Eles eram
plantadores e moedores de cana, derrubadores de mata e semeadores de
mudas, eram vaqueiros, remeiros, percadores, mineiros e lavradores;
eram artífices, caldeeiros, marceneiros, ferreiros, pedreiros e
oleiros; eram domésticos e pajens, guarda-costas, capangas e
capitães de mato; feitores capazes e até carrascos de outros
negros. Estavam em todos os lugares: nas cidades, nas lavouras, nas
vilas, na mata, nas senzalas, nos portos, nos mercados, nos palácios.
Carregavam baús, caixas, cestas, caixotes, lenha, cana, quitutes,
ouro e pedras, terra e dejetos. Também transportavam cadeirinhas,
redes e liteiras onde, sentados ou deitados, seus senhores passeavam
(ou até viajavam). Eles eram, de acordo com o jesuíta Antomil, “as
mãos e os pés dos senhores de engenho”.
Mas, no
Brasil, os escravos foram ainda mais do que isso: foram os olhos e os
braços dos dono de minas; foram os pastores dos rebanhos e as bestas
de carga; foram os ombros, as costas e as pernas que fizeram o país
andar. Foram o ventre que gerou imensa população mestiça e o seio
que amontou os filhos dos senhores. Deixaram uma herança profunda:
500 anos de história, o Brasil teve três séculos e meio de regime
escravocrata contra apenas um de trabalho livre.
Que
consequências teve esse legado? Onde começa e para onde conduzir?
Quais suas origens? Já houve quem arriscasse uma explicação: “Se
há um povo dado à preguiça, sem ser o português, então não sei
eu onde ele exista... Esta gente tudo prefere suportar a aprender uma
profissão qualquer”, escreveu Nicolau Clenardo em 1502. É
elucidativo que, em Portugal, o verbo “mourejar” tivesse se
tornado sinônimo de “trabalhar”. Se no reino era assim, pior
ficou no trópico.
Em 1808,
ao visitar o Brasil, John Luccock, um inglês, comentou que, no país,
os brancos se sentiam “fidalgos demais para trabalhar em público”.
Meio século depois, Thomas Ewbank, também britânico, dizia que, na
colônia, “um jovem preferiria morrer de fome a abraçar uma
profissão manual”. Segundo ele, a escravidão tornara “o
trabalho desonroso – resultado superlativamente mau, pois inverte a
ordem natural e destrói-a harmonia da civilização”. As críticas
não eram fleuma britânica: para Luís Vilhena, luso que ensinava
grego na Bahia, o país era o “berço da preguiça”.
Em pleno
alvorecer do segundo milênio, o Brasil ainda parece comungar da tese
segundo a qual trabalho é escravidão. Por quanto tempo, nesses
tristes trópicos, liberdade será sinônimo do ócio e inatividade?
Fonte:
História do Brasil (1996), página 77.
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