Temporada de outono sob efeitos da estiagem

 


A falta de chuva trouxe prejuízos às pastagens destinadas à alimentação do gado de corte no RS

por Patrícia Feiten

Período emblemático no calendário da agropecuária no Rio Grande do Sul, a chamada temporada de outono de remates e feiras começou, neste ano, estremecida pelos danos da estiagem. Pelo segundo ano consecutivo, a estiagem não apenas chorou a safra de grãos de verão, como também prejudicou o desenvolvimento de pastagens e restringiu a oferta de água para os animais. Mesmo após o regresso da chuva aos campos gaúchos, produtores, leiloeiros e analistas do setor projetam que os eventos programados para os meses de abril e podem ser marcados por uma menor oferta de bovinos e preços inferiores aos cultivos no outono passado.

“A perspectiva é que provocou uma redução no número de leilões, muitos negócios diretos entre compradores e vendedores, uso de aplicativos para distribuição de gado. Enfim, todos buscando reduzir os custos de transação e melhorar a eficiência de seus negócios”, resume o professor Julio Barcellos, coordenador do  Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com dados do NESPro, o valor médio do quilo vivo do terneiro no Estado oscila atualmente entre R$ 10,00 e R$ 11,00, mais de 30% abaixo das cotações do mesmo período do ano passado. O ágio (sobrepreço médio) da arroba do terneiro em relação à arroba do boi gordo é de 10% a 15%, frente ao percentual de 30% do início do outono passado.

Assim como a melhoria nas condições climáticas, a retomada das exportações de carne bovina para a China desde março, após uma suspensão temporária motivada pelo registro de um caso de Encefalopatia Espongiforme Bovina(EEB), o mal da vaca louca, no Pará, cria um quadro promissor dentro da porteira para os negócios nesta temporada, avaliando Barcellos. “O terneiro, hoje, não está valorizado, mas o cenário futuro para o preço do boi no segundo semestre e, principalmente, em 2024 é muito positivo”, estima. Segundo o professor, no caso do Rio Grande do Sul, a economia de bois gordos para o abatimento deve criar uma expectativa muito mais favorável para os preços nos próximos 60 dias. “Esse 'sinal', de certa forma, estimula aquele que vende bovinos para abater a repor esse gado com terneiros comprados neste outono”, explica Barcellos.

O coordenador da Comissão de Exposições, Feiras e Remates da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul(Farsul), Francisco Schardong, observa que a última estiagem comprometeu mais a qualidade dos rebanhos do que a seca do ano passado. “Mas as feiras têm aquele compromisso (com o produtor) e vão sair”, ressalta Schardong. A Farsul é uma das entidades organizadoras da Fenasul/Expoleite 2023, que ocorre de 17 a 21 de maio, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, e também apresenta bovinos de corte. Schardong lembra que, com a crise hídrica – e seu impacto no bolso do produtor –, muitos pecuaristas optaram pelo desmame precoce dos animais jovens e os disponibilizaram para venda nos primeiros meses do ano. “Isso desfalcou bastante os plantéis. Talvez as vaquilhonas sejam um ponto mais alto (nos leilões de outono) que os próprios terneiros e terneiras”, destaca o dirigente. 

Para o presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais e Empresas de Leilão Rural do Rio Grande do Sul (Sindiler/RS), Fábio Crespo, a palavra-chave deste outono é liquidez. “Os leilões estão vendendo 100%, acho que neste momento isso é o que mais importa. Projeto uma temporada boa dentro do que é possível”, afirma Crespo, com base nos resultados dos primeiros remates da temporada. Entre os fatores que favorecem os negócios no período, o leiloeiro cita a alta resiliência dos animais produzidos no Rio Grande do Sul, especialmente na Fronteira Oeste do Estado. “É um gado muito resistente, impressionante. Sofreu com a seca e já melhorou, está se recuperando. Esse gado vai (se adaptado) a qualquer lugar do Brasil”, diz.

A grande demanda de pecuaristas de Santa Catarina e do Paraná pelos bovinos gaúchos também ajuda a manter o mercado aquecido, inclusive no segmento de alta genética, segundo o presidente do Sindiller/RS. Um exemplo do que ocorreu na temporada de primavera, o outono vem sendo caracterizado pela negociação antecipada de produtores, tanto touros quanto fêmeas. “Muitos produtores da metade Norte do Estado estão entourando no inverno, bem mais cedo, e têm a oportunidade de comprar antes desse animal. Em Santa Catarina e no Paraná, (ocorre) a mesma coisa”, afirma Crespo.

O diretor da Trajano Silva Remates, Marcelo Silva, vê com preocupação o cenário atual de preços da pecuária e seus reflexos nos leilões. Embora acredite que a queda tenha atingido um limite, ele não prevê melhora em curto prazo. “De uma maneira geral, acho que podemos voltar a trabalhar com o terneiro na casa dos R$ 10,00 - R$ 11,00 e a vaca de invernar, na casa dos R$ 10,00. No gado gordo, não acredito que haja muita alteração”, diz. 

Silva observa que, apesar de ter atingido uma maior parte do território gaúcho, a estimativa de 2022 foi menos longa que a verificada no último verão. Segundo o leiloeiro, todas as categorias de animais oferecidas nesta temporada estão com peso 30% inferior ao patamar de anos acima à seca, e os pecuaristas que não amargaram tantos prejuízos com a safra de verão tendem a “segurar” o gado no campo. “Nos leilões, o número de animais oferecidos tem sido menor. O outono vai ser um momento de transição, em que os valores talvez melhorem um pouquinho, mas nunca como os do ano passado, na mesma época. Vamos ter de esperar até a primavera para que haja uma alta substancial”, avalia o leiloeiro.

Correio do Povo

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