segunda-feira, 13 de maio de 2024

Após a enchente, limpeza de Porto Alegre pode durar meses

 Água das cheias deixará para trás lama suja, entulho e riscos à saúde pública


O Rio Grande do Sul vive há dias a maior tragédia de sua história. A Capital do Estado tem bairros inteiros embaixo d’água. Boa parte da estrutura pública ficou inacessível ou mesmo arrasada. O primeiro esforço foi o de resgate às pessoas ilhadas. Em seguida, acolhimento, alimentação, fornecimento de água, tarefas que envolveram diversos órgãos do poder público, apoio de empresas e o trabalho de incontáveis voluntários.

Com a estrutura de bombeamento de água pluvial bastante comprometida, a água deve levar ainda vários dias para retornar à calha do rio Guaíba. E depois? Mesmo com as ruas e casas secas, Porto Alegre ainda estará longe de um mínimo de normalidade.

Quando a água for embora das ruas, deixará para trás outros problemas. O contato com a água suja e contaminada pode gerar doenças. A estrutura de tratamento e distribuição de água está comprometida. O mesmo se pode afirmar do esgoto pluvial e da energia elétrica. Os impactos em outras estruturas voltadas à prestação de serviços básicos, como postos de saúde e escolas, ainda precisarão ser medidos.

Quando a água baixar, restará muita lama, sujeira, matéria orgânica e entulho. O trabalho de limpeza pode levar meses.

A prefeitura de Porto Alegre ainda não tem projeção de como será feita essa limpeza e quanto tempo esse trabalho vai durar. Nas áreas em que a água já baixou, equipes do DMLU recolheram mais de 365 toneladas de resíduos, logo e entulhos, até essa sexta-feira. Os materiais serão encaminhados ao aterro sanitário de Minas do Leão.

Água barrenta e repleta de poluentes

Fernando Magalhães, professor de Saneamento no Departamento de Obras Hidráulicas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS prioriza as ações mais urgentes a normalização do fornecimento de água, o bombeamento da água que alaga a cidade de volta para o rio e a retomada da coleta e tratamento de esgoto. Assim, pode-se começar a trabalhar na remoção dos resíduos sólidos e dos entulhos.

“É preciso tentar retomar o abastecimento de água 100%. Ao mesmo tempo, precisamos retirar esta água da inundação, que está dentro da estrutura de proteção, então restabelecer o bombeamento de água pluvial é importantíssimo. E retomar a coleta e tratamento de esgoto. Assim começamos a agir em relação aos resíduos sólidos”, afirma.

Magalhães chama atenção para a composição dessa água barrenta que toma conta da cidade, que é repleta de matéria orgânica proveniente de esgoto, vegetais arrancados pela água, alimentos e decomposição de animais e até mesmo, eventualmente, pessoas mortas, além de muito óleo das embarcações.

“Toda essa água da chuva que veio lá de cima do Estado, vem lavando o Estado e trazendo todos os compostos e poluentes que você possa imaginar, desde matéria orgânica até micropoluentes. Tem coisas na água que a gente nem sabe e nem consegue medir. Por isso um programa de monitoramento série é fundamental.”

Lixo, ratos mortos e mau cheiro no Centro Histórico Lixo, ratos mortos e mau cheiro no Centro Histórico | Foto: Fabiano do Amaral

Magalhães ressalta que o cenário após a água baixar varia conforme cada região. Na Serra e nos Vales, por exemplo, a água desce com velocidade, causando muitos estragos, mas as áreas não permanecem alagadas por um longo período, enquanto em locais baixos e planos, como Porto Alegre e a Zona Sul do Estado, a enchente é mais duradoura.

“O tempo que a água fica afeta. Tudo fica muito úmido. Existe uma série de produtos que podem ser usados para tirar essa umidade, que é problemática, porque gera proliferação de bactérias, fungos, protozoários.”

Preocupação com doenças

O professor cita ainda a preocupação em relação à saúde pública. Há risco de doenças relacionadas a vetores, como a dengue. Além disso, o contato com a água contaminada traz risco de diarreia, desnutrição e infecções diversas. “É importante o monitoramento dessas águas, da água do abastecimento, e também dos esgotos. É uma forma de vigilância epidemiológica.” Questões relacionadas à saúde mental também pesam neste momento, destaca o especialista.

Experiência que vem do Vale

Assim como as águas descem desde as áreas mais altas do Estado até desembocarem no rio Guaíba, os estragos se refletem em cadeia, região após região. Antes da água invadir as ruas de Porto Alegre, inundou a Serra e o Vale do Taquari. No Vale, população e poder público se viram diante de mais uma catástrofe poucos meses após a enchente histórico que atingiu a região em setembro de 2023.

Hoje vereador, Fabiano Bergmann, o Medonho, era secretário de Obras de Lajeado, maior cidade do Vale, na ocasião. Ele coordenou o trabalho de limpeza da cidade.

“A retirada da lama, restos de móveis e galhos é a parte mais bruta. As equipes recolhem nos caminhões e o excedente lava com lava jato. O mais difícil é quando a água baixa e a lama grossa entra para as bocas de lobo e é preciso desentupir os bueiros com hidrojato. Esse serviço se estende por meses.”

Estrela estima R$ 50 milhões para a limpeza

Em Estrela, no Vale do Taquari, a prefeitura estima que uma primeira operação de limpeza e recuperação prévia de vias urbanas, rurais e parques custe cerca de R$ 50 milhões. O município teve 75% de sua área atingida pela enchente do rio Taquari. A estimativa é de que 45 mil toneladas de entulhos sejam retiradas das vias. O número é três vezes maior do que o registrado na enchente de setembro de 2023.

O secretário de Infraestrutura Urbana de Estrela, Osmar Müller, conta que o cenário da cidade é semelhante ao visto em setembro de 2023. “Em primeiro lugar, muita lama nas ruas. Aqui, a enchente destruiu muitas casas, então há também muito entulho. É um cenário de guerra.”

No ano passado, o trabalho se estendeu por meses e envolveu prefeitura, empresas contratadas e voluntários. Antes que a limpeza fosse concluída, a região sofreu nova enchente, em novembro.

Müller destaca que o trabalho de limpeza começou ainda antes da água baixar completamente. “Quando a água começou a baixar, pegamos as máquinas e fomos empurrando o lodo junto com a água, para ir embora junto com o rio. Já diminui um pouco o serviço”, afirma.

A etapa seguinte foi abrir caminho nas vias, empurrando os entulhos para os cantos, para possibilitar o acesso às casas e a circulação de máquinas. Em seguida, a etapa mais demorada, no caso de Estrela, o recolhimento do entulho. O material, que é contaminado, precisa ser destinado de forma adequada. Na região, foram destinadas três áreas, em acordo com Secretária Estadual do Meio Ambiente e Fepam, para depósito desse entulho.

Por fim, entraram em cena caminhões com hidrojateamento. Primeiro, para desobstruir as tubulações de esgoto e evitar que a chuva cause novas inundações. Depois, ocorre a lavagem das ruas, também com a água pressurizada. “Se não, quando dá um sol, ninguém aguenta, porque fica uma poeira que é bem tóxica. O que vem nessas águas de enchente é complicado.”

Quando a cidade ainda se recuperava da enchente de setembro, foi atingida por nova cheia, em novembro. Nessas ocasiões, como o problema era mais localizado na região, foi possível contar com apoio de diversas prefeituras. “A maior dificuldade agora é que todo o Estado foi atingido. Neste momento, não tem nem como pedir ajuda pra outro município. Todos estão precisando.”


Correio do Povo

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