Mao Tsé-tung, o visionário

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Mao Tsé-tung vê longe. No Yenan tem quase a reputação de um visionário. Em todas as paredes da remota capital do comunismo chinês há estribilhos glorificando suas faculdades mentais e sua força de vontade.
     Em todos os locais em que se combate, na China, o milho e os fuzis dos soldados comunistas se equivalem largamente aos aviões e fuzis dos seus irmãos e adversários, e é em grande parte aos princípios estratégicos de Mao Tsé-tung que o Exército Vermelho deve essa equivalência. Recusa sempre que é necessário e jamais teima em conservar uma cidade. Pelo contrário, retira-se voluntariamente de muitas localidades, distantes uma das outras, depois isola-se do grosso das tropas nacionalistas, para as esmagar sem dificuldades. O Exército Vermelho começa assim a apoderar-se de quantidades importantes de material norte-americano. Chu-Té recorda às suas tropas as instruções dadas por Mao em 1936 para a luta contra os japoneses e que voltam a ter atualidade:
     “Temos acesso à produção dos arsenais de Londres, como à dos arsenais de Hang-Yang e, o que é ainda melhor, há de ser-nos entregue pelas próprias unidades de transporte do inimigo. Não se trata de uma braçadeira, mas de pura verdade...”
     Londres devia substitui-se com Chicago ou Washington. Mas o fundo destas instruções continua sendo verdadeiro – os exércitos comunistas têm toda a facilidade de se equipar com o material do inimigo: as unidades nacionalistas, ao sabor das negociatas à chinesa ou dos golpes de azar provocados por seu mau comando e pelo moral deficiente perdem carros, caminhões e metralhadoras a um ritmo que se acelera sempre.
     Perdem também homens. E não apenas em mortos e feridos. Mos Tsé-tung estabeleceu centros de recondicionamento de prisioneiros. Em poucos meses, o soldado nacionalista é transformado de “escravo bestializado” em “combatente valoroso e consciente”. O primeiro estágio, e o mais importante para a lavagem de cérebro, é a abertura das comportas psicológicas, com as “amargas lamentações”. Rapidamente à força de procurar, de descobrir e de exprimir suas razões de queixa – ainda mais dolorosas por serem justificadas – contra seus precedentes anos, o coração do soldado nacionalista esvazia-se a tal ponto que fica espaço livre para os princípios comunistas. E essas nossas máximas pouco custam a fixar, porque o soldado é agora tratado como um homem. Seus oficiais cuidam dele e asseguram-lhe a satisfação de suas exigências materiais. É por tudo isso que Mao não atribui grande importância à notícia, a 11 de outubro de 1946, da tomada de Kalgan pelas forças nacionalistas. Sabe muito bem que, mais dia menos dia, há de ficar com aquelas tropas, como já ficou com outras, e que algumas semanas de “amargas queixas” as transformarão em unidades de bons soldados velhos.
     Seguro de suas previsões e com a consciência de sua crescente força, Mao Tsé-tung, em meados de setembro, pedira ao seu principal negociador, Chu En-lai, que endurecesse de atitude de nas negociações intermitentes, que continuam, apesar de tudo, graças aos esforços de Marshall. No dia 16, o diplomata de sorriso tão eficaz segue Nanquim para Xangai. Antes de partir, Chu En-lai tem o cuidado de exercer sobre Marshall a última tentativa de pressão: “Diga a Chang que, caso continue atacando a cidade de Kalgan, perde-se toda possibilidade de acordo.”
     Marshall vai imediatamente a casa do generalíssimo que o recebe com uma docilidade já muito embotada por doze meses da colaboração diárias.
     “Não tome Kalgan, se não vou-me embora” – declara-lhe o “mediador”.
     Perante a surpresa geral, Chang cede.
     Por isso, as forças nacionalistas param, mais de uma vez, e a 5 de outubro, Chang Kai-chek propõe nova trégua de dez dias. Aceita a tal “Comissão dos Cinco” proposta em agosto por Stuart e declara que durante o período da suspensão de hostilidade os “Três” e os “Cinco” tratarão de solucionar os problemas militares e políticos em suspenso. E logo Chu En-lai, seguindo as instruções de Mao Tsé-tung, repete suas condições, entre as quais o direito de veto no Conselho de Estado (com os 14 votos para os comunistas e a Liga Democrática) e a retirada das tropas de Chang das posições ocupadas a 13 de janeiro. Como é natural, Chang Kai-chek recusa e Marshall fica seriamente aborrecido.
