segunda-feira, 23 de junho de 2025

STJ analisa possível retorno da mineração de areia no Rio Guaíba suspensa desde 2003

 Fepam recorreu a Brasília, enquanto realiza estudos de zoneamento após ter sido sentenciada pela Justiça Federal gaúcha e TRF4

Atividade no Guaíba está suspensa por força de ação popular há mais de 20 anos | Foto: Mauro Schaefer


Tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ora sem previsão de votação, uma ação cujo resultado pode significar a retomada da mineração de areia no Guaíba, em Porto Alegre. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) recorreu à instância em Brasília em abril deste ano depois de a Justiça Federal gaúcha ter proibido o órgão estadual a conceder licenças ambientais para empresas mineradoras até a conclusão do zoneamento ecológico-econômico (ZEE), por sua vez a ser apresentado em um prazo de dois anos. O assunto está no gabinete da ministra Regina Helena Costa.

A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A Procuradoria-Geral da República (PGR), por meio da Subprocuradora-Geral, Denise Vinci Tulio, já emitiu parecer nos autos do STJ, recomendando a manutenção da suspensão. Ainda em 2013, a Associação Comunitária Amigos do Lami ingressou com ação civil pública contra companhias mineradoras, a Fepam e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que estaria concedendo autorizações de pesquisas a empresas de mineração. A entidade buscava esta suspensão alegando principalmente a possibilidade de danos ambientais à bacia hidrográfica do Guaíba.

Entre outras alegações, a associação disse que a área concentra os maiores núcleos industriais e populacionais do Rio Grande do Sul, recebendo esgotos e metais pesados, servindo também para a captação de água para quatro milhões de pessoas. Na esteira da sentença, o site da Fepam mostra que houve avanços, e diversos documentos estão concluídos, como o Relatório Geofísico e o de Sondagem, que identificou sedimentos finos nos primeiros quatro metros de profundidade do curso d’água, e grãos mais espessos em áreas mais profundas.

Também está anexado um estudo hidrossedimentológico, concluído em 2019, o qual afirmou, na ocasião, ter havido um aumento, entre 2004 e 2014, de cerca de 90% na quantidade de requerimentos para pesquisa e outorga de lavras para a mineração, “possivelmente associado ao aumento das demandas do mercado da construção civil”, diz o documento. Porém, faltam ainda o Levantamento das Margens e de Fauna Terrestre e Semiaquática, assim como a Análise Integrada.

Procurada, a Fepam disse que “as análises seguem acontecendo pelas equipes da Sema e Fepam, e, em razão da enchente de maio deste ano, a equipe está reorganizando o cronograma de entrega do estudo”. Em um dos documentos, uma empresa contratada pela Sema indicou ainda que a mineração não afetaria de maneira significativa a dinâmica de transporte de sedimentos do Guaíba, embora a reposição do material de forma natural não ocorre de maneira uniforme.

Outra companhia contratada para o estudo socioeconômico, finalizado em 2023, disse que a mineração “poderá contribuir para o desenvolvimento local”, contribuindo para a redução dos assoreamentos dos cursos d’água, aumento da oferta de empregos e de areia. No entanto, como impactos negativos, destacou a possibilidade de despejo de efluentes e resíduos, como óleos, graxas e lubrificantes dos equipamentos, diminuição da qualidade da água superficial, remoção da cobertura vegetal em área de banhado e até “eliminação temporária de áreas de refúgio de peixes”.

Estudo aponta cenários de restrições para a atividade

O assunto se arrasta desde 2003, quando a sentença de outra ação popular determinou a suspensão das atividades de extração, enquanto a determinação da Justiça de que a Fepam realize a ZEE vem, ao menos, desde 2016. Também em 2023, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estudaram três cenários para a prática da mineração. Com critérios mais rigorosos, 76% da área do Guaíba teria restrições para a atividade. Já para o cenário com mais flexibilizações, a restrição seria para 28% da área. Por fim, o cenário equilibrado restringiria 50,1% da área.

Para o presidente do Sindicato dos Depósitos, Distribuidores e Comerciantes de Areia no RS (Sindareia RS), Laércio Thadeu, a expectativa é que o ZEE esteja pronto até o final do ano. “Depois, haverá os trâmites legais, o estudo será anexado ao processo, mas creio que, com o clamor da sociedade em relação à necessidade de dragagem do Guaíba depois das enchentes, acredito até que isto possa ser agilizado”, comentou ele.

“O desassoreamento, seja para mineração ou outras atividades, está 20 anos atrasado. E não é da noite para o dia que será resolvido. Estamos perdendo este tempo todo de não termos feito nada no Guaíba”. Ainda segundo Thadeu, a areia é considerada o segundo mineral mais importante do mundo, atrás apenas da água. “Em qualquer lugar temos areia, e precisamos dela para as estradas, construções, então não podemos deixar isto cair no esquecimento. Se houvesse este trabalho, acredito que seria amenizado o volume de água que veio a Porto Alegre”.

Correio do Povo

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