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domingo, 10 de abril de 2022

Mais empregos para o trabalhador qualificado no campo

 Com a quebra na safra deste ano, o Estado deve gerar menos vagas formais no campo, mas análises econômicas e de lideranças do setor agropecuário indicam que mudaram as exigências para contratar


Por Nereida Vergara


O Rio Grande do Sul viu em 2021 um crescimento nas atividades agropecuárias que influenciou de forma significativa o mercado de empregos formais criados no setor. Uma safra de grãos recorde, depois de um ano com impactos intensos da estiagem, e a recuperação da indústria de máquinas agrícolas, bastante afetada pelas restrições da pandemia, fizeram com que o Estado fechasse o ano com mais 17,9 mil vagas de carteira assinada no segmento, chegando a um estoque de 350,5 mil empregos, contra 332,2 mil em 2020. A marca não deve se repetir em 2022, já que a agricultura gaúcha sofreu um novo revés climático na safra de verão, com perdas de mais de 50% nas colheitas de milho e soja. No entanto, para além dos números de vagas, o mercado de empregos na agropecuária passa por um processo de transformação que aponta para a contratação de trabalhadores mais qualificados.

O economista do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG),Rodrigo Feix, explica que a nova metodologia de cálculo do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho só permite a comparação dos níveis de ocupação dos últimos dois anos. Ele diz que o aumento de vagas pode ser justificado pelo crescimento da produção, mas, também, pela demanda das exportações, como ocorre quando há grande safra de grãos ou busca por produtos processados, como a carne. Segundo Feix, um exemplo deste movimento foi o grande número de empregos criado pelo segmento de abates frigoríficos em 2020, mais de 10 mil, certamente necessários pela quantidade de carnes que o Estado exportou naquele ano. 

"Setores como os de recebimento, armazenagem e comércio de grãos tiveram esse crescimento no ano passado em razão da safra recorde que o Rio Grande do Sul colheu”, afirma Feix. Em 2022, alerta, o quadro não é otimista para o crescimento do emprego no campo gaúcho, pela repetição da quebra de safra. “Quando a safra é menor, o impacto é em toda a cadeia de empregos, na indústria, no comércio e nos serviços, por isso a tendência é de recuo em relação ao que se viu em 2021”, ressalta.

Rodrigo Feix, contudo, entende que há uma mudança na geração de emprego no campo, principalmente no que se refere ao perfil de trabalhadores que o mercado requisita. Operadores de máquinas de alta performance, especialistas em monitoramento, telemetria e pilotagem de drones, são algumas das qualificações que ganham espaço.

O superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/RS), Eduardo Condorelli, vai mais longe na análise e acredita que há uma revolução em andamento no que diz respeito ao emprego no campo. Novas demandas, tecnologias e atividades empurram o produtor e a cadeia produtiva como um todo para que se organizem na busca pelos novos conhecimentos. “Hoje, cada vez mais, as propriedades estão sofisticando seus processos de produção, usando máquinas e necessitando de operadores especializados”, pontua. Segundo Condorelli, essas mudanças estão muito focadas na necessidade de mais eficiência econômica dos empreendimentos para dentro da porteira e numa consciência do produtor de que “ele pode, deve e precisa ganhar dinheiro”.

Neste novo quadro de necessidade de atualização profissional do homem do campo, Condorelli cita o exemplo da aplicação de defensivos agrícolas, com legislação específica, requisitos de regulagem e segurança na pulverização, que exigem do produtor um tipo de treinamento que passou a ser obrigatório e que influencia no resultado financeiro de suas lavouras, no seu relacionamento com a lei e com a própria comunidade. “A questão da aplicação de defensivos, especificamente, vem demandando e vai demandar ainda mais profissionais qualificados para esse trabalho. Erros na tarefa podem não apenas causar desperdício de produto como diminuir a produção e provocar danos ao meio ambiente, e isso tem entrado no cálculo do produtor”, observa.

Além dos grandes pulverizadores, das colheitadeiras e plantadeiras, Eduardo Condorelli concorda com a importância que vêm ganhando os drones agrícolas e as tecnologias eletrônicas em geral. Lembra que, além da agricultura, processos intensivos como os da pecuária de corte e de leite têm gerados novos empregos, para operação de balanças, ordenhadeiras e softwares de monitoramento.

As 71 empresas filiadas à Associação das Cerealistas do Rio Grande do Sul (Acergs) geram juntas cerca de 15 mil empregos, influenciados pela sazonalidade e pelos volumes colhidos em cada safra. Ao longo de 2021, quando foram cheias tanto as safras de verão (com recorde na soja) quanto a de inverno (também com grande volume de trigo), o segmento esteve entre aqueles que mais criaram vagas necessárias à movimentação da produção agropecuária. “Quando temos safra cheia, atendemos à demanda com três turnos de trabalho. Quando a safra é reduzida, eliminamos um turno, mas mantemos a maioria dos trabalhadores, pois é difícil de achar”, comenta o presidente da Acergs, Roges Pagnussat.

