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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Revolta da Vacina - História virtual









A Revolta da Vacina foi um movimento que ocorreu no ano de 1904, no qual o governo da cidade do Rio de Janeiro determinou que a vacinação contra a varíola fosse obrigatória para a população.

Essa revolta não aconteceu apenas pelo motivo da vacinação ser obrigatória, mas também porque as autoridades da época estavam reestruturando a cidade carioca para que houvesse uma melhor estrutura sanitária, com o intuito da contaminação da população por doenças diminuísse.

Oswaldo Cruz foi a pessoa encarregada para combater as doenças: Varíola, Febre Amarela e Peste Bubônica. As doenças Febre Amarela e Peste Bubônica foram controladas de outras maneiras, mas Oswaldo Cruz não viu outra solução se não utilizar vacinas para diminuir os casos com Varíola.

Oficiais da Praia Vermelha se uniram à população e foram às ruas do Rio de Janeiro para protestar com essas medidas, pois alegavam que essas “acabariam com a estrutura tradicional da cidade” além do deslocamento de moradores de suas moradias para outros bairros e locais. O governo respondeu à altura, e mandou militares combaterem esses manifestantes.

A vacinação se tornando obrigatória, dois anos depois, Oswaldo Cruz percebeu que as mortes diminuíram de 3.500 pessoas para apenas 9 pessoas. E desde então Oswaldo Cruz se tornou um agente importante na saúde do Brasil e do mundo.

Portal São Francisco

Revolta da Vacina
História

“O governo arma-se desde agora para o golpe decisivo que pretende desferir contra os direitos e liberdades dos cidadãos deste país.

A vacinação e revacinação vão ser lei dentro em breve, não obstante o clmamor levandado de todos os pontos e que foi ecoar na Câmara dos Deputados através de diversas representações assinadas por milhares de pessoas.

De posse desta clava, que o incondicionalismo bajulador e mesureiro preparou, vai o governo do Sr. Rodrigues Alves saber se o povo brasileiro já se acanalhou ao ponto de abrir as portas do lar à violência ou se conserva ainda as tradições de brio e de dignidade com que, da monarquia democrática passou a esta República de iniqüidade e privilégios.

O atentado planejado alveja o que de mais sagrado contém o patrimônio de cada cidadão: pretende se esmagar a liberdade individual sob a força bruta…” – Correio da Manhã, 7 de outubro de 1904.

“Foi extrema a indignação que o projeto do regulamento da vacina obrigatória excitou no ânimo de todos os habitantes de Rio de Janeiro, cuja sensibilidade ainda não embotaram interesses dependentes do governo e da administração sanitária.”

“Durante o dia de ontem foram distribuídos boletins convocando o povo para um meeeting no largo de S. Francisco de Paula, contra os demandos do Conselho Municipal e da execução da lei da vacina obrigatória.” Correio da Manhã, 11 de novembro de 1904.

“Parece propósito firme do governo violentar a população desta capital por todos os meios e modos. Como não bastassem o Código de Torturas e a vacinação obrigatória, entendeu provocar essas arruaças que, há dois dias já, trazem em sobressalto o povo.


Desde ante-ontem que a polícia, numa ridícula exibição de força, provoca os transeuntes, ora os desafiando diretamente, ora agredindo-os, desde logo, com o chanfalho e com a pata de cavalo, ora, enfim, levantando proibições sobre determinadas pontos da cidade.” Correio da Manhã, 12 de novembro de 1904.

” (…) As arandelas do gás, tombadas, atravessaram-se nas ruas; os combustores de iluminação, partidos, com os postes vergados, estavam imprestáveis; os vidros fragmentados brilhavam nas calçadas; paralelepípedos revolvidos, que servem de projéteis para essas depredações, coalhavam a via pública; em todos os pontos destroços de bondes quebrados e incendiados, portas arrancadas, colchões, latas, montes de pedras, mostravam os vestígios das barricadas feitas pela multidão agitada. a viação urbana não se restabeleceu e o comércio não abriu suas portas. (…)” Jornal do Commércio, 15 de novembro de 1904.

“Como ante-ontem, repercutiram-se ontem as correrias e arruaças dos dois dias anteriores. Como na véspera, tiveram princípio no largo de S. Francisco.

Desde que se manifestou o conflito, deu-se a intervenção da força armada, segundo ordem do Dr. Chefe de Polícia, que, por intermédio de seus delegados, determinara que a intervençào só se desse em caso de conflito ou atentado à propriedade.

Na rua do Teatro, do lado de Teatro São Pedro, estava postado um piquete de cavalaria da polícia. Ao aproximar-se o grupo de populares, a gritos e a vaias, a força tomou posição em linha, pronta a agir, caso fosse necessário. A movimentação do piquete de cavalaria aterrorizou um tanto os populares que recuaram.

Depois, julgando talvez que a cavalaria se opussesse à passagem, avançaram resolutos, hostilizando a força a pedradas. O comandante da força mandou avançar também, dando-se o choque. (…) Serenado mais ou menos o ânimo popular naquele trecho, seguiu a força a formar na praça Tiradentes, fazendo junção com outro piquete que ali se achava postado.” Gazeta de Notícias, 13 de novembro de 1904.

“Seria preciso não conhecermos a vida da cidade do Rio de Janeiro, mesmo nos seus dias anormais, para não compreendermos os acontecimentos de ontem que encheram de pânico e pavor toda a população.

Houve de tudo ontem. Tiros, gritos, vaias, interrupção de trânsito, estabalecimentos e casas de espetáculos fechadas, bondes assaltados e bondes queimados, lampiões quebrados à pedrada, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares deteriorados.” – Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904.
MANHÃ DE ONTEM

“Pela Rua Senhor dos Passos, às 7 horas da manhã, subia uma grande massa de populares, dando morras à vacina obrigatória. Pelos indivíduos que a compunham foram atacados alguns bondes da São Cristovão.


Ao entrar na Praça da República foram virados os seguintes bondes: ns. 140, 95, 113, 27, 55, 105, 87, 101, 38, 41, 85, 56, 31, 13, 130, 101 e 129. Em alguns casos os populares atearam fogo. A Jardim Botânico sofreu também prejuízos. seus carros no Catete e Larangeiras, foram atacados.
BOMBAS DE DINAMITE

“Já ontem apareceram as terríveis bombas de dinamite, como elemento de guerra. A 3a Delegacia foi alvejada por inúmeras bombas atiradas pelos populares; estes, ao fim de algum tempo, conseguiram repelir a força de polícia, que foi substituída por praças do corpo de marinheiros.

