Estado adiposo e ineficiente

Resultado de imagem para Estado adiposo e ineficientePor Antonio Delfim Netto


Para fatos, não há "exegese criativa". Felizmente, eles são imunes à "enrolação" semiótica. O desastre fiscal, ao qual submeteu a economia brasileira o "voluntarismo" que orientou a política econômica a partir de 2012, mostrou a sua cara feia a partir de 2014, quando entramos em recessão. Ela pode ser resumida a um número: entre 2014 e 2017, as despesas da União com salário, Previdência e assistência social cresceram, em termos reais, à taxa de 3% ao ano, enquanto o PIB encolhia 2,2% ao ano. Sua participação nas despesas gerais do Tesouro cresceram de 63% para nada menos do que 68%. Foram as únicas despesas que cresceram em termos reais e levaram o investimento público à extinção! A generosa aposentadoria da alta burocracia federal é parte do núcleo duro do desarranjo fiscal. Ela vem reduzindo o papel do Estado como supridor de bens públicos: segurança, saúde, educação, infraestrutura, saneamento etc. O ajuste do setor público é feito cortando os serviços públicos, que devem atender à sociedade, para pagar o funcionalismo e sua aposentadoria. Necessitamos de um Estado forte, enxuto e eficiente regulador Há algum tempo, o desarranjo tem sido enfrentado pelo aumento da carga tributária, mas quando se instalou a recessão, em 2014, a deterioração da receita foi rápida e passamos a financiar o déficit invertendo o superávit primário médio de 2,2% do PIB (que sustentava a relação dívida bruta/PIB relativamente constante em torno de 56%) para um déficit primário da mesma ordem, registrando um preocupante aumento da relação dívida bruta/PIB. Ela saltou para cerca de 76% em 2017, um aumento médio de 11% ao ano. Sem uma resposta rápida e urgente, continuará a crescer até que a sociedade se decida a não financiá-la pelo risco de um "calote" e, aí, teremos a volta da hiperinflação... A mitigação dos aumentos reais de salários do alto funcionalismo público e a reforma da Previdência são medidas de justiça social, além de serem uma necessidade aritmética, por uma simples e boa razão: quando a soma das partes é maior que o todo, alguma coisa tem que ser espremida. É isso que é preciso esclarecer à sociedade perplexa com a conflagração produzida por uma esperta questão semântica, que defende "interesse" sob a forma de "ideologia". Sugerir a necessidade de recuperar um razoável equilíbrio fiscal para utilizá-lo nos momentos de queda da demanda global é coisa da "direita" (reacionária). Afirmar que o equilíbrio virá "naturalmente" quando o crescimento voltar é coisa da "esquerda" (progressista). O fato curioso é que essa "esquerda" é prisioneira da mais vulgar "gozação" que os economistas fazem entre si. Três náufragos - um físico, um químico e um economista - encontram-se numa ilha deserta. Esfomeados, encontram uma lata de feijão trazida pela maré e planejam como abri-la. O químico sugere fazer uma fogueira e esquentá-la até que a pressão a exploda, mas isso faria voar também o conteúdo. O físico propõe bater com uma pedra para abri-la, mas nada garante que não haja desperdício. O economista resolveu o problema: "suponham que temos um abridor de latas"... É isso aí, diz o "progressista". "Suponhamos que o país cresça 4% ao ano". Tudo será resolvido sem essa confusão de cortar despesas ou aumentar os impostos e, melhor, sem sacrifícios. Basta "supor" que o crescimento robusto, inclusivo e sustentável voltou. Só os "reacionários" acreditam que: 1) a volta do crescimento depende do aumento da produtividade do trabalho, que é promovido pelo aumento dos bens de produção colocados à disposição de cada trabalhador e isso depende do investimento líquido da sociedade; e 2) há de haver harmonia entre o consumo e o investimento, como provam as experiências de todas as nações bem-sucedidas. Só um idiota reacionário pode acreditar que o desenvolvimento econômico (um fenômeno termodinâmico) não possa ser obtido com suficiente vontade "política" acompanhada de boa dose de macumba... O laxismo administrativo posterior à crise de 2009, que superamos bastante bem, alimentado pela ilusão de que a descoberta do pré-sal eliminaria todas as restrições físicas que sempre condicionaram nosso crescimento, arruinou não apenas as finanças da União, mas estimulou (com seu aval), o descontrole das finanças estaduais e municipais. O Estado de Minas Gerais, por exemplo, dissipa nada menos do que 79% de sua receita líquida com gastos com pessoal. É por isso que ele não tem a menor condição de suprir os bens públicos de que sua população necessita. Ele existe para o seu funcionalismo. Não tem nada a ver com as necessidades dos mineiros! O que necessitamos é de um Estado forte, enxuto e eficiente regulador, ele mesmo regulado constitucionalmente. O que temos hoje é o seu antípoda: adiposo, ineficiente, péssimo regulador e frequentemente propenso ao abuso de poder. É hora de enfrentá-lo!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras E-mail: ideias.consult@uol.com.br


Valor Econômico e GS Notícias

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