É
muito difícil dizer como seriam as coisas, em qualquer situação,
se não tivessem andado como andaram. Esse é o tipo de análise que
quase ninguém se aventura a fazer. A atual situação cubana,
contudo, pode ser comparada com sua situação anterior à revolução.
A propaganda comunista cuidou de transmitir, por todos os modos, a
ideia de que Cuba de 1959, era o Haiti de hoje, piorada pela
degradação moral decorrente da prostituição e dos cassinos. Cuba
seria, então, o “bordel dos estados Unidos”.
No
entanto, em 1958, Cuba
despontava entre os mais prósperos países da América Latina,
ocupando a quinta posição, depois da Argentina, Chile, Uruguai e
Porto Rico.
No contexto mundial, estava entre as
22 nações mais desenvolvidas e o ingresso por capita dos cubanos,
em 1953, era igual ao dos italianos. Aliás, os registros da
embaixada da Itália em Cuba anotaram a manifestação de 11 mil
agricultores italianos que desejavam, em 1959, imigrar para o país.
Oitenta
por cento da população cubana estava alfabetizada e esse
percentual, para a época, era muito alto em comparação com o
restante do continente.
Estudo de um
professor da Universidade de Stanford mostra que no período entre
1953 e 1958 o padrão de vida da sociedade cubana estava situado nos
mesmos níveis dos estados sulinos dos EUA.
No ano de 1958,
aliás, Cuba produzia 13,5 MWh anuais per capita, o que a situava em
25º lugar no mundo e em primeiro lugar na América Latina.
Atualmente, tem menos de 5 MWh per capta.
Ao contrário do que a desinformação
pela via da propaganda comprada com dinheiro ou contaminada pela
ideologia acabou por tornar consensual, era descrente a influência
do capital norte-americano na economia do país. Segundo Carlos
Alberto Montaner, o cubano que se tornou o maior perito sobre Cuba
fora da Ilha depois de padecer longo aprisionamento, a influência
norte-americana começou a declinar a partir de 1930, de tal forma
que em 1958 os cubanos controlavam duas terças partes da indústria
nacional e detinham o controle de 61% da banca privada, contra apenas
23% em 1939. O que havia era um forte intercâmbio comercial entre
duas nações tão próximas: cuba importava dos EUA dois terços de
suas necessidades e exportava para lá um outro tanto de suas
disponibilidades totais.
Desde
que os soviéticos chegaram até o ano de 1991, Cuba andou de lado,
como dizem os operadores de mercado. Sua economia conseguia atender
às necessidades básicas da população, sem qualquer espaço para o
supérfluo e com uma rigorosa contenção de dispêndios familiares.
Os recursos financeiros eram amplamente controlados pelo Estado, que
se apropriava da totalidade da renda nacional e distribuía à
população dentro dos padrões habituais das economias comunistas:
pouco a cada um e racionamento permanente, enquanto o patrão estatal
ficava com toda a “mais valia” eventualmente criada para, com
ela, investiu em controle sobre a sociedade, propaganda externa e
interna, apoio militar a guerrilhas e revoluções noutros países, e
também em educação e saúde.
“Hay que
sacrificasse, pero sin perder la paciencia jamás”,
diziam os cubanos se pudessem. E o sacrifício inclui a possibilidade
de ler, sem reagir, documentos como um relatório do Banco Central de
Cuba com que tropecei na Internet sobre La
economia cubana em el periodo especial 1990-2000.
Ali está escrito, com todas as letras, na página quatro, numa
sequência de itens com que o BCC procura caracterizar a situação
anterior a 1959, entre outros disparates, estas duas pérolas: havia
“um deterioro de su comercio exterior, sin perspectivas de
recuperación a mediano plazo, por la ausencia de uma estrategia
coherente de inversiones destinadas a la ampliación y
diversificación de los bienes exportables”; e “la ausencia de
una politica de desarollo”. Ler coisas desse tipo quando se sabe o
que se passou em Cuba com seus planos de desenvolvimento é um
desafio à tolerância...
Quando
Che Guevara assumiu este mesmo Banco Central que produziu o relatório
citado acima, pretendeu, a exemplo a China, dar um salto para a
frente, através da diversificação. Mas o empresariado cubano havia
mudado de ares e idioma.
Faltava
talento empreendedor na Ilha.