“A cada passo, no centro da cidade, erguiam-se barricadas e trincheiras de onde os populares atacavam as forças militares. as ruas da Alfândega, General Câmara, Hospício, S.Pedro, Av. Passos etc. foram ocupadas pelo povo.”

“Os alunos da Escola Militar do Brasil, depois de deporem o general Costallat do comando desse estabelecimento, elegeram, em substituição, o sr. general Travassos e em saída saíram em grupos, naturalmente para se reunirem na praia de Botafogo. Ao seu encontro seguiu do Palácio o 1o de infantaria do exército, sob o comando do coronel Pedro Paulo Fonseca Galvão.” – Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904.

Interrompemos a nossa narração às 3 horas da manhã. Pouco antes foi-nos telefonado do palácio que um delegado viria ver as provas da nossa folha para se certificar de dávamos notícias alarmantes. respondemos que as nossas notícias eram símples narração de fatos. Foi-nos então pedido para retirar algumas das notícias que enumerara e que entretanto foram publicadas por outros colegas.” Gazeta de Notícias, 16 de novembro de 1904.

“A evidente prova de que toda esta agitação em torno da vacina é artificial e preparada com intuitos meramente perturbadores, está em que as arruaças começaram, justamente quando reiteradas declarações do Sr. Ministro do Interior, feitas a todos os jornais,levavam à convicção de que o que indiscretamente se publicou como sendo regulamento da lei não só o não era como o não seria nunca. A discussão sobre a questão da vacina tinha se conservado no terreno doutrinário. (…)

“Continuaram ontem infelizmente as assuadas e correrias da véspera no largo de S. Francisco de Paula, sendo necessária a intervenção da força de polícia para dissolver os grupos de turbulentos. Alguns gaiatos deram largo curso ao boato de que à tarde havia um meeting naquele largo para o fim de se protestar contra a obrigatoriedade da vacina, o que não aconteceu; mas, não obstante, desde as 5 1/2 horas começou a afluir ao lugar indicado várias pessoas, que se aglomeraram próximo à estátua de José Bonifácio.

Eram 6 horas. Notava-se no largo de S. Francisco de Paula desusado movimento, quando principiou a assuada. Não havia orador, todos se olhavam admirados sem saber porque ali se estacionavam. Afinal, dentre os populares surgiram os indivíduos Francisco de Oliveira e Lúcio Ribeiro, os quais, subindo ao pedestal da estátua de José Bonifácio fingiram que iam falar as massas. Os dois pandegos, porém, embatucaram diante da grande multidão e limitaram-se a gesticular estupidamente, sendo isso motivo de datisfação para a garotagem que os aplaudia frenéticamente. (…)” – O Paiz, 12 de novembro de 1904.

“Como nos dois dias anteriores, arruaças começaram ontem à tardinha. Não esta convocado meeting, entretanto, desde 5 horas da tarde o largo de Sào Francisco de Paula esteve repleto de gente em sua maioria curiosos.”

“Enquanto se perde tempo e se despende energia nessa agitação injustificável a pretexto da vacinação obrigatória, vamos deixando de lado as questões que realmente nos interessam e que afetam vivamente a situação do país. (…) – O Paiz, 13 de novembro de 1904.

“Não há que se esconder a gravidade da situação que, desde alguns dias já, se vinha desenhando no aspecto da cidade e que tos os espíritos anunciavam porque a pressentiam e apalpavam.(…)

Verdadeiras lutas foram travadas a peito nú entre populares e as forças policiais de infantaria e cavalaria, distribuídas por fortes contingentes nos pontos onde maior era a aglomeração e onde as desordens mais se pronunciavam.

Na execução das ordens recebidas e conforme um edital da polícia publicado pela manhã, a polícia interveio na dispersão do povo, acometendo-o com cargas de espada e lança e não raro travando verdadeiros tiroteios; o povo repelia-a a pedradas, entricheirando-se como podia, e a força despejava os revólveres. Iso mesmo sente-se da relação publicada dos feridos, a maior parte por armas de fogo.”

“Os estragos que a cidade apresentou na manhã de hoje, árvores derrocadas, combustores retorcidos, quebrados, e postes por terra, , edifícios com as vidraças estilhaçadas, bondes quebrados uns, incendiados outros, tudo isso dá idéia da intensidade dos conflitos de ontem e do desespero e anarquia que reinaram nas ruas, que mais tétricas e cheias de perigo se tornaram quando a noite caiu, privadas grandes trechos de sua iluminação costumada.”

“Jamais podiamos imaginar que da vacina obrigatória pudessem surgir os distúrbios de ontem, iniciados na véspera, depois dos breves mas violentos discursos pronunciados na Liga Contra a Vacinação.

Combatendo a obrigatoriedade desta providência, o fizemos sempre de acordo com a lei, em nome dos princípios constitucionais e da liberdade individual, sem jamais aconselhar a resistência à mão armada, que condenamos com a maior energia porque a desordem não pode governar e o prestígio da autoridade constituída não pode parecer diante da subversão da ordem.”
BARRICADAS

“Na rua Senhor dos Passos, esquina da rua Tobias Barreto, Sacramento e Hospício foram levantadas barricadas, havendo em alguns pontos atravessado correntes e arames de lado a lado da rua. Junto a essas barricadas os populares varavam a polícia.” – A Tribuna 14 de novembro de 1904.
AS MANCHETES

Vacina ou Morte (Correio da Manhã)

O Monstruoso Projeto (Correio da Manhã)

Arruaça Policial – Novas Violências – Bondes Atacados – Prisões – O Comércio Paralizado (Correio da Manhã)

A Revolta dos Alunos Militares – Gravíssimo Os Fatos de Ontem – Combate em Botafogo – Tomada de Delegacia -Montins na Saúde – Barricadas – Trincheiras – Assaltos a Casas Populares – Morte e Ferimentos (Gazeta de Notícias)

Estado de Sítio – A Conspiração – Discursos do Senador Rui Barbosa – Rendição de “Porto Arthur” – Ataque à Fábrica Confiança – Prisão do General Olympio de Oliveira – Fechamento da Escola Militar – Prisão de Alunos da Escola de Realengo (Gazeta de Notícias)

Graves Sucessos – Os Acontecimentos de Ontem – Barricadas e Tiroteios – Conflitos, Ferimentos e Mortes – Providências do Governo – (A Tribuna)

Fonte: www.irdeb.ba.gov.br
Revolta da Vacina

O Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o século XX, era ainda uma cidade de ruas estreitas e sujas, saneamento precário e foco de doenças como febre amarela, varíola, tuberculose e peste. Os navios estrangeiros faziam questão de anunciar que não parariam no porto carioca e os imigrantes recém-chegados da Europa morriam às dezenas de doenças infecciosas.

