial pelos benefícios para a cultura do trigo. 

Jardim espera que, no futuro, o etanol produzido no Estado abasteça o consumo local e está certo de que os produtores vão aderir ao plantio para abastecimento das usinas. “O potencial é grande porque produzimos poucas culturas de inverno. Se nós tivermos certeza de negócio e da aquisição de produtos, temos como ocupar mais hectares”, afirma. O dirigente da Farsul destaca o recente crescimento da produção de trigo, com 1,2 milhão de hectares cultivados neste ano, maior área desde 2014. Segundo ele, essa cultura tem grande potencial para abastecer usinas de etanol.

No Rio Grande do Sul, programa tem maior vinculação com cultivos de inverno

Triticale, trigo e sorgo-grão são indicados para cobrir o solo e dar rentabilidade ao agricultor nos meses mais frios do ano e na safrinha . Arroz gigante pode se tornar uma opção voltada ao etanol no verão. Milho também é indicado como fonte do combustível, mas as lavouras ainda são insuficientes para abastecer outro ramo da economia rural, a alimentação dos animais

 Arroz gigante foi desenvolvido pela Embrapa. Foto: Paulo Lanzetta / Embrapa Clima Temperado / Divulgação 

A convicção de que o Programa Estadual de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Etanol - Pró-Etanol/RS pode oferecer um destino para eventuais sobras de produção dos cereais de inverno é acompanhada de uma preocupação com os reflexos do programa para uma cultura de verão que é deficitária no Rio Grande do Sul. “O problema é com o milho”, aponta o agrônomo Adrik Richter, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), lembrando que há escassez deste grão no Estado.

Segundo Richter, se o milho passar a ser amplamente utilizado na produção do etanol, pode haver uma alta de preços com impactos nos custos de produção dos pecuaristas, pois o grão é o principal insumo da alimentação dos animais. “Junto com o Pró-Etanol são necessárias políticas públicas para reforçar a produção de milho no Estado”, adverte.

 O milho é uma cultura deficitária no Estado porque ainda não supre a demanda para a alimentação animal. Seu uso para o etanol depende de aumento de produção. Foto: Carlos Queiroz / Especial / CP Memória

Uma das alternativas para evitar a escassez do milho é o arroz. Observando o potencial desse grão, que também é de verão, para a produção de etanol, a Embrapa desenvolveu cultivares próprias para essa finalidade, como a de arroz gigante BRS AG, que apresenta vantagens de produção e de conversão de amido ao etanol.

Ariano Magalhães, pesquisador da empresa, lembra que a cana-de-açúcar, matéria-prima mais utilizada no Brasil para o etanol, não se desenvolve tão bem no Rio Grande do Sul. Por outro lado, as terras baixas da Metade Sul do Estado, às quais a cana-de-açúcar se adapta mal, são próprias para o cultivo de arroz porque têm superfícies planas e inundáveis.

“Essa cultura (do arroz) encontra condições privilegiadas no Estado”, ressalta Magalhães. “A média (local) é 9 mil quilos por hectare, potencial elevadíssimo em nível mundial. Nossa lavoura é altamente tecnificada e a nossa região é muito propícia”, complementa. O pesquisador reitera que, neste caso, a produção do Estado é superavitária. “A estratégia de utilizar isso para produzir etanol seria uma forma de não desabastecer o mercado e utilizar o excedente”, conclui.

Magalhães lembra que algumas características tornam o arroz gigante adequado à produção do etanol. “Ele tem um grão bem maior, com o dobro do tamanho, o que dá uma relação casca-grão maior, e não tem dureza na cocção”, ressalta. “Isso facilita a hidrólise na refinaria, que produzirá mais etanol com menos matéria-prima”. Uma tonelada de arroz gigante rende 400 litros de etanol. O mesmo volume de cana-de-açúcar produz 89,5 litros do combustível.

 O trigo pode se tornar opção para o etanol quando a colheita não ficar adequada à panificação. Foto: Joel Vargas / Agência ALRS / Divulgação / CP

De acordo com coordenador do programa, Valdir Zonin, os cultivos de inverno que apresentam maior potencial para a produção do etanol são o triticale e o trigo. Deste último, o coordenador explica que pode ser usada a parcela da colheita que apresentar baixa qualidade para farinha. “O agricultor vai conseguir um preço melhor para esse material secundário”, prevê Zonin. Além dessas duas culturas, há outras que também podem ser aceitas nas usinas, como cevada, centeio e aveia branca.

