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domingo, 3 de abril de 2022

Rumo ao carbono neutro

 


Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que produção de soja no Brasil pode alcançar redução máxima das emissões de gases do efeito estufa até 2030, mas adoção de práticas sustentáveis precisa ser intensificada

Por

Danton Júnior

A adoção de práticas que visam reduzir a emissão de gases de efeito estufa está em alta no setor agropecuário, principalmente após a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), ocorrida em Novembro. Principal commodity agrícola produzida no país, a soja possui um potencial de mitigação que começa a ser percebido pelo mercado. Um estudo publicado no início deste ano aponta que a produção da oleaginosa no Brasil pode atingir o nível de carbono neutro até 2030. Para que o objetivo seja alcançado, é preciso intensificar práticas sustentáveis nas lavouras e superar desafios. 

A conclusão faz parte do estudo “Potencial de Mitigação de Gases de Efeito Estufa das Ações de Descarbonização da Produção de Soja até 2030”, do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que está disponível no site da instituição. Responsável por 27% do Produto Interno Bruto e por 48% das exportações do país, o agronegócio contribui com 28% das emissões totais de gases de efeito estufa do Brasil, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), citado pela pesquisa. 

Por outro lado, o setor é considerado fundamental quando se fala em estratégias de mitigação. Entre as atividades previstas pelo plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), do Ministério da Agricultura (Mapa), o estudo da FGV destaca o potencial da integração lavoura-floresta (ILF), do sistema de plantio direto (SPD) e da fixação biológica de nitrogênio. Conforme o estudo, em grande parte das lavouras o plantio direto não tem sido manejado da forma adequada, o que tem ocasionado problemas como a compactação de solo, que afeta o desenvolvimento de raízes e os fluxos de água. 

“O potencial de remoção de emissões da produção de soja, ou seja, a capacidade da produção em acumular carbono no solo, depende diretamente da qualidade do plantio direto aplicado à produção”, informa a pesquisa. Segundo o estudo, as emissões são derivadas principalmente da aplicação de insumos no solo e da decomposição de resíduos da lavoura. A capacidade de remoção da tecnologia SPD é calculada em 1,83 mil toneladas de CO² equivalente para cada mil hectares de soja. No caso do plantio direto simples, esse número cai para 0,92 mil toneladas. 

A economista Talita Priscila Pinto, pesquisadora do Observatório de Bioeconomia da FGV, destaca a necessidade de que o plantio direto seja pensado como um sistema. “São três premissas básicas: o mínimo revolvimento do solo, cobertura permanente do solo e rotação de culturas. O sistema de plantio direto atinge todo o seu potencial quando essas três premissas são obedecidas”, explica. De acordo com ela, os dados mostram que o sistema não é executado em sua totalidade em cerca de 90% da produção brasileira, o que faz com que o potencial de mitigação não seja atingido plenamente. 

Hoje a cultura da soja é responsável pela emissão de 9 milhões de toneladas de CO² equivalente a cada ano, o que significa 1,5% de todas as emissões da agropecuária no país. Mantendo a trajetória, a produção seria classificada como de baixo carbono, segundo Talita, mas ainda distante da neutralidade. “Se os princípios do sistema de plantio direto forem amplamente difundidos, já seria suficiente para inverter o sinal das emissões da soja e tornar a cultura carbono neutro”, diz. 

Embora o avanço do SPD seja considerado suficiente para se chegar à neutralidade nas emissões, outras práticas também são incentivadas. Segundo a pesquisadora da FGV, o potencial de mitigação é amplificado quando é adicionado o componente florestal. A implementação de florestas em integração com a soja sequestraria 10 milhões de toneladas de CO² para cada 1 milhão de toneladas emitidas pela oleaginosa. A adoção do sistema ILF em 20% da área cultivada de soja representaria uma remoção líquida média de 81 milhões de toneladas de CO² equivalente ao ano. 