     Nestas condições, o generalíssimo ordena a tomada definitiva de Kalgan, cuja posse permitia aos comunistas ameaçarem Pequim e Tien-Tsin. Mas Mao Tsé-tung, como se viu, não fica muito impressionado por este avanço. Porque tem boas razões.
     Chang Kai-chek também tem as suas, baseadas principalmente na força militar que continua convencido de ter. Em fins de outubro, termina a limpeza do Hu-Pée do sul do Ho-Nan e apodera-se de Antung, grande cidade manchu na fronteira com a Coreia.
     O “Gimo” sente-se radiante mas Chu En-lai protesta firmemente e Marshall tem novo aborrecimento. Tenta mais um diligência junto a Chang, fala-lhe de moderação e, sobretudo, de bom julgamento; em sua opinião, nada está solucionado, bem pelo contrário, e a situação não depende das armas, mas das finanças e da economia. Chang Kai-chek atingiu a maior parte de seus objetivos estratégicos. Aproxima-se a reunião da Assembleia Nacional – a 12 de novembro. E tem a intenção de proceder agora a uma ofensiva “democrático parlamentar”.
     Por isso pede o “cessar fogo”. Esta sua cegueira em nada modifica a situação em que se encontra a China. Ao fim de quinze anos de guerra, a economia do país está devastada, a Manchúria (que representa 70 por cento da produção industrial) não está integrada no circuito nacional e as finanças vão sendo arrastadas no mesmo turbilhão que a Alemanha registrou em 1930. Entre 1° de janeiro de 1946 e 1° de janeiro de 1947, a cotação do dólar norte-americano passa de 2.000 para 6.000 dólares chineses e continua a inflação – que se classifica com acerto de “galopante”. Como é de se supor, à medida que se agravam as condições de vida, acentua-se a tradicional corrupção. No Exército, já muito numeroso, há divisões completas de “soldados fantasmas”, que não existem mas figuram nas listas da administração e da contabilidade, para se rechearem os bolsos de generais desonestos.
     A população sofre cada vez mais com a falta de verdadeiras autoridades e, nas cidades, o desemprego aumenta à medida que cresce o número de fábricas e de empresas que encerram suas portas.
     Há seis meses os americanos, graças a um novo tratado de comércio, podem enviar suas mercadorias praticamente com isenção aduaneira. E, como seria de esperar, a indústria chinesa, já fraca e anêmica, não resiste a mais este golpe. O estado de espírito dos operários modifica-se lentamente. Até então indiferentes aos grandes problemas políticos, começam a derivar lentamente – e não é tanto na direção de Mao Tsé-tung como para longe de Chang Kai-chek. Floresce o mercado negro. Tudo favorece seu crescimento monstruoso: escassez dos produtos, pobreza das massas, riquezas de alguns e imperícia do governo. Enquanto os “grandes” acumulam fortunas com a maior facilidade, os “pequenos” são atingidos sem piedade. De Xangai, Chu En-lai descreve a Mao Tsé-tung o espetáculo edificante a que assiste. Wu, o presidente do município (nomeado por Chang Kai-chek) lança no fim do ano uma grande ofensiva contra o “mercado negro” ( o pequeno “mercado negro”). Todos os dias a Polícia cerca e prende os vendedores nas ruas. Por vezes milhares de outros vendedores ambulantes juntam-se e marcham sobre as prisões, para libertar seus “confrades”.
     Curiosas manifestações, cegas talvez, (embora Chang pretenda ver nelas a influência de Mao), mas na verdade bem reveladoras de profundo mal-estar. Tudo isto é conhecido por Marshall. E várias vezes o repetiu a Chang, mas este não o quer ouvir. Sentindo-se forte com as vantagens militares, que julga definitivas, só pensa agora em tratar do lado da “democracia”.
     A Assembleia Nacional reúne-se a 15 de novembro. Não estão presentes os comunistas nem os deputados da Liga Democrática. Mas é votada uma constituição baseada nos princípios aprovados por todos os partidos na anterior Conferência Política Consultiva.