 O triticale tem bom potencial de cultivo no Estado. Foto: Embrapa / Divulgação / CP

Para a safrinha posterior à colheita da soja e do milho precoces, Zonin afirma que a prioridade é o sorgo-grão, porque ele cresce rapidamente e é resistente à seca. Como recomenda-se que os solos estejam cobertos o ano todo, o sorgo-grão torna-se uma opção interessante para o verão, além do milho, que deve ter seu cultivo incentivado, defende Zonin. A produção por hectare fica entre 80 e 90 sacas para o triticale – podendo chegar a 100 sacas –, entre 90 e 95 sacas para o trigo, 100 sacas para o sorgo, 150 sacas para o milho e 200 sacas para o arroz gigante.

 O sorgo grão pode ser cultivado na safrinha de verão, depois da colheita das variedades precoces de soja e milho. Foto: Vilson Machado / Divulgação / CP

Quanto à rentabilidade para o produtor, este vai vender às usinas pelo preço de mercado, a não ser nos casos do trigo com baixo pH, em que ele vai conseguir um preço maior, de acordo com Zonin. “O maior ganho dos agricultores é que eles vão ter mais opções de inverno e de safrinha com mercado garantido”, afirma o coordenador do Pró-Etanol. Segundo Zonin, o foco do programa não é o incentivo aos cultivos de verão. “O verão já está superlotado, em termos de ocupação das áreas”, justifica.

Coordenador vê potencial no mercado

O coordenador do Pró-Etanol, Valdir Zonin, diz que o consumo de etanol no Rio Grande do Sul (atualmente de 1,6 bilhão de litros por ano) tende a aumentar e que o programa “poderá baratear o etanol na bomba”. Ele estima que o combustível vai custar em torno de R$ 5,00 por litro, o que tende a incentivar o consumidor a optar pelo etanol no lugar da gasolina. 

Zonin também cita a crescente demanda da Índia, que hoje adiciona 20% de etanol à gasolina utilizada no país, e a produção de bioquerosene de aviação para exportação para a Europa como fatores que podem elevar a produção.

Outra possibilidade futura que pode garantir a demanda é o surgimento dos carros elétricos sem bateria, com tecnologia, já em desenvolvimento, que permite que sejam movidos a etanol misturado com água (a água gera o hidrogênio, que mantém o carro).

Há grande expectativa para o futuro, mas nada disso pode ser alcançado sem dar o primeiro passo: a construção de 12 usinas no Estado, com foco nas duas primeiras, a Vinema e a Viadutos Biorrefinaria de Etanol Ltda (VBR). “A partir dessas, deu tudo certo? Então vamos expandir (a produção) na Metade Sul e na Metade Norte. As regiões já estão organizadas e algumas em fase de organização”, relata o coordenador. 

Segundo Zonin, os benefícios para o Estado incluem, além do retorno em forma de ICMS, o incremento de áreas cultivadas no inverno, insumos, máquinas, equipamentos e combustível. “Toda a cadeia vai ser incrementada se nós conseguirmos atingir a fase um, que é produzir no estado 1,6 bilhão de litros por ano”, afirma. “É um passo importante inclusive para tirarmos um pouco o nosso Estado da crise que ele vem sofrendo nos últimos 40 anos.”

Dois projetos darão a largada para a produção em larga escala no estado

Depois de reuniões com o governo, a primeira biorrefinaria para produção de etanol da Vinema Biorrefinarias Sul no Rio Grande do Sul precisa apenas finalizar seu licenciamento para ser construída, em Guaíba. O investimento é de R$ 2 bilhões e a construção vai durar entre dois e três anos, com expectativa de início das operações em 2025. De acordo com Vilson Neumann Machado, diretor da Vinema, o Pró-Etanol auxilia no processo com o fornecimento de incentivos fiscais, segurança jurídica e benefícios a agricultores, como acesso a crédito. 

Machado adianta que a planta será totalmente flex, o que quer dizer que poderão ser utilizados quaisquer tipos de vegetais que tenham amido, como arroz gigante, triticale, sorgo, trigo, cevada e centeio. A Vinema já possui uma sala para pesquisas na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e faz parte do BraCHAM, um grupo que promove parcerias de empresas brasileiras com a China. 

A expectativa, na primeira fase do projeto, é que a nova planta produza 20% do etanol demandado no Estado (400 milhões de litros por ano). Na segunda fase, espera-se que esse percentual chegue a 40%. Depois da construção da fábrica em Guaíba, a empresa planeja construir outra biorrefinaria para etanol em Palmeira das Missões.

