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domingo, 24 de julho de 2022

A corda

 O fantasma da semana foi a reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores, para tratar de eleições

Guilherme Baumhardt

Há algum tempo escrevo sobre uma corda que está sendo perigosamente esticada, no Brasil. Fala-se muito em ruptura e aqui neste espaço, há alguns dias, critiquei os militontos que alimentam o medo, semeiam o pavor e difundem o pânico de que um novo golpe militar estaria em curso, prestes a acontecer. Pela narrativa construída até aqui, esta é a mais fácil – e preguiçosa – das conclusões.

O fantasma da semana foi a reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores, para tratar de eleições. O discurso midiático predominante veio em tom de alerta. Primeiro, porque Bolsonaro estaria fazendo campanha(?) em local indevido. Eu não sabia que os embaixadores votavam ou que representavam um amplo leque de eleitores. Logo depois, a preocupação era para a preparação do terreno para o “golpe” que viria em outubro. Ou seja, um gerador de instabilidade política. É coisa típica de quem ainda come mingau e espera a mamãe limpar o babeiro.

Vamos recordar alguns pontos para ver quem são os verdadeiros geradores de insegurança e intranquilidade. No início dos anos 2000 (as urnas eletrônicas começaram a ser implantadas em 1996), o então senador Roberto Requião – figura pública pela qual nutro zero simpatia – já apresentava uma versão do equipamento que comportava o tal voto impresso. Nada de abolir a urna eletrônica. Era um sistema adicional. A ideia, na época, não avançou.

Anos mais tarde, em pelo menos duas oportunidades, o Congresso tratou do assunto. Em 2015, houve a aprovação de um projeto que alterava o sistema. Ele foi aprovado, vetado por Dilma Rousseff e o veto foi derrubado pelos parlamentares. Em 2017, integrantes daquilo que um dia foi uma Suprema Corte concederam entrevistas analisando o protótipo que seria implantado. “Esteticamente é muito bonita e vem se integrar a esse sistema extraordinário de apuração eleitoral que nós temos no Brasil”, disse um entusiasmado Luís Roberto Barroso. “Temos que acoplar, também, esse modelo do voto impresso. Estamos discutindo com o Congresso se é possível atrasar ou se é necessário mesmo fazer essa modificação“, afirmou Gilmar Mendes.

Como se isso não bastasse, temos hoje um sem-fim de partidos e candidatos que antes defendiam ardorosamente a melhoria do sistema – a começar pelo PSDB, que contratou uma auditoria, em 2014, que trabalhou, pesquisou e concluiu que o sistema não era auditável. Mais recentemente uma fala da atual pré-candidata do MDB à Presidência Simone Tebet (que hoje acredita nas urnas de olhos fechados) dizendo o seguinte: “Será que o meu voto depois de depositado lá, depois de processado, ele se concretiza? Para tirar essa dúvida, e dar tranquilidade ao eleitor, nós decidimos derrubar o veto da presidente Dilma [sobre o voto impresso]”. Isso foi em 2015. E aí, Tebet? Mudou por quê?

Tratei até aqui apenas de urna eletrônica e de um sistema que carece de aprimoramento. E isso já é debatido há anos, no Brasil. Mas querem colocar apenas no colo presidencial o fator “turbulência”. Fica difícil de comprar a tese quando se olha para o retrovisor e enxergamos o que está exposto nas linhas acima.

E para fechar: se estava mesmo preocupado em manter a estabilidade e a tranquilidade para as eleições deste ano, porque diabos o Supremo Tribunal Federal resolveu torturar a lei, espancar a lógica e chamar todos os brasileiros honestos de palhaços, quando em uma decisão absurda recolocou no páreo o sujeito condenado em três instâncias diferentes, por diferentes julgadores, em diferentes processos?

Voltando para a corda. Há gente que defende a ideia de que ela já arrebentou. Não sei se é o caso. A certeza que tenho é de que, entre um arroubo e outro de Bolsonaro, e o oceano de incoerências e inconsistências mostrados acima, a culpa por uma eventual ruptura reside muito menos no Palácio do Planalto e muito mais nos outros prédios das Praça dos Três Poderes. No caso do Congresso, por omissão. No caso do STF, por extrapolarem – há muito tempo – seus limites de atuação.




Correio do Povo

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