Desde 2015, 1,6 milhão de venezuelanos saíram do país com destino ao Brasil, Peru, Equador e Argentina
Venezuelanos chegando ao Equador | Foto: Cris Bouroncle / AFP / CP
A
Venezuela tem assistido a um êxodo maciço da sua população que foge da
pobreza, da hiperinflação, da falta de serviços públicos e da escassez
de bens de primeira necessidade. A AFP procura revelar como o país
chegou a esta situação e seu impacto não apenas na Venezuela, mas em
toda a América do Sul.
Qual a magnitude da migração venezuelana?
Segundo
a ONU, 1,6 milhão de venezuelanos se deslocaram pela região desde 2015,
quando as consequências da crise começaram a ser sentidas no país. A
organização aponta que 2,3 milhões de venezuelanos vivem no exterior,
embora outras fontes indiquem números superiores. O think tank da
Universidade Central da Venezuela, que analisa a diáspora, diz que 3,8
milhões de pessoas deixaram o país desde que o revolucionário socialista Hugo Chávez chegou ao poder em 1998.
O
sociólogo venezuelano Tomás Páez assegura que entre 10 e 12% de seus
concidadãos vivem fora da Venezuela, distribuídos em mais de 90 países.
Tradicionalmente, a maioria está na Colômbia, nos Estados Unidos e na
Espanha, mas o Peru tem visto desde 2015 o fluxo migratório de
venezuelanos multiplicar por 150. Como a maioria viaja a pé, a jornada
é dolorosa através de um continente de 17,8 milhões de quilômetros
quadrados. Muitos acabam dormindo em acampamentos improvisados ou nas
ruas, vivendo de doações de alimentos e ganhando algum dinheiro
limpando parabrisas de carros nos semáforos.
Como se chegou a esta situação?
Tudo começou com a eleição de Chávez como presidente, segundo Páez, mas se acelerou quando Nicolás Maduro assumiu o poder em 2013.
A excessiva dependência da Venezuela de suas vastas reservas de
petróleo - 96% de sua receita vem do petróleo - significou um problema
com o colapso do preço do petróleo em 2014, causando uma escassez de
moeda. A resposta do governo foi imprimir mais dinheiro, causando um
aumento exponencial da inflação e quatro anos de recessão. Páez afirma
que a "insegurança" e o "repúdio" de não ser dono da própria vida são
os principais fatores que levaram os venezuelanos a fugir de seu país.
E acrescenta: com a "deterioração econômica... a terrível escassez e o
valor do bolívar", a situação se tornou "uma crise humanitária".
Como afeta a Venezuela?
Inicialmente,
o país sofreu uma fuga de cérebros e de capitais. "No início, a
migração foi de pessoas com dinheiro e uma educação universitária",
explica Alfonso Uannucci, que possui um site que divulga testemunhos da
diáspora venezuelana em todo o mundo. Tomas Pérez Bravo, do think tank,
afirma que não existe um único tipo de pessoa que abandona o país. "Os
pobres estão saindo porque agora todos são pobres". E eles estão
fugindo a pé "não porque não são químicos, sociólogos ou engenheiros",
mas porque "levaria 30 anos para economizar para comprar uma passagem
de avião". Carlos Malamud, analista da América Latina no Real Instituto
Elcano de Madri, assegura que o êxodo é um estratagema deliberadamente
orquestrado por Maduro, "que usa a migração como uma arma política
contra a oposição".
Foto: Cris Bouroncle / AFP / CP
Como afeta a região?
Iannucci diz que "a avalanche de venezuelanos colapsou" cidades fronteiriças que não estavam preparadas para tal fluxo, como Paracaima e Boa Vista,
no estado de Roraima. Os migrantes venezuelanos foram responsabilizados
por um aumento da criminalidade e por competir por empregos e leitos
hospitalares, o que levou uma gangue a incendiar os acampamentos de migrantes e
persegui-los até o outro lado da fronteira. "Estamos perto da quebra",
afirma o secretário do Governo de Roraima, Marcelo Lopes.
Iannucci
acredita que as coisas vão piorar: "Esta é apenas a ponta do iceberg".
No entanto, o impacto não é totalmente negativo e os países que
hospedam venezuelanos também podem colher benefícios, afirma Pérez
Bravo. "Na Argentina dizem que os que chegaram são jovens,
empreendedores e bem qualificados". "Quase 60% dos médicos que se
candidatam a empregos no Chile são venezuelanos". Peru e Equador
anunciaram restrições no controle de suas fronteiras antes de
flexibilizá-las. O Equador pediu uma reunião dos 13 países da América
Latina no próximo mês, enquanto a ONU se prepara para formar uma equipe
especial para assegurar a coordenação regional para responder à crise.
Como comparar a outras migrações?
Em termos quantitativos, a migração de venezuelanos já superou o êxodo de cubanos depois da revolução de Fidel Castro que
derrubou o ditador Fulgencio Batista. Cerca de 1,4 milhão de cubanos
deixaram a ilha para os Estados Unidos, enquanto outros 300 mil foram
para a América Latina, Caribe e Europa, segundo o Instituto de Política
Migratória com sede em Washington. Mas esse êxodo aconteceu ao longo de
seis décadas, não em quatro anos. A maioria dos cubanos foi para os
Estados Unidos, mas "as sociedades latino-americanas não estão
preparadas para essa magnitude de chegadas". O êxodo venezuelano "é uma
crise profunda". "Esse fenômeno pode ser comparado à crise de
refugiados na Síria", ele enfatiza. Segundo a ONU, 5,6 milhões de
sírios deixaram o país, enquanto outros 6,6 milhões se deslocaram
dentro do território nos sete anos e meio da guerra civil.
AFP e Correio do Povo
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