sábado, 25 de maio de 2024

Enchente traz prejuízos para o setor editorial e livreiro

 Diversos depósitos e escritórios de editorias em Porto Alegre foram inundados, com perdas de milhares de títulos


Leticia Pasuch*

O setor editorial e livreiro está entre os diversos afetados pela enchente que assolou Porto Alegre nos últimos dias. Depósitos e escritórios ficaram submersos na água por semanas, muitos deles abrigando milhares de títulos, sensíveis à água. A apreensão pela possível perda inestimável foi concomitante entre proprietários e editores. O Clube dos Editores do RS lançou, na segunda-feira, 20, uma campanha de apoio às editoras impactadas no Estado.


O depósito da L&PM Editora, na av. A. J. Renner, no 4º Distrito, ficou inundado por mais de duas semanas. O escritório, que fica na rua Comendador Coruja, também foi afetado. No dia 3 de maio, quando as águas chegaram com força na cidade, a altura da água no local passava de 1 metro, sendo possível acessar apenas de barco. Nesta terça, 21, a equipe conseguiu voltar ao depósito, sem saber o que encontraria, já que existiam 900 mil livros abrigados. Os títulos que estavam ao rés do chão foram levantados previamente.

Depósito da L&PM editora, em Porto Alegre, afetado pela enchente Depósito da L&PM editora, em Porto Alegre, afetado pela enchente | Foto: Ivan Pinheiro Machado / Divulgação / CP

Ivan Pinheiro Machado, fundador e proprietário da editora que já tem 50 anos, relata que as perdas maiores foram nos móveis, e o acervo foi atingido minimamente. Embora seja arejado, a umidade foi tamanha, e ele estima a perda de mil títulos, que caíram das prateleiras com a força da água. No escritório, os estragos foram maiores. No ambiente de trabalho de mais de 40 pessoas, o que deu para salvar foram os computadores. As entregas dos livros foram afetadas. “Não vendemos livros há 20 dias”, lamenta Ivan, que soma mais de 300 pedidos pendentes. As obras são distribuídas e abastecem livrarias de todo o Brasil.

Ivan nunca havia visto a água chegar na av. Farrapos, muito menos invadir Porto Alegre. Chegou a temer morrer no local quando tentava sair. O diretor, apesar de tudo, enxerga o cenário futuro de forma otimista com a preservação do acervo. “O que é material a gente reconstrói”. Para ele, o prejuízo não é nada que não dê para recuperar, e orgulha-se de que a editora é “casca grossa”.


A editora Libretos estima a perda de 12 mil títulos. O depósito, localizado na rua Voluntários da Pátria, alcançou dois metros de água, e o escritório, localizado no bairro Menino Deus, ainda precisou ser evacuado novamente nesta quinta, 23, devido às fortes chuvas. No dia 2 de maio, véspera da chegada da água, Clô Barcellos, fundadora e diretora, elevou os livros da prateleira mais baixa em 50 centímetros. Acreditou que a água não chegaria tão longe. Na sexta, 3, o depósito já estava alagado. Clô acessou o arquivo digital em seu computador, que levou em cima da cabeça no momento de se refugiar da cheia, e contabilizou as obras perdidas. “Para nós, significa um ano de faturamento perdido em dois dias por incompetência administrativa da gestão municipal”, lastima.

O depósito, localizado na rua Voluntários da Pátria, alcançou dois metros de água O depósito alcançou dois metros de água, e ainda precisou ser evacuado novamente nesta quinta, 23, devido às fortes chuvas | Foto: Libretos Editora / Divulgação / CP

Sucessos de vendas que restavam no depósito foram destruídos e terão que ser reimpressos. Um dos destaques do catálogo é o livro “A Enchente de 41”, de Rafael Guimaraens, que recupera a história da inundação da Porto Alegre há 83 anos. Os exemplares também foram afetados. No momento, está em curso a 7ª edição do livro, com previsão de entrega em junho. Clô estima que as perdas representam prejuízo de mais de R$ 350 mil. O momento é de fazer plano de reconstrução e reimpressão.