Ao assumir a presidência da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves instituiu como meta governamental o saneamento e reurbanização da capital da República. Para assumir a frente das reformas nomeou Francisco Pereira Passos para o governo municipal. Este por sua vez chamou os engenheiros Francisco Bicalho para a reforma do porto e Paulo de Frontin para as reformas no Centro. Rodrigues Alves nomeou ainda o médico Oswaldo Cruz para o saneamento.

O Rio de Janeiro passou a sofrer profundas mudanças, com a derrubada de casarões e cortiços e o conseqüente despejo de seus moradores. A população apelidou o movimento de o “bota-abaixo”. O objetivo era a abertura de grandes bulevares, largas e modernas avenidas com prédios de cinco ou seis andares.

Ao mesmo tempo, iniciava-se o programa de saneamento de Oswaldo Cruz. Para combater a peste, ele criou brigadas sanitárias que cruzavam a cidade espalhando raticidas, mandando remover o lixo e comprando ratos. Em seguida o alvo foram os mosquitos transmissores da febre amarela.

Finalmente, restava o combate à varíola. Autoritariamente, foi instituída a lei de vacinação obrigatória. A população, humilhada pelo poder público autoritário e violento, não acreditava na eficácia da vacina. Os pais de família rejeitavam a exposição das partes do corpo a agentes sanitários do governo.

A vacinação obrigatória foi o estopim para que o povo, já profundamente insatisfeito com o “bota-abaixo” e insuflado pela imprensa, se revoltasse. Durante uma semana, enfrentou as forças da polícia e do exército até ser reprimido com violência. O episódio transformou, no período de 10 a 16 de novembro de 1904, a recém reconstruída cidade do Rio de Janeiro numa praça de guerra, onde foram erguidas barricadas e ocorreram confrontos generalizados.
Cronologia da Revolta da Vacina

10 de novembro – Devido à proibição de reuniões públicas estabelecida pelo governo, a polícia investe contra estudantes que pregavam resistência à vacinação e são recebidos a pedradas, ocorrendo as primeiras prisões.

11 de novembro – As forças policiais e militares recebem ordens para reprimir comício da Liga contra a Vacinação Obrigatória e o confronto com a população se generaliza para outras áreas do centro da cidade, causando o fechamento do comércio.

12 de novembro – Sob o comando dos representantes da Liga, Vicente de Souza, Lauro Sodré e Barbosa Lima, cerca de 4 mil pessoas saem em passeata para o Palácio do Catete.

13 de novembro – Na praça Tiradentes, uma multidão se aglomera e não obedece à ordem de dispersar. Há troca de tiros e a revolta se espalha por todo o centro da cidade. A população incendeia bondes, quebra combustores de iluminação e vitrines de lojas, invadem delegacias e o quartel da rua Frei Caneca. Mais tarde, os tumultos chegam aos bairros da Gamboa, Saúde, Botafogo, Laranjeiras, Catumbi, Rio Comprido e Engenho Novo.

14 de novembro – Os conflitos continuam por toda a cidade. O exército está dividido. Cerca de 300 cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha tentam depor o presidente. Recebem o apoio de um esquadrão da Cavalaria e uma companhia de Infantaria. Na Rua da Passagem, em Botafogo, encontram-se com as tropas governamentais. Segue-se um intenso tiroteio. A debandada é geral. O governo tem 32 baixas, nenhuma fatal. Os rebeldes, três mortos e sete feridos.

15 de novembro – Os tumultos persistem, sendo os maiores focos no Sacramento e na Saúde. Continuam os ataques às delegacias, ao gasômetro, às lojas de armas. No Jardim Botânico, operários de três fábricas investem contra os seus locais de trabalho e contra uma delegacia. Estivadores e foguistas reivindicam junto às suas empresas a suspensão dos serviços. Há conflitos ainda nos bairros do Méier, Engenho de Dentro, Encantado, São Diego, Vila Isabel, Andaraí, Aldeia Campista, Matadouro, Catumbi e Laranjeiras.

Horácio José da Silva, conhecido como o Prata Preta, lidera as barricadas na Saúde. Os jornalistas acompanham os episódios e visitam alguns locais de conflito.

Descrevem a “multidão sinistra, de homens descalços, em mangas de camisa, de armas ao ombro uns, de garruchas e navalhas à mostra”. A Marinha ataca os rebeldes e as famílias fogem com medo.

16 de novembro – O governo decreta o estado de sítio. Os conflitos persistem em vários bairros. As tropas do Exército e da Marinha invadem a Saúde, aprisionando o Prata Preta.

O governo acaba por recuar e revoga a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. A polícia aproveita os tumultos e realiza uma varredura de pessoas excluídas que perambulam pelas ruas da capital da República. São todas enviadas à Ilha das Cobras, espancadas, amontoadas em navios-prisão e deportadas para o Acre, a fim de trabalharem nos seringais. Muitas não chegam ao seu destino e morrem durante a viagem.

A revolta deixa um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, dos quais 461 são deportados para o Acre.

Bibliografias

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical – A renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Biblioteca carioca,1992.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário republicano no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial.São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Discurso de posse de Rodrigues Alves realizado em 15 de novembro de 1902. In: Anais da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Discurso do senador Rui Barbosa realizado em 15 de novembro de 1904. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15/11/1904.
RIO, João do. O velho mercado. In: Cinematógrapho. Porto, Moderna, 1909.
ROCHA, Oswaldo P. A era das demolições: Cidade do Rio de Janeiro (1870-1920). Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1995.
SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Fonte: www.ccs.saude.gov.br
Revolta da Vacina
História

A chamada Revolta da Vacina ocorreu de 10 a 16 de Novembro de 1904 na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

Desde meados do século XVI o Rio de Janeiro convivia com a varíola, que tomava forma epidêmica no inverno e fazia numerosas vítimas. O combate à doença dependia essencialmente da aplicação da vacina jenneriana. No Brasil, seu uso fora declarado obrigatório para as crianças em 1837, estendendo-se, em 1846, aos adultos. Estas leis, no entanto, nunca foram cumpridas, quer por falta de condições políticas e técnicas (sua produção em escala industrial no Rio de Janeiro só começou em 1884), quer pelo horror que a maioria da população nutria à idéia de se deixar inocular com o vírus da doença.

