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sábado, 5 de setembro de 2020

Telegramas revelam reação dos EUA à vitória de Allende no Chile há 50 anos

Parte dos registros confidenciais foi revelada nos anos 1990, mas uma liberação mais recente trouxe novas informações

Queda de Allende deu lugar a 17 anos de ditadura de Pinochet, que deixou mais de 3.200 mortos e desaparecidos

Uma série de telegramas que vieram a público, divulgados pelo National Security Archives nesta sexta-feira, destacam a reação dos Estados Unidos à vitória nas urnas de um presidente marxista no Chile há 50 anos. O resultado foi descrito como "doloroso" e "uma decomposição que não fede menos pela da civilidade que a acompanha".
No dia do 50º aniversário do triunfo do governo popular, o grupo de pesquisa da George Washington University publicou documentos que mostram a surpresa gerada pela eleição do médico socialista Salvador Allende entre as autoridades norte-americanas, mas também a proximidade do ex-presidente Eduardo Frei com o embaixador de Washington. Parte dos registros confidenciais foi revelada nos anos 1990, mas uma liberação mais recente trouxe novas informações.
Até o dia da eleição, 4 de setembro de 1970, as autoridades dos EUA acreditavam que as "operações de sabotagem" secretas para minar a popularidade de Allende seriam eficazes. Sua vitória desencadeou um mecanismo orquestrado pela Casa Branca - com o presidente Richard Nixon no comando - para "desestabilizar" o Chile, o que lançou as bases para o golpe de 11 de setembro de 1973, segundo o centro de pesquisas.
A queda de Allende, que morreu sitiado em um palácio La Moneda em chamas após os bombardeios da força aérea no dia do golpe de Estado, deu lugar a 17 anos de ditadura de Augusto Pinochet, que deixou mais de 3.200 mortos e desaparecidos.
Uma conversa sigilosa na véspera das eleições entre o presidente que estava de saída, o democrata-cristão Eduardo Frei, e o embaixador dos Estados Unidos em Santiago mostrou que o presidente chileno pediu orientações ao diplomata sobre qual ele acreditava que seria o resultado.
O embaixador Edward Korry apostou que, entre os três candidatos, o conservador Jorge Alessandri seria o vencedor. No dia da eleição, Korry estava agitado e enviou 18 telegramas com informações.
Suas primeiras comunicações descreveram uma participação "muito significativa" e "monótona" e ressaltaram que os chilenos estavam tão ansiosos para votar que havia até pacientes em macas levados para as zonas eleitorais "aparentemente para realizar seus últimos desejos".

Um tom "desprezivelmente ofensivo"

Entretanto, quando a vitória apertada de Allende começou a ser vislumbrada, o tom de Korry mudou e ele abandonou as descrições inusitadas para iniciar uma crítica furiosa da cultura política chilena. O ambiente teria criado, em sua opinião, as condições para a vitória democrática de Allende e, para piorar, depois acabar aceitando esse êxito com civilidade.
Os acadêmicos observaram que quando o telegrama secreto "Allende venceu" foi publicado pela primeira vez, há mais de 25 anos, o segundo parágrafo foi totalmente ocultado.
Recentemente, porém, uma revelação dos registros ao Departamento de Estado mostrou que essa censura não tinha o objetivo de preservar informações confidenciais de segurança nacional, mas sim esconder "a natureza melodramática e desprezivelmente ofensiva das opiniões do embaixador".
"Há algum tempo vivemos com um cadáver entre nós e seu nome é Chile", disse o diplomata no parágrafo divulgado. Posteriormente, ele afirmou que esta "decomposição não fede menos pela civilidade que a acompanha".
"Os chilenos podiam falar sem parar na televisão e no rádio como sempre na madrugada de hoje, como se nada tivesse mudado e as telas passaram dos programas de entretenimento para discussões políticas com exposições tolas como de costume", disse Korry.
No final, concluiu: "Os chilenos gostam de morrer em paz com a boca aberta".
AFP e Correio do Povo

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