O estudo da FGV surge num cenário em que a descarbonização das atividades produtivas é cada vez mais valorizada pelo mercado. Talita cita como exemplo a discussão sobre taxação de carbono em determinados países. “Ou seja, aqueles produtos que emitem vão ser taxados por isso. De certa forma, é uma barreira às exportações”, observa. Com base no estudo recém publicado, ela afirma que a soja brasileira tem potencial para não sofrer esse tipo de sanção, entrando no mercado internacional com o selo de carbono neutro. A projeção da FGV é de que a produção brasileira de soja chegue a 176,4 milhões de toneladas em 2030. 

Embrapa trabalha em nova certificação

Programa Soja Baixo Carbono irá disponibilizar parâmetros para que o sojicultor tenha como atestar que o grão foi produzido em sistema que contribui para combater o aquecimento global, agregando valor ao produto nacional


Uma iniciativa da Embrapa Soja, lançada em abril de 2021, tem como finalidade embasar certificações da oleaginosa produzida em sistemas de baixa emissão. O Programa Soja Baixo Carbono (SBC) irá dar origem a uma metodologia baseada em protocolos científicos validados internacionalmente, visando agregar valor ao grão produzido em sistemas que sejam competitivos e contribuam para combater o aquecimento global. A criação de uma marca já está em andamento junto ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI). A adesão à certificação será voluntária e o protocolo deverá estar pronto para a safra 2023/2024. 

O programa irá permitir a identificação da soja produzida sob um conjunto de práticas culturais e de tecnologias que tornam o processo mais eficiente, por unidade de carbono equivalente emitida, em relação ao que existe disponível no mercado global. “Não basta dizermos que somos sustentáveis. Precisamos provar, e essas provas vêm através desse monitoramento”, defende o pesquisador Marco Antonio Nogueira, da Embrapa Soja. De acordo com ele, a busca por sistemas produtivos de baixa emissão tem sido uma tendência crescente no mercado internacional, o que exige que sejam organizadas as bases técnicas e científicas que comprovem a sustentabilidade. 

Segundo Nogueira, a soja produzida em sistema de plantio direto é uma ferramenta primordial na busca pela redução de gases, que proporciona não somente a possibilidade de diminuir a emissão, mas também de aprisionar carbono no solo. Porém o plantio direto não é a única prática prevista. Outro exemplo é a não utilização de fertilizantes nitrogenados na lavoura, a partir do uso da fixação biológica do nitrogênio. Com isso, deixa-se de contabilizar os gases emitidos por eventual uso destes insumos. “Cada quilo de fertilizante nitrogenado utilizado no sistema de produção acaba resultando em quase 10,5 quilos de equivalente em CO²”, explica o pesquisador. Entre as práticas sustentáveis citadas estão ainda o manejo integrado de pragas (MIP), de doenças (MID) e de plantas daninhas (MIPD) e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). 

Embora um dos objetivos seja agregar valor à soja produzida sob sistemas sustentáveis, Nogueira afirma que ainda é difícil mensurar em quanto pode chegar a diferença de preço. “É um mercado que ainda está em estruturação, então não temos ainda em mãos os valores que isso pode atingir”, resume. De acordo com ele, a valorização irá depender muito do que exige o mercado consumidor externo. “Se todo mundo que comprar a nossa soja ou seus derivados exigir que ela seja produzida de uma maneira certificada quanto à produção sustentável, o exportador vai ter que arrumar uma maneira de atender a esse requisito”, observa. Em muitos casos, segundo ele, o bônus poderá recair sobre a imagem do produtor, o que abriria a possibilidade de exportar para novos mercados. 

A sustentabilidade da produção não está dissociada da busca por aumento de produção das lavouras brasileiras. “Nossa preocupação é utilizar mais eficientemente os recursos de produção aumentando a produtividade, e isso é possível”, analisa Nogueira. Ele cita estudo da própria Embrapa que mostra que 40% dos fertilizantes aplicados no sistema de produção acabam não sendo utilizados pelas plantas. Técnicas simples de melhoria do sistema produtivo, como por exemplo de manejo de solo, contribuiriam para aumentar a eficiência de uso do fertilizante em 10%. A ideia do SBC, inclusive, é desenvolver um processo de certificação que ateste a sustentabilidade por tonelada de grão de soja. “Então, quanto mais eu conseguir produzir numa mesma área com menos recursos, eu vou diluir esse efeito das emissões necessárias”, explica. 

