
Sócio-diretor na Tawil Comunicação
Enquanto o prefeito de São Paulo, João Dória, e a Justiça paulista travam uma guerra particular pela internação compulsiva de dependentes químicos na Cracolândia, no centro de São Paulo, enquanto os 1.800 usuários desgraçados pelo crack seguem perambulando sem destino ou perspectiva pela cidade, enquanto as famílias devastadas pela pedra mantêm seu eterno compasso de espera por pais, irmãos, filhos e netos, as drogas fazem um estrago silencioso e profundo em outro campo: o mercado de trabalho.
Psicopedagoga clínica e institucional, formadora e conselheira em dependência química, a carioca Kátia Rumbelsperger passou os últimos 20 anos aprofundando-se no tema, com ênfase na Pedagogia Empresarial e Educação na Área das Toxicomanias. Ao ver considerações dela sobre o tema aqui no LinkedIn, pedi para entrevistá-la.

Kátia gentilmente aceitou o meu convite:
Quando e por que decidiu estudar e trabalhar junto a dependentes e suas famílias?
O início do trabalho começou nos salões de beleza da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, em 1998. Eu atendia muitos colaboradores usuários de álcool, cigarro, maconha e crack no próprio estabelecimento. Depois, com o apoio do subprefeito da época, Rodrigo Bethlem, o ponto de encontro passou ser no auditório da Subprefeitura na Barra da Tijuca. Não era um projeto político, mas sim uma tentativa de resgatar vidas. Na época, eram cerca de 60 a 80 pessoas que frequentavam o trabalho. Destas, 22 se envolveram no tratamento, sendo que oito largaram as drogas até hoje.
Estatística pela OIT indica que 20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas intoxicadas que machucam a si mesmas e os outros.
O uso de drogas no trabalho é um problema de saúde pública?
Evidente que sim! Conforme o cálculo do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), o Brasil perde por ano US$ 19 bilhões (R$ 70 bilhões) por absenteísmo, acidentes e enfermidades pelo uso de álcool e outras drogas. O IBGE relata que 75 mil adolescentes fumam maconha e 15 mil usam crack no Brasil. A Organização Mundial da Saúde informa que 70% dos indivíduos que têm problemas de abuso de álcool e 63% utilizam outras drogas estão empregados – o que não causa surpresa.
Este consumo engloba drogas ilícitas e lícitas?
Sim, as lícitas são álcool e tabaco, sendo o álcool a principal droga em termos de consumo e efeitos nocivos nos quadros de abuso e dependência. E há os medicamentos com potencial de causar prejuízo à saúde, quando utilizados sem prescrição médica, como “calmantes”, “rebites”, “xaropes” e “remédios para dormir e emagrecer”. Segundo o Instituto Brasileiro de Estudos Toxicológicos e Farmacológicos de São Paulo, nas empresas prevalece o uso da maconha (40% a 50%) e cocaína (20% a 30%).
Que sinais o profissional envolvido com a droga no ambiente de trabalho emitem?
Os sinais mais frequentes, que afetam todas as idades, classes econômicas e esferas sociais, são:
- Aumento do absenteísmo (faltas)
- Atrasos constantes
- Ausência do local de trabalho durante o expediente
- Acidentes pessoais e de trabalho
- Falta do desejo de aprender
- Conflitos e atritos com os colegas
- Padrões de vida precários
- Danos ao patrimônio da empresa pela avaria em equipamentos e perda de material
- Custos com demissões
- Procrastinação
- Licenças médicas
- Rotatividades da mão de obra
- Drogas partilhadas e traficadas durante o expediente
- Comprometimento da produtividade
- Comprometimento da imagem da empresa perante aos clientes, aos próprios colaboradores e comunidade em geral etc.
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O uso de drogas dentro do ambiente de trabalho, em horário de serviço, existe?
É mito e crença acreditar que o colaborador, ao entrar na empresa, deve se despir ou esquecer seus problemas e preocupações em casa. Hoje não se encontra mais respaldo ou lógica para tal falácia. Somos indivíduos e temos nossas esquisitices, necessidades e desejos. Portanto, é comum o uso da droga dentro do ambiente de trabalho.
Bebida é droga?
