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segunda-feira, 25 de julho de 2022

Deputados e senadores já dominam um quarto dos recursos livres do governo

 


O poder do Congresso Nacional sobre o Orçamento público brasileiro é sem paralelo e não há registros de instrumentos parecidos com as emendas de relator nos maiores países do mundo.

É esta a constatação de especialistas em contas públicas que estudam os sistemas orçamentários ao redor do globo. Eles avaliam que até as emendas tradicionais assumiram uma dimensão no Brasil que não se repete no restante do planeta.

As emendas já fazem o Congresso decidir como serão empregados neste ano 24,57% do total de gastos livres (a fatia do Orçamento que pode ser manejada). Em 2014, ele controlava 4%. Essas despesas são aquelas em que o gestor tem poder de escolha, como investimentos, bolsas de estudo e manutenção da máquina pública em geral.

A maior parte do Orçamento brasileiro é composta por gastos obrigatórios (salários e aposentadorias, essencialmente). Assim, da parcela que sobra para o governo manejar, um quarto é decidido individualmente pelos parlamentares, sem qualquer estratégia de desenvolvimento ou projeto, em um momento de redução do investimento público.

— O que o Congresso está fazendo é ficar com o filé mignon para ele, definindo onde vão ser feitos os investimentos públicos. Nos últimos dois anos, metade dos investimentos foi decidida pelo Legislativo, sem nenhuma análise de custo-benefício, sem estudos, sem lógica, tudo feito com base nos pedidos das bases eleitorais, sem uma lógica de política pública. Não tem uma política pública coerente por trás — afirma o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Helio Tollini, que acompanha há décadas a formatação das regras orçamentárias do Brasil e do mundo.

Para Tollini, nos últimos anos, o Legislativo se tornou dono de uma fatia inédita do Orçamento. Esse avanço se dá por meio das emendas parlamentares, um naco do Orçamento cuja destinação é apontada por deputados e senadores.

Há emendas individuais e de bancada, que seguem critérios equânimes de distribuição e de transparência na divulgação. Nos últimos três anos, ganhou corpo outro tipo: a emenda de relator. Ela não segue qualquer critério objetivo de distribuição e, até pouco tempo, também não se sabiam os beneficiados com os recursos — por isso, ganhou o nome de orçamento secreto.

Barganha política

O Congresso brasileiro avançou sobre o Orçamento com anuência do governo Jair Bolsonaro como forma de barganha política. Quem é aliado da cúpula do Congresso e do Palácio do Planalto consegue indicar recursos, geralmente destinados a obras e serviços em suas bases eleitorais. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os beneficiários dessas emendas passaram a ser divulgados.

— As emendas de relator só existem no Brasil — afirma Tollini. — Aqui são mais de nove mil emendas aprovadas no ano. Isso não existe em nenhuma parte do mundo. Não existe paralelo.

Um estudo recente do economista Marcos Mendes aponta que o percentual de gastos livres decididos pelo Congresso é muito superior ao dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). De 29 países, somente Estados Unidos, Eslováquia e Estônia aparecem acima da marca de 2%.

No Brasil, parte das emendas ainda é liberada de acordo com o desejo do governante de plantão para conseguir ampliar apoio no Parlamento.

No início do mês, por exemplo, o Congresso indicou R$ 6,1 bilhões em emendas de relator em duas semanas, no momento em que o governo estava pressionado pela votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral e pela abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Ministério da Educação (MEC). Neste ano, as emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões.

Tollini destaca que, nos outros países, as emendas, quando existem, terminam quando o Poder Legislativo aprova o Orçamento. Aqui, o relator continua dando as cartas durante a sua execução. No Brasil, ainda existe uma “reserva” do Orçamento para emendas.

Uma diferença marcante do processo orçamentário brasileiro com os demais países, segundo especialistas, é o grau de detalhamento das emendas. No Brasil, parlamentares tomam decisões específicas (como a construção de uma quadra de esportes em determinado local), em vez de decidir apenas em termos de grandes números e prioridades.

Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, afirma que o modelo brasileiro reforça a concentração de poder e as desigualdades:

— Só faria sentido ter um processo orçamentário com maior protagonismo do Legislativo se isso viesse acompanhado de avaliação e processo de controle. Conferir liberdade de aplicação de bilhões de reais sem critérios e sem rigor é abrir a porta para o mau uso dos recursos públicos e da corrupção.

O Sul

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