Em dois meses de 2022, o agro garantiu 8,7% do saldo de empregos

Levantamento do Cadastro de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho apurou a criação de 41,9 mil postos com carteira assinada no agro, em janeiro e fevereiro, no Brasil

Nos últimos dois meses, o Cadastro de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho apontou que somente a cadeia do agronegócio foi responsável por 8,7% do saldo líquido total de empregos criados no Brasil no período. Isso equivale a 41.792 vagas com carteira assinada ocupadas por trabalhadores cujas atividades estão ligadas ao campo. Como se trata de um indicador nacional, este número ainda não reflete as particularidades climáticas de cada estado, como a estiagem nos estados da Região Sul e nem seus efeitos sobre os plantios locais. Somente em fevereiro de 2022, segundo o Caged, foram criados na agropecuária, 17.415 novos postos, número menor que o de 2021, quando as vagas chegaram no mesmo mês a 24.850, mas bem acima do visto em 2020, quando o saldo líquido de vagas foi de 3.666. 

No Rio Grande do Sul existe a tendência de maior contingente de trabalhadores rurais contratados no primeiro trimestre do ano, em especial naqueles ciclos em que a safra é cheia, como em 2021. Quando a colheita de verão termina, ressalta o economista do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria do Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), Rodrigo Feix, a mão de obra começa a ser desmobilizada, o que impacta nos saldos de emprego estaduais do segundo semestre.

Informalidade preocupa

Para o presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais do Rio Grande do Sul (Fetar/RS), Nelson Wild, os números apontados pelo Caged refletem realmente que o emprego no campo teve crescimento mesmo no ambiente econômico da pandemia, no qual os trabalhadores rurais permaneceram na ativa, diretamente no campo ou em atividades de processamento de alimento, entre outras. “Nós, trabalhadores assalariados, seguimos nossa jornada na pandemia, nunca paramos e garantimos a produção e a segurança alimentar”, recorda. O dirigente diz que, apesar de o braço principal da agropecuária gaúcha ser o dos grãos, as colheitas de milho, soja e arroz ocupam cada vez menos trabalhadores rurais. “São culturas altamente mecanizadas, em que a necessidade de mão de obra é muito pequena”, salienta.

O dirigente alerta que o reconhecimento de que o mercado de trabalho para homens e mulheres do campo vem crescendo não diminui o impacto que este segmento de brasileiros e gaúchos sofreu depois da reforma trabalhista de 2017. De acordo com o Wild, a federação contabiliza hoje um total de 170 mil trabalhadores rurais assalariados cadastrados no Rio Grande do Sul, contra 200 mil que havia na época da reforma. Parte destes trabalhadores, diz ele, foi jogada para a informalidade e, daqueles que são registrados, cerca de metade não tem mais carteira assinada, possuindo contratos de outra natureza, até mesmo verbais. 

“A precarização trazida pela reforma trabalhista está criando uma legião de homens e mulheres rurais que não vão poder se aposentar”, reclama Wild, ao apontar que os que estiverem em condições irregulares terão muita dificuldade para comprovar o tempo de contribuição à Previdência e obter seus benefícios.

O presidente da Fetar/RS também avalia como notório o aumento das exigências do mercado na hora das contratações, de modo a atender às novas tecnologias aplicadas na agropecuária. Wild acredita que os trabalhadores rurais em todos os setores do agro estão cientes desta necessidade, mas nem sempre têm a oportunidade de se atualizar e, às vezes, nem mesmo o estímulo para que isso aconteça. “Nós defendemos, nas nossas convenções coletivas, que o trabalhador rural receba um salário justo e que tenha um ambiente de trabalho saudável que dê a ele o ânimo de permanecer e buscar a capacitação”, frisa. Ele comenta, ainda, que os serviços educacionais voltados aos trabalhadores do campo devem ampliar suas ofertas de cursos e treinamentos, não apenas aqueles destinados aos agricultores jovens, mas aos trabalhadores de todas as idades. “Os cursos e treinamentos precisam estar afinados com a realidade de cada município, para que o trabalhador mais velho não acabe sendo excluído do mercado porque não conseguiu se capacitar” conclui.

Canais de capacitação

A diretora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Maribel Moreira, assegura que existe na entidade uma grande preocupação em preparar o agricultor por meio das ações de assistência técnica. No caso dos jovens, ela diz que as comissões regionais da Fetag têm um trabalho forte, usando a pedagogia da alternância, que pretende educar integrando as necessidades de vida de quem quer permanecer no meio rural, no que se inclui o caminho para chegar e se manter mercado de trabalho.

A Emater/RS-Ascar, na parceria com a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), oferece cursos de qualificação aos trabalhadores nos Centros de Treinamentos (em Canguçu, Erechim, Montenegro, Nova Petrópolis e Teutônia). Nestes centros, com programação atualizada para 2022, a Emater aplica a metodologia de “aprender a fazer fazendo”. As oportunidades são variadas e incluem desde a apicultura aos manejos de gado leiteiro e da avicultura. 