Sim! É classificada como um depressor, ou seja, desacelera as funções vitais, resultando em fala ininteligível, movimentos oscilantes, percepções alteradas e uma incapacidade para reagir rapidamente. A forma como o álcool afeta a mente é por meio da redução da capacidade que a pessoa tem para raciocinar. Distorce seu discernimento. Uma overdose de álcool provoca efeitos depressores muito graves.
Como o gestor ou RH da empresa, mesmo sem saber de casos pontuais, pode atenuar o problema?
O fator de risco no ambiente de trabalho é a disponibilidade de bebidas alcoólicas dentro ou fora do mesmo espaço físico. É necessário implantar uma política realista – e não idealista – para abordagem do tema e das necessidades dos indivíduos. A política de prevenção da empresa deve ser redesenhada em ações possíveis de serem executadas, e não somente atrelada aos recursos financeiros disponíveis. Depende do reconhecimento, por parte dos dirigentes, líderes e dos colaboradores da empresa ou instituição de ensino, de que o consumo de drogas existe e pode afetar ou não a produtividade, a segurança, emocional e as relações interpessoais no trabalho.
“No Brasil, menos de 5% das empresas têm algum tipo de programa de prevenção. Nos Estados Unidos, Canadá, França e Inglaterra, esse índice chega a 90%, mostrando claro senso de responsabilidade social.” (Cremesp).
Como abordo um colega que está passando por uma situação dessas?
Existem alguns modelos para abordagem do trabalhador usuário ou dependente de drogas, com pessoas preparadas. Vale se informar melhor antes de faze-lo. Mas, se for abordar, nunca em público, seja direto e claro: “Ontem eu vi você fumando maconha, ou bebendo demais, e eu estava com medo e preocupado”. “Eu não vou com você enquanto está usando ou sob influência das drogas”. “Eu quero e tenho desejo de ajudar você a largar o vício, eu conheço alguns lugares, eu acompanharei você nesses encontros”. É desenhar um novo projeto de vida.
Nas suas andanças, houve quem trabalhasse normalmente usando drogas?
Particularmente, não conheço quem exerça com primazia o trabalho do dia-a-dia usando drogas. Não é possível uma pessoa desenvolver com qualidade um trabalho, pois são pessoas com baixa autoestima, depressivas, dificuldades de aprender e comunicação. Geralmente são mentirosas e dissimuladoras. O vício atrapalha a contratação e não mantém o colaborador nas empresas e instituições. Ele perde seu espaço no mercado de trabalho, pois não tem o poder de concentração nas atividades. Fica doente com maior facilidade e produz menos.
A ação da Prefeitura paulistana na Cracolândia está correta?
Sou a favor da internação compulsória, principalmente, de indivíduos que residem nas ruas. Sou leiga no assunto do que aconteceu em São Paulo, na Cracolândia. É necessário saber se houve realmente um planejamento, se os órgãos públicos e secretarias foram acionados, se houve uma equipe multidisciplinar no planejamento... Não podemos exercer uma opinião com clareza somente lendo ou assistindo vídeos. Entrei em contato com a Prefeitura de São Paulo para melhor esclarecimento, fui bem atendida e indicaram o link abaixo para melhor avaliação:
Deixo para os leitores que façam suas observações responsáveis e sem julgamento precoce.
Um usuário pesado e prolongado de crack consegue voltar ao mercado de trabalho?
Em geral, sim. Mas vai depender do quadro clínico. A presença da família e amigos é importante durante todo o processo de tratamento. É fundamental na etapa de reinserção social do ex-usuário de crack ele aprender lidar com resiliência e superação. Na reinserção social, deve-se evitar o isolamento do usuário.
Por tudo que você viu e ouviu nos últimos 20 anos, o que as famílias e os dependentes químicos mais desejam?
A família deseja a cura total do paciente. Os dependentes desejam sair do vício, mas infelizmente não conseguem e não encontram ajuda pública. Desejam um tratamento digno e a reinserção social como critério de melhora. Desejam restaurar seus valores afetados, com apoio da família e equipe técnica. Desejam uma maneira nova de pensar e viver. Voltar ao trabalho e voltar a estudar são os seus sonhos principais.
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Marc Tawil
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