Em 1904, enquanto Oswaldo Cruz combatia à febre amarela, os casos de varíola começaram a crescer assustadoramente na capital. Em meados do ano, o número de internações no Hospital de Isolamento São Sebastião chegava a 1.761. Para enfrentar a epidemia, em 29 de junho de 1904, a Comissão de Saúde Pública do Senado apresentou ao Congresso projeto de lei reinstaurando a obrigatoriedade da vacinação, o único meio profilático real contra a varíola, em todo o território nacional. Figuravam no projeto cláusulas draconianas que incluíam multas aos refratários e a exigência do atestado de vacinação para matrículas nas escolas, empregos públicos, casamentos, viagens etc.

Além de suscitar violentos debates no Congresso, a proposta da comissão de saúde gerou um clima de intensa agitação social. Diferentes segmentos sociais (positivistas, oficiais descontentes do Exército, monarquistas e líderes operários) reuniram-se em torno da idéia do combate ao projeto, movimento que resultaria na formação da Liga contra a Vacina Obrigatória.

Enquanto o projeto era discutido e combatido, Oswaldo Cruz à frente da DGSP (Diretoria Geral de Saúde Pública) ia empregando as medidas profiláticas habituais (o isolamento e a desinfecção), porém insuficientes para controlar a epidemia. A vacina, somente era aplicada quando o doente e sua família o permitiam. Essas permissões, contudo, diminuíam progressivamente à medida que se fortalecia a campanha capitaneada pela Liga. Entre julho e agosto, caiu de 23 mil para seis mil o número de vacinas aplicadas na capital.

A lei que tornava obrigatória a vacinação anti-variólica, logo batizada de Código de Torturas, foi aprovada em 31 de outubro e regulamentada nove dias depois, abrindo caminho para a chamada Revolta da Vacina. Durante uma semana, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar, enfrentando forças da polícia e do exército. A revolta foi violentamente reprimida e o saldo do confronto, segundo os jornais da época, foi de 23 mortos, dezenas de feridos e quase mil presos.

O episódio, entretanto, não deve ser reduzido a uma simples reação das massas incivilizadas à imposição irreversível da razão e do progresso, como pretendeu a literatura oficial da época.

Ela reuniu forças sociais extremamente díspares e consistiu, de fato, em duas rebeliões superpostas: um grande motim popular contra a vacina, que eclodiu em 10 de novembro, paralisando a cidade por uma semana; e uma insurreição militar, deflagrada em 15 de novembro, com a finalidade de depor o presidente da República.

Rodrigues Alves logo reassumiu o controle da situação, mantendo-se na Presidência. Recusou-se a demitir Oswaldo Cruz, alvo de manifestações de violenta hostilidade, mas teve que capitular em relação à obrigatoriedade da vacinação, que foi imediatamente suspensa. Em 1908, um novo surto de varíola acometeria mais de nove mil pessoas na cidade.

Fonte: www.coc.fiocruz.br
Revolta da Vacina

No início do século XX, o Rio de Janeiro já era lindo, mas a falta de saneamento básico e as péssimas condições de higiene faziam da cidade um foco de epidemias, principalmente febre amarela, varíola e peste. Estas pragas tropicais deram à capital do país o triste apelido de “túmulo de estrangeiros”. Com medidas impopulares e polêmicas, Oswaldo Cruz, além de ter sido o responsável pela estruturação da saúde pública no Brasil, foi quem saneou o Rio, apesar da oposição da mídia e da manifestação popular, que ficou conhecida como “Revolta da Vacina“.

A população da cidade revoltou-se contra o plano de saneamento, mas, sobretudo, com a remodelação urbana feita pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906), que decidiu modernizar a cidade e tomar medidas drásticas para combater as epidemias. Cortiços e casebres, que compunham inúmeros quarteirões dos bairros centrais, foram demolidos, e deram lugar a grandes avenidas e ao alargamento das ruas, seguindo o modelo de urbanização dos grandes bulevares parisienses. A população local foi desalojada, refugiando-se em barracos nos morros cariocas ou em bairros distantes na periferia. As favelas começaram a se expandir.

Nesse cenário, há exatos cem anos, Oswaldo Cruz assumia a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), cargo que, na época, equivalia ao de ministro da Saúde.

Enquanto o prefeito Pereira Passos realizava o “Bota Abaixo”, como ficou conhecida a reforma da cidade, Oswaldo Cruz transformou o Rio em um gigantesco laboratório de combate às doenças, implantando métodos revolucionários.

Em 1904, a cidade foi assolada por uma epidemia de varíola. Oswaldo Cruz mandou ao Congresso uma lei que reiterava a obrigatoriedade da vacinação, já instituída em 1837, mas que nunca tinha sido cumprida. Ciente da resistência da opinião pública, montou uma campanha em moldes militares. Dividiu a cidade em distritos, criou uma polícia sanitária com poder para desinfetar casas, caçar ratos e matar mosquitos.

Com a imposição da vacinação obrigatória, as brigadas sanitárias entravam nas casas e vacinavam as pessoas à força. Isso causou uma repulsa pela maneira como foi feita. A maioria da população ainda desconhecia e temia os efeitos que a injeção de líquidos desconhecidos poderia causar no corpo das pessoas.

Setores de oposição ao governo gritaram contra as medidas autoritárias. Quase toda a imprensa ficou contra Oswaldo Cruz, ridicularizando seus atos com charges e artigos.

A indignação levou ao motim popular, que explodiu em 11 de novembro de 1904, conhecido como a “Revolta da Vacina“.

Carroças e bondes foram tombados e incendiados, lojas saqueadas, postes de iluminação destruídos e apedrejados. Pelotões dispararam contra a multidão.

Durante uma semana, as ruas do Rio viveram uma guerra civil. Segundo a polícia, o saldo negativo foi de 23 mortos e 67 feridos, tendo sido presas 945 pessoas, das quais quase a metade foi deportada para o Acre, onde foi submetida a trabalhos forçados.

Para o historiador Sérgio Lamarão, da Universidade Federal Fluminense, “conduzida de forma arbitrária, sem os necessários esclarecimentos à população, a campanha da vacina obrigatória canalizou um crescente descontentamento popular. Deve ser entendida como uma conseqüência do processo de modernização excludente concentrado, no tempo e no espaço ­ desencadeado pela reforma do prefeito Passos ­ e não, como foi considerada pelas autoridades, como uma reação explosiva da massa ignorante ao progresso e às inovações”.