O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Rio Grande do Sul (Senar/RS) treina em média mais de 50 mil trabalhadores por ano, em pelo menos três dezenas de cursos. Desde 2020, esta preparação se sofisticou ainda mais e foi em busca do produtor aonde ele estiver. O Programa de Assistência Técnica e Gerencial do Senar (ATeG), em parceria com a Federação dos Agricultores do Rio Grande do Sul (Farsul) e a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), já esteve em pelo menos 3 mil propriedades do Estado, onde ofereceu treinamentos in loco para gestão de custos, investimentos e melhora da produtividade. 

O superintendente do Senar/RS, Eduardo Condorelli, reforça que nem tudo no mercado de trabalho é voltado aos maquinários. Segundo ele, há a geração de um comprovado e considerável volume de novas oportunidades de emprego crescendo pela via da administração da propriedade. “A ATeG vem dando ao produtor informações para que ele otimize seus recursos e faça mais rentável sua atividade, inclusive com a geração de novos empregos para a sua comunidade”, completa.

17,4 mil postos só em fevereiro

Cadastro de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho indica que número é menor que o de vagas criadas no mesmo mês de 2021, que ultrapassou 24 mil, mas mais de quatro vezes maior em relação a 2020, quando foram criadas 3,6 mil no segundo mês do ano.

Mais de 50 mil atendidos/ano

O Senar/RS oferece aos produtores rurais mais de 30 cursos de qualificação, em todas as áreas ligadas ao agronegócio e voltados às mais diversas tecnologias e aplicações, da pilotagem de drones à administração.

Informalidade de quase 50%

Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Fetar/RS)reconhece como registrados hoje 170 mil trabalhadores, contra 200 mil de antes da reforma trabalhista de 2017. Entidade acredita, entretanto, que metade deste contingente não possui carteira assinada.

Cinco centros da Emater/RS

O trabalhador também pode se qualificar por meio dos centros educacionais da Emater/RS-Ascar, nas regionais de Canguçu, Caxias do Sul, Erechim, Montenegro, Nova Petrópolis e Teutônia. As capacitações são em diversas áreas, entre elas apicultura, avicultura e produção leiteira.

Habilitado em aplicação de agrotóxicos

O produtor Juarez Rodrigo Albrecht tem cultivos de milho, trigo e soja em parceria com as irmãs em uma propriedade de 300 hectares, no município de Almirante Tamandaré do Sul, região Norte do Estado. Ele teve a oportunidade, em 2021, de fazer pelo Senar/RS o curso de aplicação segura de agrotóxicos. A família adquiriu um pulverizador maior, e Albrecht achou mais vantajoso ele mesmo receber o treinamento e operar a máquina do que tentar contratar um funcionário habilitado.


“É difícil conseguir bons profissionais, pois já estão contratados. Então, achei que valeria mais a pena eu fazer, o que facilitou a tomada de decisões e me deixou mais tranquilo quanto ao uso do equipamento e das substâncias que se utilizam para abastecer e pulverizar” conta o agricultor. A parcela da propriedade administrada por Albrecht, cerca de 100 hectares, tem um funcionário contratado, que já se aproxima dos 60 anos, idade limite definida para participar do curso. “Com a aposentadoria se aproximando, não ia ser vantagem ele fazer. Tenho mais proveito antes de a idade chegar”, diz o produtor, na faixa dos 50 anos.

Sobre a necessidade do curso e a qualidade do aprendizado, Albrecht afirma ter ficado impressionado com a conscientização a respeito da importância da aplicação segura dos defensivos. “Temos de pensar no meio ambiente, no consumidor, na comunidade e na nossa própria família perto de onde temos de colocar os defensivos”, ressalta.

Piloto de Drone no controle do rebanho

Em Alegrete, na Estância São Manoel do Vacacaí, a produtora de ovinos Martha Santos Louzada é a quinta geração da família na atividade. Na propriedade, trabalham dois funcionários para os quais ela dá tratamento diferenciado no que se refere ao uso de novas tecnologias agropecuárias. No entanto, nos 525 hectares onde produz cordeiros da raça Corriedale, Martha faz questão de ter um monitoramento minucioso da criação. Por isso, há alguns meses, a ovinocultora decidiu fazer curso de pilotagem de drones no Senar/RS.


Segundo Martha, na época da parição, é preciso estar atento à situação das ovelhas, para não haver perda de crias e nem prejuízo à produtividade. “Quando chega este período, as ovelhas ficam contidas numa área de 30 hectares próxima à sede da estância. Com o drone, de casa, enquanto desempenho outras atividades, poderei ver o que está acontecendo”, relata.

Martha ainda não escolheu o aparelho que utilizará, mas garante que o curso realmente a capacitou para levantar drones de qualquer porte e a interpretar suas informações. A produtora admite que é um desafio encontrar trabalhadores rurais qualificados para as novas tecnologias. Mas afirma que, em seu empreendimento, ela estimula o aprendizado dos dois funcionários que tem e até adaptou procedimentos informatizados para o uso do funcionário mais antigo e menos afeito ao uso de ferramentas eletrônicas. 


Correio do Povo

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