A certificação não significa deixar de utilizar os insumos convencionais, porém, segundo Nogueira, trata-se de usá-los com mais critério, racionalidade e eficiência de uso. Um exemplo citado pelo pesquisador é o caso do fósforo, insumo utilizado na forma de fertilizante. Por meio de algumas práticas de uso e manejo de solo, é possível aumentar a eficiência de uso deste produto. 

“Então é possível até, em algumas situações, uma menor frequência de aplicação”, explica o especialista. Também é incentivada a adoção de estratégias que tragam mais precisão à aplicação de fertilizantes, inclusive por meio da agricultura de precisão, que aponta com mais detalhes a demanda por nutrientes em um determinado talhão da lavoura. “Isso pode resultar inclusive em diminuição de emissões”, complementa o pesquisador da Embrapa. Até o momento, não há uma meta em termos de números de hectares a serem abrangidos pela certificação. “Vai depender muito da demanda do mercado consumidor”, explica Nogueira. 

Projeto piloto valoriza boas práticas

Fazenda da Taipa, em Condor, integra iniciativa da multinacional Bayer e desenvolve técnicas conservacionistas como a rotação de culturas, o uso de culturas de cobertura, a adubação orgânica e o sistema de plantio direto



Uma iniciativa pioneira localizada em uma propriedade de Condor, no Noroeste do Estado, está contribuindo para o sequestro de carbono no solo a partir da adoção de práticas agronômicas sustentáveis. A Fazenda da Taipa, berço da produção da Strobel Sementes, faz parte de um programa adotado em parceria com a multinacional Bayer. O projeto consiste na adoção de boas práticas visando o sequestro do carbono atmosférico, incorporando-o ao solo em forma de matéria orgânica. A Bayer, então, avalia o quanto a lavoura conseguiu sequestrar de carbono. Posteriormente, os créditos de carbono são comercializados no mercado internacional. 

O projeto parte do entendimento de que a intensificação de práticas sustentáveis não apenas reduz as emissões, mas também remove o carbono da atmosfera. A Bayer e uma rede de parceiros irá acompanhar o acúmulo de matéria orgânica nos talhões participantes pelos próximos anos. Segundo o engenheiro agrônomo Thiago Strobel, responsável técnico da Strobel Sementes, o manejo conservacionista já é praticado pela empresa há 30 anos. Entre as práticas adotadas estão a rotação de culturas, o uso de culturas de cobertura e a adubação orgânica, dando forma ao que ele chama de um plantio direto “bem estabelecido”. Esse conjunto de práticas ajuda no incremento da presença de matéria orgânica no solo, que vai culminar com o sequestro de carbono. 

Durante o inverno, nem toda a área é ocupada com culturas comerciais, como o trigo. Algumas plantas, então, são adotadas como cobertura de solo com o objetivo de ocupar esse espaço, sequestrando carbono e evitando a erosão. “Colocamos várias culturas combinadas dentro de um mesmo talhão, tentando simular algo próximo do que acontece na natureza”, explica Strobel. Entre as culturas de cobertura utilizadas estão aveia, centeio, nabo, ervilhaca, capim-sudão e milheto. A adubação orgânica é feita a partir de excrementos de animais. 

A parceria surgiu depois que Strobel soube do projeto da Bayer pelos meios de comunicação e se interessou pela iniciativa. A multinacional, por sua vez, entendeu que a empresa tinha potencial para desenvolver a atividade em sua produção de sementes. A Bayer ainda fará a medição do volume de carbono sequestrado pela lavoura. O projeto está em sua segunda safra. 

Para Strobel, o agronegócio brasileiro, tem potencial para se tornar também uma referência no sequestro de carbono.

Cobertura de solo evita impacto do vazio outonal

Segundo o pesquisador Tiago Hörbe, da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL), o ponto-chave para reduzir as emissões é aportar carbono no solo, o que é feito através da palhada. Por isso é recomendada a adoção do sistema de plantio direto com o solo coberto durante todo o ano. 