Duas produções recentes abordam esse episódio. Uma delas é o filme Sonhos tropicais, longa-metragem de estréia do diretor paulista André Sturm ambientado no Rio de Janeiro do início do século XX. A saúde pública vem à tona na trama do filme, mostrando a precariedade de condições da cidade. Sua narrativa é baseada na obra homônima do escritor gaúcho Moacyr Scliar, que trata da biografia de Oswaldo Cruz, situando a ação do primeiro ministro da Saúde moderno do Brasil e contextualizando o momento histórico para a medicina.

Fonte: cienciaecultura.bvs.br
Revolta da Vacina
História

Rio de Janeiro, capital federal, ano de 1904.

O povo amotinado levanta barricadas. Bondes são depredados e incendiados. Lojas saqueadas. O episódio fica conhecido como a Revolta da Vacina.

O Rio de Janeiro é uma cidade com ruelas estreitas, sujas. Cheia de cortiços onde se amontoa a população pobre. A falta de saneamento básico e as condições de higiene fazem da cidade um foco de epidemias, principalmente Febre Amarela, Varíola e Peste.

Em 1895, ao atracar no Rio de Janeiro, o navio italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes, mortos por Febre Amarela.

“Viaje direto para Argentina sem passar pelos perigosos focos de epidemias do Brasil”.

Com esta propaganda, uma companhia de viagem européia tranqüilizava seus clientes, no início do século.

1902. Rodrigues Alves assume a presidência do Brasil com o programa de sanear e reformar o Rio de Janeiro, nos moldes das cidades européias. Os motivos são manter o turismo e atrair investidores estrangeiros. Mais de seiscentos cortiços são derrubados no centro da cidade para a construção de avenidas.

Populações de bairros inteiros, sem ter para onde ir, são desalojadas à força e se refugiam nos morros. As favelas começam a se expandir.

O médico sanitarista Oswaldo Cruz é encarregado de combater as epidemias.

Para atacar a Febre Amarela, Oswaldo Cruz segue uma teoria de médicos cubanos, que aponta um tipo de mosquito como o seu transmissor.

Para acabar com a peste, transmitida pela pulga do rato, um esquadrão de 50 homens percorre a cidade espalhando raticidas e removendo lixo.

Um novo cargo público é criado: o dos compradores de ratos, que saem pelas ruas pagando trezentos réis por rato capturado.

Brigadas de Mata-Mosquitos desinfetam ruas e casas. A população acha uma maluquice responsabilizar um mosquito pela Febre Amarela.

Quase toda a imprensa fica contra Oswaldo Cruz e ridiculariza sua campanha. Mas foi a Varíola que pôs a cidade em pé de guerra.

Apoiadas em uma lei federal, as Brigadas Sanitárias entravam nas casas e vacinavam pessoas à força. Setores de oposição ao governo gritavam contra as medidas autoritárias de Oswaldo Cruz.

Em novembro de 1904, explode a revolta. Por mais de uma semana as ruas do Rio de Janeiro vivem uma guerra civil. A Escola Militar de Praia Vermelha, comandada por altos escalões do Exército, alia-se aos revoltosos. Militares insatisfeitos com o presidente Rodrigues Alves armam um golpe de Estado.

O governo reage. Tropas leais atacam os revoltosos. No centro da cidade, pelotões disparam contra a multidão. O número de mortos da Revolta da Vacina é desconhecido. O de feridos ultrapassa cem. Mais de mil pessoas são presas e deportadas para o Acre.

As medidas sanitárias continuam. Em 1903, 469 pessoas morrem de Febre Amarela. No ano seguinte, este número cai para 39.

Em 1904, a Varíola havia matado cerca de 3.500 pessoas. Dois anos depois, esta doença faz apenas 9 vítimas. A cidade fica livre das epidemias. Mas começa a sofrer com a proliferação das favelas.

Fonte: www.tvcultura.com.br
Revolta da Vacina

Pobreza. Preconceito. Desemprego. Os sintomas estavam todos lá e combinados explodiram numa convulsão que há exatos 100 anos tomou as ruas da capital do Brasil e ficou conhecida como Revolta da Vacina

Havia alguma coisa diferente no ar naquela manha abafada e úmida de novembro. Nos últimos dias, boatos haviam tomado os bares, as conversas em família depois que estudantes e operários saíram em passeata pelo centro do Rio de Janeiro, gritando palavras de ordem e protestando contra o governo do presidente Rodrigues Alves. Mas nem quem acompanhava de perto as notícias podia prever os acontecimentos que se seguiriam. De repente, sem que parecesse haver qualquer organização, grupos de pessoas começaram a chegar ao centro. Tomaram as ruas do Ouvidor, da Quitanda, da Assembléia e, quando chegaram à praça Tiradentes, já eram milhares. “Abaixo a vacina”, gritavam. O comércio baixou as portas e a polícia chegou.

A multidão respondeu em coro: “Morra a polícia”. Houve tiros. Correria. O centro virou campo de batalha. No meio de cacetadas, tiros e pernadas, talvez ninguém – do lado dos manifestantes ou dos homens da lei – se lembrasse de como aquilo havia começado.

Para entender melhor os sangrentos dias de novembro de 1904, vamos recuar um pouco mais no tempo e ver como andavam as coisas no Rio, na virada do século 19 para o 20. Na época, a maioria dos moradores tinha motivos de sobra para reclamar da vida em geral e do governo em particular. Faltava tudo, desde empregos até esgoto, saneamento básico e moradia. Cerca de 50% da população vivia de bicos ou serviços domésticos, se não era simplesmente desocupada. O censo de 1890 mostrou que havia 48,1 mil pessoas de “profissão desconhecida” ou desempregada – quase 10% do total de habitantes.

Capital da recente república do Brasil, o Rio era a cidade para onde todos se mudavam: ex-escravos libertados em 1888, imigrantes europeus em busca de emprego, desertores e excedentes das Forças Armadas e migrantes das fazendas de café, que não iam lá muito bem das pernas. Entre 1872 e 1890, a população do Rio passou de 266 mil para 522 mil pessoas.

Não havia emprego para todos e a maioria se virava como podia: carregava e descarregava navios, vendia tranqueiras, fazia pequenos serviços. É claro que ainda havia entre eles ladrões, prostitutas e trambiqueiros.

Toda essa turma – que as autoridades chamavam de ralé, malandros ou desocupados, mas que também se pode chamar de pobres, ou, simplesmente, de povo – se acotovelavam nos cortiços.

Essas habitações coletivas, além de serem uma opção barata de moradia, tinham boa localização: ficavam no centro da cidade.

A mais famosa delas, conhecida como Cabeça de Porco, no número 154 da rua Barão de São Félix, chegou a ter 4 mil moradores. “As autoridades consideravam os cortiços antros de doenças e de pouca-vergonha.

