Com vacinação de adultos incompleta, cientistas criticam inclusão de adolescentes

 


Em um momento em que já há Estados e municípios prevendo o início da vacinação contra covid-19 em adolescentes, o Brasil ainda tem 13% dos idosos sem vacinação completa. No grupo de 60 a 65 anos, a taxa de pessoas sem primeira ou segunda dose é de 39% dessa população. Entre os cinquentenários há um grande contingente sem segunda dose, e 86% deles ainda não têm vacinação completa.

Esses números, compilados pelo estatístico Elias Krainski, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apontam um cenário que especialistas consideram preocupante. A ampliação da vacinação para jovens é estrategicamente errada, dizem, porque essa taxa da população possui uma taxa de letalidade muito menor quando exposta ao coronavírus. Dados dos CDC (Centros de Controle de Doenças dos EUA) mostram, por exemplo, que o risco de morte para adultos de 50 a 65 anos é cerca de 95 vezes maior do que entre jovens de 18 a 29, e menos ainda entre menores de idade.

Para otimizar o efeito coletivo da vacina em termos de vidas salvas, então, especialistas dizem que o caminho mais curto é o de buscar os idosos e cinquentenários que não foram plenamente vacinados.

A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Plano Nacional de Imunizações (PNI), considera “inadmissível” ter tantos não vacinados acima de 60 anos:

“Estados com 60%, 70% de vacinados têm que fazer buscar ativa e não avançar para adolescentes. É só político. Uma maratona para ver quem vai chegar primeiro nos 12 anos, uma coisa surreal”, diz.

Para a busca ativa, Domingues reforça que a vacinação é nominal e os atrasados podem ser procurados por telefone, e-mail, SMS ou até por agentes de saúde, de programas como Saúde da Família, “mas tem que ir atrás”.

Ela reforça a necessidade de homogeneidade na campanha, ou seja, que todos os estados e cidades estejam no mesmo ritmo da vacinação. Não adianta um estado apresentar cobertura de 90%, se houver grande disparidade entre capital e interior.

“Alguns estados vacinarem adolescentes enquanto outros vacinam pessoas de 45 anos é um equívoco. Nesse momento seria lógico passar mais vacinas para estados atrasados em vez de estar mandando vacina na mesma quantidade para todos”, afirma a epidemiologista.

Briga 

Esse redimensionamento dos repasses já tem sido praticado pelo Ministério da Saúde em alguns lotes, mas já encontra reclamação por parte de gestores locais. Em São Paulo, o governador João Doria reclamou:

“Recebemos metade das vacinas da Pfizer previstas”, postou o governador nas redes sociais. “São Paulo não aceitará boicotes do Governo Federal!”.

O Ministério da Saúde rebateu a declaração do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a respeito da distribuição de doses de vacina da Pfizer para o estado. Segundo a pasta, o que houve foi uma compensação, uma vez que nas duas últimas pautas de distribuição, São Paulo recebeu mais doses do que o previsto de CoronaVac.

Além disso, o secretário executivo da pasta, Rodrigo Cruz, afirmou que não existe percentual fixo de distribuição para cada unidade da federação e que, desde o dia 27 de julho, o governo federal envia doses de acordo com percentual populacional por idade.

Cruz explicou ainda que a pasta pactuou com estados e municípios, em reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) que buscaria equalizar a vacinação em todo Brasil, já que havia muita disparidade entre os Estados.

Um problema apontado por especialistas é que o SUS ainda não conhece bem o perfil da população vacinada em alguns estados, por falta de qualidade do sistema de informação.

Para a epidemiologista Brigina Kemp, do coletivo de cientistas Observatório Covid-19 BR, isso atrapalha a busca ativa por não-vacinados. É um trabalho difícil, que também requer descobrir o motivo pelo qual algumas pessoas atrasam a segunda dose ou nem procuram a primeira.

“O maior problema na população acima de 60 anos é que tem muita recusa, por motivos variados. Alguns têm medo da reação da vacina, alguns estão entre os ‘sommeliers’ de vacina, ou podem não estar bem informados sobre calendário”, diz.

Mesmo motivos mais triviais, como esquecimento, problema de locomoção ou transporte podem contribuir para o problema, e cada município precisa entender o motivo da lacuna de vacinação em sua população. A desinformação, diz Kemp, é em parte problema da falta de grandes campanhas de alcance nacional de conscientização sobre a vacina da covid-19.

Domingues critica a política de algumas cidades de permitir faixas etárias em dia específicos, impedindo que os que já foram chamados possam também comparecer e obrigando-os a esperar uma repescagem, que às vezes demora semanas.

“Não pode ter esquema rígido desse jeito, como se a população fosse robô. É preciso pensar nas imprevisibilidades da vida das pessoas. E não penalizar quem ficou para trás”, diz a epidemiologista.

O Sul

Nenhum comentário:

Postar um comentário