A transição entre a colheita de verão e a implantação da lavoura de inverno acaba por gerar o “vazio outonal”. Isso porque, a cada safra, a soja começa a ser colhida mais cedo. O solo acaba por ficar descoberto durante períodos de 60 até 90 dias. “Quando tu colocas uma planta de cobertura nesse meio, então tu aportas mais carbono, e aí tu tens uma soja carbono neutro”, resume Hörbe. 



Entre as plantas de cobertura de outono, ele cita o nabo forrageiro e o milheto, mas ressalta a importância de leguminosas como a ervilhaca, que favorece o aporte de nitrogênio no solo. 

A busca pela sustentabilidade nas lavouras de soja não está dissociada do aumento de produtividade. “Além de proteger o solo e contribuir com o meio ambiente, o agricultor vai produzir mais, pois há uma sinergia entre essas ações”, afirma o pesquisador. O manejo correto pode levar, inclusive, à otimização do uso dos insumos, já que as boas práticas, por exemplo, diminuem a presença de plantas daninhas, reduzindo a necessidade de defensivos. 

Entre os desafios para alcançar um maior sequestro de carbono nas lavouras, Hörbe cita o fato de que, em muitas áreas, o produtor é arrendatário, e não proprietário do terreno. “Então muitas vezes ele não faz alguns investimentos no solo porque não tem a garantia de que no ano seguinte vai continuar na mesma área”, explica o pesquisador. Além disso, ele destaca o problema da oscilação dos custos de produção e as frustrações de safra, a exemplo do que ocorreu no ciclo 2021/2022, em função da estiagem. 

Preocupação faz surgir mercado promissor

Comercialização de créditos de carbono desperta interesse do mercado e conta com potencial para movimentar até 72 bilhões de dólares por ano, mas no Brasil ainda é necessário criar metodologia de avaliação e certificação



A busca pela sustentabilidade nos processos produtivos deu origem a um novo mercado, ainda pouco explorado no Brasil: os créditos de carbono. Segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), os ganhos do Brasil têm potencial para chegar a 72 bilhões de dólares por ano até 2030. O cálculo é de que, no país, haja pelo menos 500 milhões de toneladas de carbono equivalente que podem ser monetizadas pelo agronegócio. 

Para que esse novo mercado possa deslanchar, alguns objetivos ainda precisam ser alcançados. Segundo o coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Domingos Velho Lopes, o primeiro deles é a criação de uma metodologia nacional para avaliação de como se dará o sequestro de carbono. A questão está sendo discutida por um grupo de trabalho capitaneado pelo Ministério da Agricultura (Mapa). “Temos que ter uma metodologia que tenha reconhecimento e que seja o padrão oficial de avaliar e quantificar o sequestro”, explica o dirigente. O segundo passo é discutir a certificação, com reconhecimento internacional, para que esses créditos possam se habilitar a serem negociados na bolsa – caso contrário, o trabalho não poderá ser monetizado. A discussão estendeu-se também ao âmbito legislativo, já que o pagamento por serviços ambientais está previsto em lei, mas ainda precisa ser regulamentado. 

Com a consolidação desse mercado, o próprio produtor rural poderá fazer a comercialização dos créditos de carbono, obtendo mais uma fonte de renda. Por isso, afirma Lopes, há a necessidade de uma metodologia que possibilite calcular quantas toneladas de carbono são sequestradas em cada caso. “Isso precisa ser certificado por uma metodologia que comprove que os processos sejam bem feitos, e aí sim ele vai poder negociar na bolsa de valores”, observa. 

Por ser um país agrícola, o Brasil apresenta um grande potencial para reter carbono a partir destas atividades. Lopes ressalta que, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em novembro do ano passado, foi ratificado que a atividade agrossilvipastoril e a recuperação de nascentes e áreas protegidas fazem parte da solução para a redução da emissão de gases do efeito estufa. “A atividade, se bem feita, sequestra carbono”, resume. 

Correio do Povo


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