Para a mentalidade da época, que aliás não mudou muito, as moradias pobres abrigavam as classes perigosas, sujas, de onde saíam as epidemias e toda sorte de ruindade”, diz o historiador Sidney Chalhoub, da Unicamp, autor de Cidade Febril: Cortiços e Epidemias na Corte Imperial.

“Bota-abaixo”

Quando Rodrigues Alves assumiu a presiência em 1902, prometendo trazer o país para o novo século, viu naqueles cortiços um obstáculo a ser removido. A idéia era abrir novas avenidas, ruas e praças e, ao mesmo tempo, afastar do centro da cidade os moradores pobres. A inspiração vinha das obras realizadas, alguns anos antes, na capital da França. Em Paris, o barão Haussmann havia conduzido uma reforma geral que acabara com grande parte das antigas vias e construções medievais. Grandes avenidas e parques tomaram o lugar dos bairros operários, celeiros das revoltas populares que haviam chacoalhado o século 19.

Mas se, em 1902, Paris já merecia o apelido de Cidade-Luz, o Rio estava longe de se tornar “maravilhoso”. E não era só uma questão estética. Com tanta gente desabrigada, vivendo de comercializar comida e bebida nas ruas, com pouquíssima infra-estrutura de esgoto e água encanada, as condições de higiene eram para lá de precárias. O Rio era uma cidade doente. Epidemias de peste, febre amarela e varíola dizimavam a população. Isso sem falar nas doenças endêmicas, como a tuberculose. No verão de 1850 um terço dos cariocas contraiu febre amarela e 4160 pessoas morreram. Em 1855 foi a cólera e em 1891 houve surtos de febre amarela e peste bubônica. Em 1903 a varíola atacou fazendo vítimas até o ano seguinte. Só nos primeiros cinco meses de 1904, 1800 pessoas foram internadas com a doença.

Essa situação tinha conseqüências drásticas que iam além da saúde pública. Por causa da imagem de ser reduto de doenças, navios estrangeiros se recusavam a aportar no Brasil.

E a fama não era injustificada: em 1895, o navio italiano Lombardia, atracado no Rio, perdeu 234 de seus 340 tripulantes, vítimas de febre amarela.

Companhias européias faziam questão de anunciar viagens diretas à Argentina, garantindo aos interessados que seus navios passariam ao largo da costa brasileira. Uma tragédia para um país que vivia da exportação.

A economia, que já não andava bem, não precisava de mais essa dor de cabeça. O Brasil vivia às voltas com a crise no mercado de café, único produto de exportação brasileiro, e tinha uma dívida externa crescente. O país passou a emitir cada vez mais papel-moeda, provocando uma inflação generalizada. Nos primeiros cinco anos do governo republicano, a coisa foi feia. Os preços subiram 300%, enquanto os salários não aumentaram 100%, diz o historiador José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Os Bestializados.

Era preciso agir. Rodrigues Alves – ele próprio um grande fazendeiro de café – nomeou como prefeito da capital federal o engenheiro Pereira Passos, que havia morado em Paris e conhecia bem as reformas de Haussmann. Foi Passos que liderou a derrubada de 1 600 velhos edifícios, numa reforma radical que ficou conhecida como “bota-abaixo”. Em cerca de dois meses de obras, milhares de pessoas foram despejadas e empurradas morros acima, onde construíram barracos e casas improvisadas.

Sem dinheiro, sem emprego e sem ter onde morar, o cenário estava pronto para que o povo se rebelasse. Só faltava um estopim.

Medo de injeção

Para combater as doenças que abatiam os cariocas, não bastariam as reformas urbanas no centro da cidade. Mesmo que (e muita gente duvida disso) esse fosse o objetivo principal das obras. Mais uma vez apoiando-se no exemplo francês, o governo brasileiro apostou nas técnicas de saúde pública que estavam sendo colocadas em prática por médicos como Louis Pasteur. Para apóia-lo nessa área, Rodrigues Alves convocou um jovem médico do interior de São Paulo que acabara de estagiar em Paris, Oswaldo Cruz .

Assim que assumiu a diretoria de Saúde Pública, em 1903, Oswaldo encarou batalhas contra a peste bubônica e formou brigadas sanitárias que saíram pelo centro da cidade caçando ratos pelas casas e ruas. Chegou a adotar o método pouco ortodoxo de comprar ratos, para estimular a população a caçar o roedor. Apesar das inevitáveis fraudes – houve gente que foi presa por criar ratos para vender às autoridades – a campanha contra a peste foi um sucesso.

Para enfrentar a febre amarela, no entanto, Oswaldo encontrou oposição. Nem o combate aos mosquitos era consenso. Na época, não se sabia que a doença era causada por um vírus nem se conhecia seu mecanismo de transmissão, e, embora o cubano Carlos Finley já houvesse publicado sua tese de que a doença era transmitida por um mosquito, um grande número de médicos brasileiros acreditava que a febre amarela era causada por alimentos contaminados.

Em 1904, seria a vez de combater a varíola. “Já havia leis que tornavam obrigatória a vacinação desde 1884, mas essas leis não pegaram”, diz José Murilo. O governo resolveu, então, fazer uma nova lei obrigando toda a população a se vacinar, em novembro de 1904. O projeto, que permitia que os agentes sanitários entrassem na casa das pessoas para vaciná-las, foi aprovado na Câmara e no Senado, mas não sem antes quase levar aos sopapos os partidários de Rodrigues Alves e seus opositores, que não eram poucos. Entre eles havia os partidários do ex-presidente Floriano Peixoto, que não se conformavam com um governo civil, como o senador (e tenente-coronel) Lauro Sodré e, na Câmara, o major Barbosa Lima. O senador Ruy Barbosa se manifestou, em plenário, dizendo: “Assim como o direito veda ao poder humano invadir a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme”.

Com a querela política, o assunto chegou à imprensa.

Os jornais se dividiram: o Commercio do Brazil, do deputado florianista Alfredo Varela, e O Correio da Manhã, de Barbosa Lima, atacavam a vacinação, enquanto o diário governista O Paiz defendia a idéia com unhas e dentes. Logo, não se falava em outra coisa no Rio. Os representantes dos trabalhadores não concordavam com a nova lei, que, entre outras coisas, exigia o atestado de vacina para conseguir emprego, e criaram a Liga Contra a Vacina Obrigatória, que em poucos dias arregimentou mais de 2 mil pessoas.

