domingo, 9 de junho de 2024

"Só pensávamos em ser úteis aqui", diz remador que deixou de lado o sonho olímpico para ajudar nas enchentes do RS

 Piedro Tuchtenhagen e sua dupla, Evaldo Becker, não disputaram o Pré-Olímpico na Suíça


Em meio as inúmeras perdas causadas pela enchente que castigou o Rio Grande do Sul no último mês, algumas ultrapassaram o âmbito material. Um dos exemplos veio da dupla de remadores gaúchos Evaldo Becker e Piedro Tuchtenhagen, campeões brasileiros e sul-americanos que desistiram juntos do sonho olímpico para ajudar a salvar vidas em meio à tragédia. Os atletas haviam sido classificados para a final do Pré-Olímpico da modalidade, disputada na Suíça, entre os dias 19 e 21 de maio, mas decidiram abrir mão do sonho para se juntar às equipes de ajuda e resgate.

Piedro, atleta do Grêmio Náutico União (GNU), conta que maio foi o mês mais atípico que já vivenciou, mesmo tendo sido atingido pelas fortes chuvas em Porto Alegre em novembro do ano passado. "A gente não esperava passar por tudo isso que enfrentamos logo no início do mês", diz. "No finalzinho de abril, começaram as enchentes, estávamos lá na sede (do GNU) da Ilha (do Pavão) levantando algumas coisas e posso dizer que a gente meio que subestimou as águas. Pensamos 'não precisa subir tanto as coisas porque a água não vai vir tanto e não vai chegar num nível tão sério' e acabamos nos surpreendendo do jeito que a água subiu", relembra.

Apesar disso, foi possível salvar alguns aparelhos como o remoergômetro, utilizado para os treinos indoor. "A gente subiu alguns barcos também, porém como a água subiu demais alguns barcos que já estavam na prateleira em um lugar mais alto acabaram flutuando e batendo na estrutura de madeira das prateleiras", conta Piedro. A situação causou um grande prejuízo nos barcos e ainda não se sabe se terá como consertá-los.

A capital gaúcha começou a sofrer com as inundações na manhã de sexta-feira do dia 3 de maio, quando o Centro Histórico foi rapidamente invadido pela água, que se espalhou por outros bairros da cidade logo depois. Dois dias depois, no domingo, Piedro já viu a necessidade de ir até a sede do GNU no bairro Moinhos de Vento ajudar no que fosse necessário. "Eu estava em casa, comecei a ver tudo que estava acontecendo e pensei na hora em ir para lá. Desde então, acho que todo mês de maio foi em prol disso", afirma o remador. Piedro, Evaldo e os outros atletas do remo ficaram responsáveis em receber os donativos que chegavam no clube, levá-los para a triagem e distribuição. Além disso, como havia muitas cerca de 300 pessoas abrigadas no local, o remador também ficava à disposição para descarregar caminhões com água e comida.

Tuchtenhagen revela que decisão em abrir mão do Pré-Olímpico foi consensual com o parceiro de barco Evaldo Tuchtenhagen revela que decisão em abrir mão do Pré-Olímpico foi consensual entre ele e o parceiro de barco Evaldo | Foto: William Lucas/COB/CP

O atleta gaúcho não participou de nenhum resgate, mas viu de perto seu companheiro de barco resgatar a filha de apenas seis anos das águas, que vive com a mãe na zona norte da capital. Evaldo Becker, que é gaúcho, mas atua como atleta do Flamengo, no Rio de Janeiro, havia vindo para Porto Alegre para treinar ao lado de Piedro, em preparação para o Pré-Olímpico, mas acabou atingido pelas cheias e sendo obrigado a ficar no abrigo improvisado na sede do GNU Moinhos. Foi então, que a dupla decidiu tomar a decisão mais difícil da carreira esportiva de ambos até aqui: deixar de lado o sonho olímpico.

"Foi uma escolha que a gente teve que conversar bastante foi muito difícil pelo fato também de ser a nossa última chance", conta Piedro. "Mas quando o Evaldo veio falar comigo sobre isso eu também já estava com essa ideia na cabeça. E decidimos em nos concentrar em ficar aqui para ajudar, porque a gente não se via saindo daqui neste momento, só pensávamos em ser úteis aqui e ajudar", completa.

Ainda, no início das cheias, o treinador de remo do GNU Marcelus “Cabeça” Marsili, conseguiu conseguiu fazer com que Confederação Brasileira de Remo enviasse uma passagem para Piedro e Evaldo irem para o Rio de Janeiro seguirem com os treinos. No entanto, logo depois o Aeroporto Salgado Filho foi fechado. "Quando isso aconteceu, já estávamos com a ideia decidida entre nós e pensamos que era mais um sinal que a gente tinha que ficar aqui", diz Piedro. "Porque a gente também não conseguia se concentrar nos treinos, você sentava ali para remar um pouco, mas queria ajudar a descarregar um caminhão de água ou qualquer coisa que precisasse fazer, e o esporte tem toda essa questão mental também", destaca.

O Pré-Olímpico não só seria a última chance para a dupla tentar presença em Paris, como também seria a última oportunidade para os dois disputarem uma Olimpíada. Isso porque, a categoria do double skiff peso leve vai sair para o Remo de Praia ser inserido, então a prova não estará presente nos Jogos Olímpicos de Los Angeles-2028.

Mesmo assim, a decisão foi compreendida pelo treinador e pelo clube "É uma preparação que tem muita gente envolvida, muita gente que trabalha e também coloca energia, dinheiro, enfim, e a gente sempre precisa trazer resultado, precisa estar ali treinando. Mas tudo foi super bem entendido, o pessoal de fora também que se mobilizou muito e nos mandou muita energia positiva, isso foi muito importante para a gente porque foi uma decisão difícil, mas a gente se sentiu bem acolhido por todo mundo", conta Piedro.

COB ainda luta pela vaga olímpica

O Comitê Olímpico do Brasil (COB) pediu um convite à World Rowing, a Federação Internacional de Remo, para os brasileiros Piedro Xavier Tuchtenhagen e Evaldo Mathias Becker poderem competir na Olimpíada de Paris-2024. Na carta, o Comitê destaca o papel dos dois "na maior tragédia climática e humanitária do estado onde nasceram". Apesar da atitude do COB, Piedro não nutre esperança em conseguir a vaga olímpica. "Não foi algo que a gente fez pensando nisso, sabe? Então a gente não está criando nenhuma expectativa. Claro que seria algo bem legal, que a gente gostaria de ir, acho que é legal ter um apoio do COB e da Confederação, isso é muito importante, mas estamos tranquilos que as coisas aqui estão voltando ao normal e a gente está aos poucos voltando a nossa rotina também", afirma o atleta.

Piedro reforça a importância do apoio do COB para o remo gaúcho, que foi atingido de diversas maneiras e está fragilizado. "Aqui em Porto Alegre foi muito feio, em Pelotas, onde comecei a remar também, em Eldorado do Sul, enfim. O remo no Rio Grande do Sul sofreu muito", lamenta.


Correio do Povo

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