domingo, 26 de maio de 2024

Tragédia abre janela para novos migrantes

 Estabelecimentos de Santa Catarina, motivados pela oferta postada nas redes sociais da Granja Suruvi, de Concórdia, estão selecionando trabalhadores rurais com experiência no trato com animais que tenham perdido tudo na enchente

Empreendimento no município de Concórdia (SC) trabalha com produção de material genético 

Em tempos de catástrofe e de perdas que desmontaram histórias de vida, a simples oferta de uma xícara de café já é um alento. Imagine para um agricultor, que viu se esvair pela água patrimônio e ganha-pão, deparar-se com o seguinte recado: “Daremos a oportunidade de começarem uma nova vida aqui (...). Vamos buscá-los, daremos uma casa com tudo dentro, alimentos e também emprego (...)”.

O convite circulou em redes sociais na semana passada e despertou o interesse de centenas de gaúchos flagelados pela catástrofe climática. O anúncio foi postado em uma rede social pela Granja Suruvi, de Concórdia, em Santa Catarina, e replicado pelo humorista Badin, personagem criado por Eduardo Christ, gaúcho de 32 anos que é fenômeno na internet. A repercussão a partir do personagem foi imediata.

“Tivemos milhares de mensagens, muitas pessoas parabenizando, muitas pessoas pedindo ajuda, algumas pessoas e empresas se espelhando na ideia, reais interessados”, conta Ellen Lusa, filha do proprietário da Granja Suruvi, Clair Antônio Lusa.

A propriedade se situa no oeste catarinense, onde Concórdia é um destacado produtor de suínos e aves. O município foi berço da Sadia, fundada em 1944 por Atílio Fontana, um gaúcho de Santa Maria que, além de desbravar com seu empreendedorismo, atuou na política, chegando aos cargos de senador e vice-governador de Santa Catarina.

Atualmente, a marca Sadia faz parte da BRF, criada pela fusão com a Perdigão. Concórdia também é a sede da Embrapa Suínos e Aves e conta com um dos maiores rebanhos do Brasil, sendo o primeiro do seu Estado, maior exportador de carne suína do país, embarcando 109,6 mil toneladas no primeiro bimestre de 2024, aumento de 18,2% em relação ao ano anterior, conforme a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

O desenvolvimento de Concórdia contou com a força de gaúchos ao longo das últimas décadas. Esta semana, a prefeitura anunciou a adoção do município de Doutor Ricardo, no Vale do Taquari, para auxiliar na reconstrução, e contabilizava o envio de 26 carretas ao Rio Grande do Sul com doações recolhidas em campanha na cidade. A pujança econômica do município tem atraído migrantes brasileiros e estrangeiros nos últimos anos. E a catástrofe climática que arrasou a produção no Rio Grande do Sul pode encorajar uma nova leva de gaúchos desalentados a buscar novas oportunidades.

Parte das pessoas atraídas pela iniciativa da Granja Suruvi nunca teve contato com as lidas rurais ou produção pecuária. Depois da avalanche de interessados, Ellen Lusa passou a fazer uma triagem dos contatos, para analisar a aptidão. Em meio à ansiedade e ao desamparo, acabou também oferecendo apoio emocional. “É muito difícil encontrar pessoas que realmente se dediquem ao trabalho integral com os animais na granja. Nossa busca é por pessoas que realmente possam ter desistido de tudo, menos de lutar”, diz.

Retrato do cotidiano: Ellen Lusa demonstra cuidado e amor aos animais Retrato do cotidiano: Ellen Lusa demonstra cuidado e amor aos animais | Foto: Granja Suruvi Divulgação/CP

A Granja Suruvi tem 65 anos de tradição na suinocultura e atua com a produção de material genético, em forma independente, em Santa Catarina e São Paulo. “Já vencemos muitas crises, já vimos muitas granjas fechando, reais situações de desespero”, conta Ellen. “E, hoje, finalmente entendemos o real motivo de ainda estarmos aqui. Deus tem tocado em nosso coração com essa ideia. Vai ser difícil entrar as famílias certas em meio a tantas pessoas passando por todo este caos. Porém, sabemos que podemos servir de exemplo para outras, não somente propriedades rurais, mas empresas”, completa.

Durante a semana, a família Lusa dialogou com interessados, para conhecer suas histórias. Os concordienses esperam selecionar uma família em que duas pessoas, geralmente o casal, abrace a oportunidade e se comprometa a trabalhar. Nos contatos, Ellen busca saber se eles têm experiência no trato de animais e na vida do interior. A ação motivou outros granjeiros do município a manifestarem vontade de propiciar um novo caminho aos gaúchos.

O produtor Rodrigo Pradella procurou o Correio do Povo depois de conversar com Clair Lusa. “Já tínhamos pensado na semana passada em contatar alguém da região afetada para conseguir gente para trabalhar”, declarou. “Não queremos nos aproveitar, mas dar emprego e lugar para morar”, esclareceu. Pradella diz que pode abrigar um casal em sua propriedade, preferencialmente que tenha experiência e conheça a rotina da produção. Ele pode ser encontrado pelo whatsapp (49) 99914-2290.

O produtor Anselmo Lodea também oferece vagas em sua propriedade. “Procuramos um casal para cuidar de uma creche com 7,5 mil leitões ou até três trabalhadores. A gente assina a carteira e paga mais comissão”, disse Lodea. Seu contato é o (49) 99912-9591.

Para o presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (Acsurs), Valdecir Folador, a oferta dos criadores catarinenses é natural, assim como a migração em busca de melhores perspectivas. “Quem perdeu tudo e não tem mais opção, ficou na mão, com certeza deve pegar a oportunidade se aparecer”, analisou. “A quantidade de pessoas que podem migrar a gente não sabe, mas existe a possibilidade, sim”, disse.

Correio do Povo

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