Não é difícil entender por que o povo ficou contra a vacina. Pela lei, os agentes de saúde tinham o direito de invadir as casas, levantar os braços ou pernas das pessoas, fosse homem ou mulher, e, com uma espécie de estilete (não era uma seringa como as de hoje), aplicar a substância. Para alguns, isso era uma invasão de privacidade – e, na sociedade de 100 anos atrás, um atentado ao pudor. Os homens não queriam sair de casa para trabalhar, sabendo que suas esposas e filhas seriam visitadas por desconhecidos.

E tem mais: pouca gente acreditava que a vacina funcionava. A maioria achava, ao contrário, que ela podia infectar quem a tomasse. O pior é que isso acontecia. “A vacina não era tão eficaz como hoje”, diz Sidney.

Com a população descontente, a imprensa colocando fogo e os políticos protestando, uma hora a revolta ia tomar as ruas. Pronto, agora podemos voltar para aquela manhã de novembro.

Quebra-quebra

Quando deixamos 1904, policiais e a população trocavam tiros e pauladas pelas ruas do centro da cidade. O corre-corre foi grande a multidão se dispersou, deixando o centro para se reunir mais além, nos bairros populares. Naquele 13 de novembro, houve confusão no Méier, Engenho de Dentro e Andaraí. Vinte e duas pessoas foram presas.

Mas o pior estava por vir. No dia seguinte, logo cedo, grupos aparentemente desarticulados vindos dos bairros rumaram para o Centro. No caminho viraram bondes, derrubaram postes de iluminação, reuniram entulho no meio das ruas e se prepararam para enfrentar a polícia. No bairro da Saúde, próximo ao porto, a barricada reuniu 2 mil pessoas, segundo relato do Jornal do Commercio, que chamou o lugar de “Porto Arthur”, em alusão a um forte na Manchúria, onde japoneses e russos travavam uma sangrenta batalha. Liderados entre outros por Horácio José da Silva, o Prata Preta (leia quadro ao lado), os defensores de Porto Arthur estavam armados com revólveres e navalhas. Alguns marcharam com armas nos ombros e se espalhou que tinham até um canhão. Por três dias conseguiram repelir a polícia, mas no dia 16 o Exército, apoiado por tropas de São Paulo e Minas Gerais, invadiu o local, numa ação que contou ainda com bombardeios da Marinha. O suposto canhão era um poste deitado sobre uma carroça.

No dia 14, enquanto o pau ainda comia nas ruas, a confusão chegou aos quartéis. O esforço conspiratório que duraria o dia todo começou logo cedo. O senador Lauro Sodré e o deputado Alfredo Varela reuniram-se no Clube Militar com a cúpula dos militares. No entanto, o ministro da Guerra, marechal Argollo, conseguiu melar o encontro e mandou todo mundo para casa. À noite, uma parte dos conspiradores tentou tomar a Escola Preparatória do Realengo, mas não conseguiu. Outro grupo, liderado pelo próprio Sodré, invadiu a Escola Militar da Praia Vermelha e convenceu cerca de 300 cadetes comandados pelos generais Silva Travassos e Olímpio Silveira a marcharem rumo ao Palácio do Catete. Lá, deram de cara com cerca de 2 mil homens leais ao governo. Houve tiroteio, Lauro Sodré desapareceu, mas o general Travassos foi ferido e preso.

Saldo da quartelada: três golpistas mortos e 32 soldados feridos.

Nas ruas, a batalha só terminou no dia 23, quando o Exército tomou um dos últimos núcleos da revolta, o morro da Favela. Pelos cálculos do historiador José Murilo de Carvalho, durante toda a revolta foram detidas 945 pessoas, sendo que 461, todas com antecedentes criminais, foram deportadas para locais distantes como o Acre e Fernando de Noronha. Não há estatísticas oficiais, mas acredita-se que 23 pessoas tenham morrido, segundo as estimativas dos jornais da época, e pelo menos 67 ficaram feridas.

A vacinação obrigatória foi suspensa. Mas o governo manteve a exigência de atestado para casamentos, certidões, contratos de trabalho, matrículas em escolas públicas, viagens interestaduais e hospedagem em hotéis. Nem todos esses cuidados, no entanto, impediram um novo surto de varíola. Em 1908, quando a cidade do Rio de Janeiro registrou quase 10 mil casos, o povo fez fila, voluntariamente, para se vacinar.
O médico da vacina

Oswaldo Cruz introduziuos conceitos da saúde pública no Brasil

Oswaldo Cruz não foi apenas um médico e sanitarista brilhante. O fundador da saúde pública no Brasil era um entusiasta das artes e da escrita, e chegou a ser membro da Academia Brasileira de Letras. No Rio de Janeiro do início do século, era comum encontrá-lo nas estréias teatrais, nos saraus e em outras manifestações culturais. Mas sua maior paixão eram os micróbios, que ele conheceu enquanto cursava a Faculdade de Medicina, no Rio de Janeiro. Logo após se casar com sua namorada de infância Emília, com quem teve seis filhos, Oswaldo fez as malas, e se mudou para Paris, para estudar microbiologia no prestigiado Instituto Louis Pasteur. Estava aberto o caminho para uma carreira brilhante, que até poucos anos antes ninguém poderia imaginar. Afinal, Oswaldo saíra de uma pequena cidade do interior de São Paulo, São Luís do Paraitinga, onde nasceu a 5 de agosto de 1872, esperando no máximo ganhar dignamente seu sustento ao se mudar para a capital.

Mal sabia ele que ao colocar novamente os pés no Brasil seria chamado para uma importante missão: diagnosticar a misteriosa doença que, em 1899, atingiu a cidade de Santos. Junto com outros dois médicos célebres, Adolfo Lutz e Vital Brasil, integrou a comissão que identificou a peste bubônica, transmitida por ratos, como a causadora das estranhas mortes. Daí para o reconhecimento nacional foi um passo. Quando o barão de Pedro Afonso resolveu criar o Instituto Soroterápico do Rio de Janeiro, a direção pediu uma indicação ao Instituto Pasteur, que prontamente deu o nome de Oswaldo Cruz. Poucos anos depois, ao ser convocado pelo prefeito Pereira Passos para erradicar as epidemias na capital, em 1903, o sanitarista se tornaria um dos personagens mais importantes do último século, simplesmente o criador da saúde pública brasileira.