     Chu En-lai que volta a Nanquim dias depois, a pedido de um novo agrupamento, o “Terceiro Partidos” – continua firme na sua hostilidade. Recusa-se a reiniciar as negociações enquanto Chang Kai-chek não ordenar às suas forças que regressam às posições ocupadas em janeiro. Finalmente, regressa a Yenan, em 19 de novembro, por ordem de Mao Tsé-tung. E este esclarece sua posição afirmando, numa declaração pública, que não reconhece a Assembleia Nacional e que se recusa, daí em diante, a fazer qualquer nova negociação com Chang Kai-chek.
     É a ruptura total. Foi Mao Tsé-tung quem virou a mesa, mas Chang Kai-chek nada fez para impedir. Metido entre os dois, Marchall nada podia fazer. Num longo relatório consciencioso, publicado pela Secretaria de Estado depois de seu regresso a Washington (6 de janeiro), considera que os dois lados têm responsabilidade, embora jogue aos extremistas de cada um dos partidos a culpa de um desentendimento que, no entanto, parece perfeitamente natural. Segundo Marshall, os “comunistas não escondem a intenção de trabalhar para o estabelecimento na China de um governo de tendência comunista, embora pretendam chegar a esse objetivo utilizando um governo de forma democrática do tipo inglês ou americano”. Fica assim explicada a razão desta “ilusão Marshall”, que durante um ano embalou os Estados Unidos … Como poderia o “mediador perceber seu caso, se se enganava tão completamente quanto ao pensamento de um dos dois protagonistas? Marshall sabia que Chang Kai-chek se opunha terminantemente a “um governo de tendência comunista”. É ele mesmo que o afirma em seu relatório.
     Mas não sabia que Mao Tsé-tung esperava tomar o poder por qualquer meio. No entanto, Mao jamais tentara sequer mascarar suas intenções. Em sua opinião, o poder permanece naturalmente ao povo – ou seja: aos pobres e aos esfomeados atualmente oprimidos pelos ricos. Por isso pouco importam os meios para entrar na posse desse dinheiro natural. Já em 1920, Mao escrevera: “Em sua conferência, em Chang-Chá, Russell mostrou-se a favor do comunismo; mas contra a ditadura do operariado e dos camponeses. Disse que era necessário empregar a educação como método para modificar a consciência das classes abastadas e que, assim, não seria necessário lomitar a liberdade nem correr à guerra e a revolução com sangue.... As minhas objeções à opinião de Rushell podem formular-se em poucas palavras: tudo isto está bem, como teoria, mas na prática é irrealizável”.
     Para Mao Tsé-tung, a palavra “democracia”, como entendem os reacionários não passa de uma designação deturpada, que esconde um poder usurpando, cuja conquista não exige um processo “parlamentar” ou “democrático”. Neste aspecto, Mao é um comunista ortodoxo e Marshall foi bem ingênuo, ignorando-o.
     Depois de ter afirmado que Mao pretende aproveitar-se das vias democráticas habituais, Marshall, em seu relatório, julga que “os esforços sinceros para chegar a um acordo foram várias vezes destruídos pelo elementos extremistas dos dois campos”. E Conclui: “Para salvar a situação, penso que os liberais e os partidos da minoria deveriam tomar o poder. Contam com um esplêndido grupo de homens, ao qual faltou até agora o poder político para exercer uma influência eficaz. Sua ação com êxito, sob a égide do generalíssimo, poderia, segundo penso, restabelecer a unidade da China com um bom governo.”
     Isto equivale a dizer que, além de se ter enganado quanto a Mao, Marshall também estava enganado quanto a Mao, Marshall também estava enganado quanto a Chang Kai-chek. A “Liga Democrática”, de que o general norte-americano quer falar, é a causa dos pesadelos do “Gimo”, hipótese de modificação política na China. Jamais Chang a deixaria chegar ao poder, porque seria grande o perigo de esses “neutralistas”, como lhes chama, o substituírem, pouco a pouco, na amizade dos norte-americanos e na chefia do país.
     Ilusões, ilusões, apenas ilusões, por consequência, na missão do general Marshall. E no próprio dia em que Marshall é chamado aos Estados Unidos, para longe daquela terra estranha, misteriosamente devorada por um mundo ainda mais incompreensível para cérebros de gente bem alimentada, Lin-Piao passa o Rio Sungari.


Fonte: Mao Tsé-tung, o imperador vermelho de Pequim, E. Krieg.




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