20 mil exemplares perdidos

A editora Jambô, referência em literatura fantástica e de jogos de RPG, teve um dos seus dois estoques, na rua Almirante Tamandaré, atingidos. Ele havia acabado de ser inaugurado, e estavam começando a transportar os livros, a maioria lançamentos. “A nossa sorte é que a gente não tinha levado tudo”, diz o diretor-geral Guilheme Dei Svaldi. Do depósito afetado, Guilherme estima a perda de, pelo menos, 20 mil exemplares. A perda financeira será grande. “Em termos de preço de mercado, estimo uns 3 milhões”, lamenta.


A primeira vez que a equipe entrou no estoque, Guilherme viu que não tinha mais o que fazer. Foi possível mover alguns livros soltos para o 2° andar do depósito. Outros, porém, estavam em pallets, bases de papelão com livros plastificados, que ficaram à mercê das águas, na torcida que o plástico os protegesse. Apesar da impermeabilidade, o fato dos livros terem ficado muitos dias debaixo d’água fez com que a umidade atravessasse as caixas de papelão, amolecendo-as. O peso fez com que os livros cedessem e espalhassem pelo depósito, mergulhados em 1 metro de água.

Livros da editora Jambô, no 4º Distrito, afeados pela enchente em Porto Alegre Livros da editora Jambô, no 4º Distrito, afeados pela enchente em Porto Alegre | Foto: Karen Soarele / Divulgação / CP

Na terça, 21, a equipe da editora conseguiu voltar ao espaço pela primeira vez, devido ao recuo das águas. O cenário era de tristeza. O piso anteriormente branco estava marrom, e, por ser de cerâmica, quebrou devido ao peso da água. “Eu nunca tinha visto tanta lama na vida”, relata o diretor. Será necessário, primeiramente, fazer uma limpeza rigorosa no espaço, e se desfazendo dos livros atingidos, e uma reforma no piso. Apenas depois haverá como utilizar o estoque novamente. “A gente está no negativo hoje”, diz Guilherme.


A Jambô fez uma campanha na plataforma Catarse para fazer as vendas de um dos livros que seria lançado antes da enchente. O dinheiro será destinado às vitimados das enchentes. A campanha já encerrou, mas as vendas seguem no site jamboeditora.com.br. A entrega dos livros está mais lenta, mas ainda opera.

Vendas interrompidas

Muitas editoras, apesar de não terem sido afetadas diretamente pela enchente, tiveram prejuízos indiretos com as vendas e o deslocamento de títulos. É o caso da Brasa Editora, empresa independente de livros em quadrinhos tocada por Lobo e Samantha Desimon. O casal, que tem o escritório em casa, teve que abandonar o apartamento devido às cheias nas ruas, mas o estoque da editora, localizado em São Paulo, está seguro. Muitos livros estavam sendo impressos para o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) e tiveram a operação comprometida.

A editora estava preparada para inaugurar uma gibiteria na rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa. Mas os planos foram interrompidos com a chegada da enchente. A entrega dos livros foi afetada porque o casal não tinha mais como emitir Nota Fiscal. E a produtividade também foi comprometida. “Minha mãe perdeu grande parte das coisas dela na casa dela. Amigos nossos perderam tudo. É uma desgraça generalizada”, relata Lobo.

Os desafios são maiores com editoras independentes. “A nossa saúde financeira é muito frágil, sem ser um grande grupo e um capital grande sustentando. A gente está sempre no fio da navalha”, diz Lobo. A perda dos investimentos que seriam feitos no festival foi enorme. “A gente chegou muito perto de quebrar”, confessa.

A Brasa está recebendo doações por meio da chave PIX eventos@brasaeditora.com.br. Lobo lembra da importância de se comprar de editoras do RS nesse momento. “Vamos começar um movimento para reerguer todo mundo e tentar fazer alguma coisa pelo mercado editorial aqui do Sul”, projeta Lobo.


* Supervisão de Luiz G. Lopes


Correio do Povo

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