Oswaldo Cruz reorganizou todo o serviço de saúde no Rio de Janeiro. “Ele estabeleceu a conjugação de esforços, pela primeira vez, entre os serviços de higiene municipais e federais, unificando a saúde no Brasil”, diz o sociólogo Nilson do Rosário Costa. Depois de vencer as epidemias de febre amarela e varíola na capital, foi convocado para combater as sucessivas epidemias de malária na Amazônia nos anos 10, entre 1912 e 1915, quando a extração da borracha atraiu milhares de brasileiros para a região. Lá, lançou uma ampla campanha de controle sanitário, que acabou não dando os efeitos desejados. Infelizmente, fracassou em sua última grande cruzada a favor da saúde pública.

Celso Miranda

Fonte: historia.abril.com.br
Revolta da Vacina

Oswaldo Cruz queria livrar o Rio de Janeiro da varíola, mas na primeira campanha de vacinação, há 100 anos, a cidade virou um campo de batalha.


Oswaldo Cruz

Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de “a mais terrível das revoltas populares da República”.

O cenário era desolador: bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos — tudo feito por uma massa de 3000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. E o personagem principal, o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.

A oposição política, ao sentir a insatisfação popular, tratou de canalizá-la para um plano arquitetado tempos antes: a derrubada do presidente da República Rodrigues Alves. Mas os próprios insufladores da revolta perderam a liderança dos rebeldes e o movimento tomou rumos próprios. Em meio a todo o conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo era restaurar as bases militares dos primeiros anos da República.


Rodrigues Alves, presidente do Brasil de 15 de novembro de 1902 até 15 de novembro de 1906

A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada, como queria Rodrigues Alves. Hoje, a varíola está extinta no mundo todo. E a Organização Mundial da Saúde, da ONU, discute a destruição dos últimos exemplares do vírus da doença, ainda mantidos em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia.

Rodrigues Alves assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, sob um clima de desconfiança e com um programa de governo que consistia basicamente de dois pontos: modernizar o porto e remodelar a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital: doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola.

A futura “Cidade Maravilhosa” era, então, pestilenta. Segundo a oligarquia paulista do café, de quem Rodrigues Alves era representante, além de vergonha nacional, as condições sanitárias do Rio impediam a chegada de investimentos, maquinaria e mão-de-obra estrangeira. O projeto sanitário deveria ser executado a qualquer preçoPassos, como prefeito, e o médico.

Rodrigues Alves nomeia, então, dois assistentes, com poderes quase ditatoriais: o engenheiro Pereira sanitarista Oswaldo Cruzliberdade de ação e eu exterminarei a , como chefe da Diretoria de Saúde Pública.

Cruz assume o cargo em março de 1903: “Dêem-me febre amarela dentro de três anos”. O sanitarista cumpriu o prometido.

Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca de 600 edifícios e casas, para abrir a avenida Central (hoje, Rio Branco). A ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da população mais pobre a se mudar para os morros e a periferia.

A campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica correu bem. Mas o método de combate à febre amarela, que invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi bem sucedida. Batizadas pela imprensa de “Código de Torturas”, as medidas desagradaram também alguns positivistas, que reclamavam da quebra dos direitos individuais. Eles sequer acreditavam que as doenças fossem provocadas por micróbios.

Jacobinos e florianistas, que já articulavam um golpe contra o presidente Rodrigues Alves, perceberam que poderiam canalizar a insatisfação popular em favor de sua causa: a derrubada do governo, acusado de privilegiar os fazendeiros e cafeicultores paulistas.

No dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar a lei da vacinação. Preparado pelo próprio Oswaldo Cruz – que tinha pouquíssima sensibilidade política -, o projeto de regulamentação sai cheio de medidas autoritárias. O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua publicação, começam as agitações no centro da cidade.

Financiados pelos monarquistas — que apostavam na desordem como um meio de voltar à cena política —, jacobinos e florianistas usam os jornais para passar à população suas idéias conspiradoras, por artigos e charges. Armam um golpe de Estado, a ser desencadeado durante o desfile militar de 15 de novembro. Era uma tentativa de retornar aos militares o papel que desempenharam no início da República. Mas, com a cidade em clima de terror, a parada militar foi cancelada. Lauro Sodré e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola Militar cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o palácio do Catete.

O confronto com as tropas governamentais resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores. O governo reforça a guarda do palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a Marinha bombardeara a Escola Militar, na madrugada anterior. No dia 16, o governo revoga a obrigatoriedade da vacina, mas continuam os conflitos isolados, nos bairros da Gamboa e da Saúde. Dia 20, a rebelião está esmagada e a tentativa de golpe, frustrada. Começa na cidade a operação “limpeza”, com cerca de 1000 detidos e 460 deportados.

Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da vacina, permanece válida a exigência do atestado de vacinação para trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas, hospedagem em hotéis.

Em 1904, cerca de 3 500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois, esse número caía para nove. Em 1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para cerca de 6 550 casos, mas em 1910 é registrada uma única vítima. A cidade estava, enfim, reformada e livre do nome de “túmulo dos estrangeiros”.

Cerca de quinze tipos de moléstia faziam vítimas no Rio do início do século. As principais, que já atingiam proporções epidêmicas, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas havia também sarampo, tuberculose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra, entre outras.


O vírus da varíola

Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou um esquadrão especial de 50 homens vacinados que percorriam a cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo. Criou o cargo de “comprador de ratos”, funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300 réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses animais as transmissoras da doença.

Em 1881, o médico cubano Carlos Finlay havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata como o transmissor da febre amarela. Cruz, então, criou as chamadas “brigadas mata-mosquitos”, que invadiam as casas para desinfecção. No primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110 000 visitas domiciliares e interditados 626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em hospitais.

Mesmo sob insatisfação popular, a campanha deu bons resultados. As mortes que em 1902 chegavam a cerca de 1 000, baixaram para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada, na cidade do Rio de Janeiro, mais nenhuma vítima da febre amarela.

Em 1907, de volta de uma exposição na Alemanha, onde fora premiado por sua obra de combate às doenças, Cruz sente os primeiros sintomas da sífilis.

Envelheceu rapidamente: aos 30 anos, tinha já cabelos brancos. A sífilis causou-lhe insuficiência renal. Mais tarde surgiram problemas psíquicos. Os delírios se intensificaram e conta-se que muitas vezes foi visto à noite, vagando solitariamente pelas dependências do Instituto Manguinhos, que ele próprio ajudara a projetar, em 1903, e que receberia o nome de Instituto Oswaldo Cruz em 1908.

Em 1916 foi nomeado prefeito de Petrópolis. A cidade, envolvida em disputas políticas, não recebe bem a nomeação. Oswaldo Cruz morreu, em 11 de fevereiro de 1917, com uma passeata de protesto em frente à sua casa.

Fonte: www.cdcc.sc.usp.br


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