Estudo assinado pela Embrapa atesta que o uso cultivares mais produtivas e de fontes alternativas à adubação nitrogenada têm potencial para reduzir pegada de carbono do grão semeado nos campos do Brasil
Com estimativa abaixo da média mundial, a pegada de carbono do trigo produzido no Brasil poderá ficar até 38% menor. Esta é a conclusão de um estudo desenvolvido pela Embrapa Trigo (RS), com apoio das unidades Meio Ambiente (SP) e Agroindústria Tropical (CE). O trabalho, pioneiro na projeção da pegada de carbono do cereal na América do Sul, aponta que a redução seria obtida com o uso de fontes alternativas para adubação nitrogenada, associado a cultivares mais produtivas. A pesquisa foi publicada no periódico científico Journal of Cleaner Production.
De acordo com a Embrapa, a pegada tritícola brasileira está calculada em 0,5 quilo de CO2 para cada quilo de trigo produzido. A média mundial é quase 20% superior, chegando a 0,59 quilo de CO2. Os dados por países indicam uma variação entre 0,35 quilo a 0,62 quilo de CO2 por quilo de grãos, dependendo das condições climáticas e das práticas agrícolas de cada região tritícola.
“No Brasil, somos muito eficientes em relação à média global”, ressalta Vanderlise Giongo, pesquisadora da Embrapa Trigo, unidade com sede em Passo Fundo.
Vanderlise salienta a impossibilidade de comparar uma agricultura subtropical ou tropical com uma agricultura de clima temperado ou com uma tecnologia utilizada em outro país.
Atualmente, os fertilizante nitrogenados são o principal elemento para a emissão de gases, mais especificamente o óxido nitroso (N2O) gerado durante a aplicação de ureia. O fertilizante responde por 40% dos gases de efeito estufa envolvidos na cultura. Com menor custo entre os adubos nitrogenados disponíveis no mercado, a ureia é de uso frequente na triticultura. Conforme a pesquisa, a substituição pelo nitrato de amônio com calcário (CAN) minimizaria significativamente os impactos ambientais.
“Alguns produtores utilizam essa estratégia, de mudar a fonte de nitrogênio para diminuir perdas e aumentar a eficiência”, explica Vanderlise. A pesquisadora, no entanto, salienta que não se trata de uma “receita básica”. Outras variáveis devem ser consideradas. Eventualmente, até mesmo o uso de ureia seria adequado. “Temos que avaliar sempre a condição econômica, a eficiência no manejo do nitrogênio. A ureia pode ser utilizada, mas há uma tecnologia de aplicação”, explica. As alternativas seriam biofertilizantes, biopesticidas, fertilizantes de liberação lenta e nanofertilizantes.
A acidificação do solo, uma das categorias com maior impacto ambiental, também pode ser mitigada pela substituição da ureia pelo CAN. “Quando a ureia não é totalmente absorvida pelas plantas ou é lixiviada como nitrato, ocorrem reações que liberam íons de hidrônio, aumentando a acidez do solo. Em contrapartida, fertilizantes à base de CAN ajudam a neutralizar esse efeito devido ao seu conteúdo de cálcio”, explica Marília Folegatti, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente. Fertilizantes nitrogenados também estão associados às emissões de gases em outras culturas com pegada de carbono e hídrica, como as fruteiras tropicais, em especial, manga, melão e coco verde.
“Além disso, a produção de fertilizantes sintéticos gera metais pesados que contribuem para a contaminação do solo, podendo afetar a qualidade dos alimentos, a saúde humana e os ecossistemas,” alerta a pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical Maria Cléa Brito de Figueiredo.
A adoção de cultivares mais produtivas é indicada pelo estudo com o objetivo de mitigar impactos ambientais no campo, uma vez que proporcionam maior rendimento com menor emprego de recursos, como terra e água.
Vanderlise destaca que se trata de “um primeiro trabalho”. “Outros cenários serão desenvolvidos, com outras tecnologias. Há muitas possibilidades para aumentar nossa eficiência. Isso não significa ter que reduzir a aplicação e, sim, aumentar a eficiência, que se traduz em maior produtividade e em competitividade”, afirma. Até o momento, os resultados da pesquisa foram obtidos em análises realizadas em 61 propriedades rurais, na safra 2023/2024, e com o acompanhamento do procedimento industrial em uma moageira, no Sudeste do Paraná. O levantamento detalhou desde o uso de fertilizantes e defensivos agrícolas até o transporte dos grãos, secagem, moagem e transformação dos grãos em farinha.
Vanderlise revela que avaliações no Rio Grande do Sul estão em andamento, prevendo a publicação dos dados relativos em um prazo de, pelo menos, um ano e meio. “É uma linha de pesquisa que precisa ser realizada em todas as regiões tritícolas. Estou no Cerrado justamente por necessidade dessa ampliação. Pretendemos criar uma identidade para o trigo, brasileiro, mas com essa característica de regionalização”, diz ela. “Mudando as condições edafoclimáticas, você tem desafios e oportunidades distintas”, acrescenta.
Mesmo dentro de um estado, como no próprio Rio Grande do Sul, poderão ser identificadas diferenças de tecnologia e modelo de produção no qual a lavoura do grão está inserida. Exemplos podem contemplar lavouras mais complexas, com a presença de gramíneas de verão, milho, sorgo e, obviamente, soja, e variações de altitude, de características do solo e do próprio manejo. “São fatores que podem oferecer alteração”, afirma Vanderlise.
Emissões da triticultura
Comparação da pegada de carbono do trigo entre países (em quilo de CO2 para cada quilo de grão produzido):
1. Brasil: 0,5
2. Austrália: 0,37
3. China: 0,55
4, Alemanha: 0,35
5. Itália: 0,58
Índia: 0,62
7. Polônia: 0,45
8. Global: 0,59
Fonte: Embrapa Trigo
Correio do Povo
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