sábado, 1 de março de 2025

“Durmo e acordo pensando nisso”: vizinhança ainda sente o impacto de crime brutal em Tramandaí

 Clima de medo e incerteza permanece no bairro onde menina foi sequestrada e mantida em alçapão por idoso que acabou linchado e morto por moradores



Dois dias após o resgate de uma menina de 9 anos e o linchamento de seu sequestrador, a vizinhança do bairro Parque dos Presidentes, em Tramandaí, ainda lida com o choque e a insegurança, devido ao trauma e à cena de guerra presenciada na última quarta-feira.

Nesta sexta-feira, a rua onde tudo aconteceu segue interditada por fitas e monitorada 24 horas por dia por policiais do Batalhão de Choque da Brigada Militar, que buscam evitar saques ao armazém onde o crime ocorreu.

Entre as casas e comércios da região, o sentimento predominante é o medo. “Durmo e acordo pensando nisso”, diz uma moradora que vive próximo ao local e prefere não se identificar. “Dá um mal-estar muito grande saber que uma pessoa assim morava tão perto da gente. Estou mal até agora”, relata.

Segundo vizinhos, a comunidade já evitava o estabelecimento, onde funcionava um pequeno mercado que vendia bebidas alcoólicas e outros itens. Moradores relatam que o local atraía homens embriagados e gerava incômodo, mas ninguém suspeitava do que realmente acontecia ali.

O “bom comportamento” do idoso não levantava suspeita sobre os segredos escondidos por ele. “Ele aparentava ser um senhor sozinho e tranquilo. Todas as vezes que precisei fazer contato, ele atendeu super bem”, conta outra moradora. “Não sei se foi ingenuidade minha, mas nunca imaginei que se tratava de alguém assim”, acrescenta.

Como tudo aconteceu

Assim como o sentimento de trauma deixado pelo ocorrido, as memórias de como tudo aconteceu também não saem da cabeça da população. Conforme relatos, desde a noite de terça-feira, horas após a menina desaparecer, a polícia já tinha o suspeito no radar.

Câmeras obtidas pela força-tarefa montada pelas forças de segurança da cidade mostraram a criança passando perto do armazém e, mais tarde, imagens obtidas no dia seguinte confirmaram que ela entrou no local após ser atraída pelo idoso, que teria lhe oferecido um picolé.

Antes disso, porém, a polícia viveu uma longa noite e uma madrugada intensa na busca pela menor. Agentes foram ao estabelecimento e perguntaram ao suspeito se ele sabia de algo, já que não conseguiam ver para onde ela havia seguido após chegar perto ao estabelecimento, mas ele, mesmo com comportamento suspeito, negava ter conhecimento. Além disso, apresentou filmagens “frias”, para tentar mascarar o envolvimento.

Durante a madrugada, um policial chegou a bater no portão do mercado se passando por cliente, tentando obter informações. O homem atendeu, mas entregou a mercadoria apenas por uma pequena abertura, sem permitir que ninguém entrasse. A movimentação levantou ainda mais suspeitas.

Na manhã seguinte, os policiais conseguiram contatar moradores de outra casa vigiada por câmeras, com uma delas apontada para o mercado e, prontamente, receberam imagens que confirmavam que a menina entrou no armazém, chegou a sair minutos depois, mas foi convencida e voltar e foi mantida em cárcere nas horas seguintes.

Com essa prova, a Brigada Militar (BM) intensificou as buscas no endereço do suspeito. No momento em que agentes tentavam abordar o homem, ele tentou empurrar um policial para fora, o que aumentou a desconfiança.

A busca no interior do armazém foi minuciosa. Quando a equipe já estava prestes a encerrar a vistoria, ouviram um som abafado vindo do chão. Os policiais seguiram o barulho e encontraram a criança escondida em um alçapão sob uma tampa de concreto, coberta por caixas de cerveja. Ao se abraçar em um dos policiais, a menina revelou que havia sido abusada.

Preocupados em tentar localizar e salvar a menor, os brigadianos não conseguiram impedir a entrada da multidão no estabelecimento. Diante da cena e do relato, a população, revoltada, linchou o sequestrador, que chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital. Antes da chegada do socorro, chegou a acontecer uma confusão entre a polícia e os populares.

Suspeita de premeditação

O histórico criminoso do homem e a estrutura do mercado levantam a suspeita de que o crime foi premeditado. Entre as hipóteses que podem ser levantadas, está a de que o local foi construído propositalmente para servir como fachada, justificando a existência do alçapão. Se questionado, o suspeito poderia alegar que o espaço subterrâneo era apenas um depósito.

A presença policial na área será mantida pelo menos até o final do Carnaval. Fora da temporada de verão, a região é conhecida pela presença do tráfico de drogas. Durante o período de veraneio, a atividade criminosa se camufla em meio aos turistas.

Marco Antônio Bocker Jacob, 61 anos, tinha um histórico de crimes graves. Em 2020, ele sequestrou uma adolescente de 17 anos em Porto Alegre, amordaçando-a e tentando levá-la em um carrinho de mão. A vítima conseguiu se soltar e gritar por socorro, sendo resgatada por vizinhos.

Condenado por sequestro qualificado e lesão corporal, ficou pouco mais de um ano preso e obteve o benefício do regime domiciliar. Em maio de 2023, mudou-se para Tramandaí, onde sequestrou a menina de 9 anos na última terça-feira. Sua condenação havia sido extinta no final de janeiro.

ARMAZÉM ONDE MENINA FOI ENCONTRADA EM TRAMANDAI APÓS SEQUESTRO Mauro Schaefer


Correio do Povo

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