Nesse momento, Fidel Castro propôs à URSS transformar Cuba no
açucareiro do Leste Europeu. Khrushchev consentiu e solicitou o
fornecimento de 13 milhões de toneladas anuais. A estas alturas
Fidel já havia estatizado tudo e convocou o povo para um novo
sacrifício (pero sin perder la pacienci, jamás): arrancar não os
13 milhões, mas 10 milhões de toneladas ( a produção cubana,
àquelas alturas, já tinha desabado para três ou quatro milhões de
toneladas). Todo mundo parou com o que estava fazendo e foi para o
campo; suspenderam-se as aulas; recrutaram-se voluntários entre os
simpatizantes da América Latina (muitos brasileiros foram suar ao
sol dos canaviais da Ilha por puro amor ao regime e seus barbudos). A
produção bateu em pouco mais de sete milhões de toneladas e o
resto da economia meteu os pés no fundo do poço, pois ninguém
havia feito outra coisa durante um ano inteiro. Era a safra de
1969-1970. O salto para a frente resultou num recuo descomunal e
Fidel obrigou-se a ir à televisão proclamar ao povo que a culpa era
toda dele. Ele vem errando sem cessar, mas são os outros que pagam,
sempre, a conta de seus erros. Dessa vez, ao menos, a culpa foi dele
e não dos Yankees, nem dos gusanos, nem da “máfia
cubano-americana de Miami”.
Cuba
é um notável exemplo de que o modelo de economia centralizada,
estatizada, conduz a um absoluto fracasso de renda e não consegue
gerar mais do que miséria e opressão. Não há um só exemplo na
história do século XX que contradiga essa afirmação.
Cuba evidencia, também, o fato de que não basta educação e saúde
para que um país progrida. É preciso, entre outras coisas na esfera
política, um sistema que conceda liberdade aos agentes econômicos.
No final dos anos 80, quando Cuba alcançou seus melhores índices
sociais (se levantarmos em conta apenas os critérios de mortalidade
infantil no primeiro ano de vida, seis óbitos por 100 habitantes, e
uma expectativa de vida superior a 75 anos),
os cubanos continuavam pobres e o país permanecia atrasado, sem
condições de repor quase nada do que tinha 40 anos antes. O
comunismo, de fato, freou o país.
A prova disso foi dada a 90 milhas de
distância pelos próprios cubanos. Existem hoje nos Estados Unidos
40 mil empresas constituídas por exilados e o patrimônio que
constituíram nesse período é muitas vezes superior ao total das
inversões norte-americanas realizadas em Cuba antes de 1959. Tal
fato configura uma situação realmente paradoxal. Fidel tomou para
si os bens materiais norte-americanos na Ilha e Cuba ficou na
miséria; os cubanos que abandonaram o país geraram, no exílio, uma
riqueza muitas vezes superior à que os Estados Unidos haviam perdido
com as desapropriações feitas pela revolução. A Bacardi, hoje com
sede nas Bahamas, é certamente a mais importante empresa cubana fora
de Cuba. Vale bilhões de dólares. O produto econômico dos dois
milhões de cubanos no exílio é superior ao PIB da Ilha.
Não
fossem os soviéticos, Cuba teria entrado no século XXI numa
situação tão miserável quanto a da Somália.
Essa previsão se apoia no descomunal subsídio despejado pela URSS,
estimado em algo como cinco ou seis bilhões de dólares anuais (o
valor a que se chega capitalizando isso ano a ano, durante três
décadas, é astronômico para uma economia pequena como a cubana). E
se apoia, também, no desastre que aconteceu com o fim da União
Soviética e a saída dos russos, quando a economia, em apenas quatro
anos, encolheu mais de 30%.
No
período de 2002-2003 a produção cubana de açúcar foi tão
pequena que Fidel se obrigou a importar o produto de várias fontes
para atender à demanda interna. E a safra de açúcar pra 2003-2004
está estimada em torno de dois milhões de toneladas. O comando da
economia descobriu que o custo da ineficiência de seu sistema estava
fazendo que o país gastasse para industrializar o açúcar mais do
que arrecadava vendendo. Produziu-se, então, uma drástica redução
das plantas sucateadas e antieconômicas e reduziu-se a área
plantada apenas aos solos em que a lavoura se evidencia mais
produtiva.