Na primeira fase, 60 pessoas vão estar empregadas na fábrica. Outras vagas na cadeia econômica serão de 300 terceirizados e 450 motoristas. Além disso, 1.200 trabalhadores participarão da construção da planta e mais 1.200 estarão na fábrica, na segunda etapa. Espera-se, também, que 26 mil produtores rurais se vinculem à produção. 

Enquanto isso, a Viadutos Biorrefinaria de Etanol Ltda (VBR), de Viadutos, encontra-se em fase de conclusão das etapas preliminares, necessárias para o início do empreendimento.

Segundo o coordenador do Pró-Etanol, Valdir Zonin, que também encabeça as negociações do projeto, essas etapas envolvem garantias como infraestrutura local (terreno, taxas e tributos, entre outros); contratos com empresas de tecnologia de processo; facilitação do acesso dos agricultores a sementes; parcerias para a aquisição de matérias-primas e biomassa florestal; e acordos com grupos de investidores privados.

Com o Pró-Etanol, o projeto ganha benefícios e garantias de confiabilidade do Estado; parcerias com entidades como Fetag, Farsul, Fetraf, Famurs, Emater, universidades e Embrapa; e cooperação entre as 12 regiões com projetos em andamento. 

As obras da VBR têm previsão de início para abril de 2022 e devem ficar prontas em 18 meses. As principais matérias-primas da usina vão ser aquelas cultivadas no inverno. Nos 42 municípios na região da VBR, existem 250 mil hectares ociosos na estação, que vão produzir prioritariamente o triticale e algumas cultivares de trigo com alto amido e proteína.

Na safrinha também há áreas ociosas, nas quais o sorgo-grão será priorizado. “A VBR está projetada para processar mil toneladas por dia de cereais, o que vai gerar em torno de 126 milhões de litros de etanol por ano e 126 mil toneladas de DDGs/farelos, entre outros coprodutos, como óleos e energia elétrica”, destaca Zonin. Além disso, cerca de mil pessoas trabalharão em sua construção e, quando estiver em funcionamento, a fábrica vai ocupar aproximadamente 500 pessoas em trabalhos indiretos e 142 pessoas dentro dela. 

Produção em pequena escala enfrenta desafios

Atenta à futura demanda, equipe da UFSM desenvolve equipamento para microdestilarias

 Destilador fabricado em Santa Maria está em fase de testes. Foto: Flávio Dias Mayer / Divulgação / CP

Pequenos produtores e cooperativas também estão de olho na possibilidade de produzir etanol, mas enfrentam dificuldades para viabilizar microdestilarias. Depois de observar que havia a necessidade de equipamentos eficientes para este segmento, professores e alunos no Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) desenvolveram o projeto de extensão “Aplicação de um destilador contínuo para produção de bioetanol combustível” e construíram, em parceria com um fabricante e agricultores, um destilador voltado para a produção em microdestilarias.

O processo de produção do etanol envolve três etapas: obtenção do açúcar, fermentação desse açúcar e separação do etanol da água. A tecnologia desenvolvida no projeto realiza a terceira etapa. Os equipamentos usados para desempenhar essa função de separação do etanol da água costumam ter duas colunas e o avanço da equipe foi criar um equipamento mais compacto, com uma única coluna, portanto mais barato e ideal para pequenos produtores. 

A equipe já construiu o destilador, que agora está em fase final de testes. Flávio Dias Mayer, um dos coordenadores do projeto, considera esse tipo de iniciativa importante porque o Rio Grande do Sul importa quase todo o etanol que consome e terá mais alternativas de desenvolvimento com a fabricação local. Ele também lembra das dificuldades que esses produtores enfrentam para viabilizar empreendimentos na área. “O primeiro entrave para a produção de etanol em pequena escala é a legislação, que é bastante rigorosa quanto a isso”, constata, admitindo, no entanto, que as exigências são indispensáveis. “Não poderia ser diferente, uma vez que é para uso em carros, em motores; portanto é necessária uma qualidade mínima que garanta que o combustível não vai afetar esses motores”, explica. Há produtores que têm dificuldades para atingir os padrões de qualidade exigidos. 

Outro entrave, de acordo com Mayer, é a eficiência de equipamentos de pequena escala. Mas o pesquisador lembra que esse problema também foi uma preocupação da equipe, que produziu um equipamento com mais eficiência que os destiladores comuns.

Correio do Povo

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