Cuba depende internamente de petróleo
importado para gerar energia. O país não tem cursos d'água que lhe
proporcionem energia hidroelétrica, nem carvão nem produção
própria de petróleo. Durante 30 anos, os soviéticos lhe garantiram
o suprimento a preços e volumes vantajosos, permitindo-lhe exportar
e beneficiar-se desse excedente. Depois, foi o caos energético. Com
a Venezuela soba a presidência de seu discípulo Hugo Chávez, Fidel
voltou a ter um fornecedor certo, a preços reduzidos, e ante a
necessidade de divisas voltou à prática de manter o racionamento
interno firmado entre Cuba e Venezuela chegou ao conhecimento da
opinião pública venezuelana, houve protestos em Caracas, levando
Chávez a esclarecer que a diferença entre os preços praticados com
Cuba seriam cobertos por prestação de serviços na área de saúde
pública.
As principais fontes de receita
cubana, para compor um quadro de aproximadamente quatro bilhões de
dólares anuais, se compõem das remessas feitas “a los que tienem
fé” (familiar nos Estados Unidos, como se viu); da venda de ativos
para empreendedores estrangeiros, especialmente nos setores de
tabaco, hotéis e mineração; de créditos de governos estrangeiros
de esquerda (Brasil entre eles) e do turismo. O açúcar, conforme se
expôs anteriormente, mudou-se para a coluna das importações e o
café sumiu. A rigor, como expressão econômica efetiva, deduzidos
os donativos, a Ilha se aproxima de meio século de revolução
dependendo quase exclusivamente do turismo. A exportação de bens
situa-se na faixa dos 1,6 bilhão de dólares, depois de ter chegado
a cinco bilhões nos anos 80. A produção de cítricos (surpresa!)
não andou como era esperado e a exploração de frutos do mar
(surpresa!) encontra-se estagnada há quase 20 anos. E como era em
1958? Pois é. Antes da revolução, Cuba exportava 700 milhões de
dólares, valor que convertido para os dias de hoje corresponde a 4,5
bilhões.
O turismo foi adotado por Fidel como
saída para o labirinto de incompetência em que se meteu com sua
economia estatizada, centralizada e planificada. Ao abrir a Ilha a
essa atividade antes reprimida para evitar a contaminação
ideológica de seus súditos, Fidel viu o fluxo de turistas saltar de
uns poucos milhares para mais de dois milhões em 2003. O número de
hotéis classificados em quatro e cinco estrelas, nos últimos 12
anos, subiu de 17 para quase uma centena e o país saltou do vigésimo
terceiro para o oitavo lugar entre os destinos turísticos do
continente. Note-se que uma quarta parte desses turistas são
canadenses e apenas 4% são norte-americanos.
O “Custo Fidel é incalculável.
Tecnicamente, Cuba está numa situação econômica inferior à de
antes da revolução. Não fora a birra antiamericana, a adesão ao
comunismo, com todas as danosas consequências, e o ingresso na
órbita soviética, não seria descabido imaginar que o turismo,
sozinho, poderia sustentar o país num nível de consumo bem superior
ao atual (quando já representa, segundo informações do próprio
Ministério do Turismo, 40% do ingresso de divisas). Se o Canadá,
com uma população quase dez vezes que a dos Estados Unidos,
precisando atravessar esse país para chegar a Cuba, despeja meio
milhão de turistas por ano, fica fácil imaginar o número de
yankees que lá desembarcariam se as circunstâncias fossem outras. A
proximidade com os Estados Unidos deveria ser o grande ativo da
economia cubana.
Tudo
somado (talvez fosse melhor dizer inferido), as contas cubanas, em
dólares, ficam assim: a) turismo: dois bilhões; b) vendas de bens e
serviços: 1,6 bilhão; c) ajuda a familiares oriundas do exterior:
um bilhão (que não apareceu nas contas nacionais oficiais); d)
inversões estrangeiras em bens nacionais: meio bilhão. Total: cinco
bilhões. Para manter a Ilha no padrão atual de pobreza, o governo
cubano precisa fazer compras no exterior num valor anual mínimo de
seis bilhões de dólares. Mas esses dados, repito, são inferidos.
Os números reais só são conhecidos por Fidel Castro e por pequena
porção da elite nacional.
Fidel é pessoalmente responsável
pelos crimes políticos e pela pobreza de Cuba, cuja população faz
dura experiência de sujeição a um poder totalitário para cuja
estabilidade muito convém mantê-la sob um regime de carência
permanente e total dependência econômica do governo e suas
miseráveis rações alimentares de 300 gramas.
Percival
Puggina no livro Cuba
– A Tragédia da Utopia
(2004). Página 115 à 122.
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