por Érica Fraga

Em 2000, renda no Brasil era 9% maior que a média mundial; neste ano, deve ser 19% abaixo da média
A crise econômica causada pelo novo coronavírus deverá acelerar o empobrecimento do brasileiro em relação à média da população mundial, iniciado em 2015.
Segundo dados da consultoria britânica EIU (Economist Intelligence Unit), a renda per capita do Brasil recuará de US$ 16.670, no ano passado, para US$ 15.910, em 2020.
Esses valores são aferidos em paridade do poder de compra (PPC), medida que considera e nivela as diferenças nos custos de vida dos países para permitir comparações internacionais.
Se a projeção da consultoria se confirmar, a renda média do brasileiro encerrará este ano 18,6% abaixo da média mundial, que deverá cair para US$ 19.550, um pouco abaixo dos US$ 19.730 registrados
no ano passado.
no ano passado.
A diferença reflete uma forte reversão ocorrida nos últimos anos. Em 2000, a renda per capita do Brasil (em PPC) era 9% superior à do cidadão global médio. Essa vantagem relativa se manteve
—ora maior, ora menor— até 2014, quando teve início uma das mais severas recessões da história do país.
—ora maior, ora menor— até 2014, quando teve início uma das mais severas recessões da história do país.
A crise colocou o Brasil em uma espiral de empobrecimento tanto absoluto —a renda per capita em reais caiu— quanto relativo, levando o poder aquisitivo de países diversos, como China, Costa Rica, Botsuana e Iraque, a ultrapassar o do brasileiro.
A lenta retomada da economia a partir de 2017 não foi suficiente para alterar esse processo de distanciamento entre a renda brasileira e a de outros países, e, com a crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19, a situação tende a piorar.
A EIU, braço do grupo que publica a revista The Economist, foi uma das primeiras a reduzir, drasticamente, sua projeção para o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, após a eclosão do coronavírus. A consultoria espera uma contração de 5,5% da atividade econômica do país neste ano.
Logo em seguida, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) também ajustaram significativamente suas estimativas. As duas instituições multilaterais projetam recuos de 5% e 5,3%, respectivamente, do PIB brasileiro em 2020.
Entre os analistas brasileiros, as projeções, compiladas pelo Banco Central, vêm se deteriorando semana após semana e, atualmente, indicam uma recessão de 3,3%.
“Esse foi um golpe terrível justamente quando o Brasil parecia se levantar de novo e caminhar para um crescimento superior a 2% de forma mais sustentável”, diz Robert Wood, economista-chefe da EIU para a América Latina.
Ele destaca que, embora o cenário do país ainda fosse frágil, o desemprego vinha caindo lentamente e havia alguma perspectiva de reformas estruturais, como a tributária, apesar do ruído político.
Agora, afirma o analista, o Brasil terá algum poder de fogo para mitigar o efeito da pandemia, mas não tanto quanto outros países.
“Por isso, o sofrimento, particularmente dos mais pobres, será mais severo no Brasil”, diz Wood.
“E há o desafio extra de implementar os programas de assistência anunciados,
como os vouchers [de R$ 600] para os mais vulneráveis, em um contexto de alta informalidade e fraquezas institucionais”, completa ele.
como os vouchers [de R$ 600] para os mais vulneráveis, em um contexto de alta informalidade e fraquezas institucionais”, completa ele.
No primeiro trimestre do ano, 1,218 milhão de pessoas ficaram desempregadas
—dois terços deles atuavam na informalidade—, levando a taxa de desocupação a subir para 12,2%, segundo o IBGE.
—dois terços deles atuavam na informalidade—, levando a taxa de desocupação a subir para 12,2%, segundo o IBGE.
De acordo com Wood, o cenário brasileiro é complicado também pela falta de consenso e coordenação em relação às medidas de afastamento social contra a Covid-19.
“Isso é algo problemático, que não tem sido tão visto em outros países onde há maior unidade de propósito, incluindo até os Estados Unidos”, afirma o especialista.
A fraqueza anterior da economia brasileira, somada à turbulência institucional recente e à falta de coordenação nas respostas à pandemia, pode agravar a crise econômica.
A queda de 5,5% esperada pela EIU para o Brasil é mais do que o dobro da contração de 2,5% projetada para a economia global.
Isso contribuirá para aumentar o crescente hiato de renda que separa o Brasil da média mundial e de outros emergentes, como a China.
Segundo a consultoria britânica, apesar de sofrer uma forte desaceleração, a atividade econômica no país asiático encerrará 2020 com uma pequena expansão de 1%.
Com isso, o poder aquisitivo do brasileiro (em PPC) ficará quase 30% abaixo do chinês neste ano. Essa distância representa uma mudança brutal em relação ao verificado no início da década de 1980, quando a renda per capita brasileira era 15 vezes maior do que a chinesa.
Segundo o economista Samuel Pessôa, mesmo se considerados apenas os últimos anos, o distanciamento entre os dois países foi significativo. Isso porque o PIB per capita chinês (em PPC) atingiu o mesmo nível que o brasileiro apenas em 2016.
“Essa abertura de quase 30% de diferença em apenas quatro anos é muito grande”, diz ele, que é colunista da Folha e pesquisador do Ibre-FGV.
“Isso é fruto da nossa tragédia e do desempenho espetacular da China”, afirma.
O economista ressalta que há limites para a replicação das políticas adotadas no país asiático, que vive sob um regime autoritário, em nações democráticas, como o Brasil.
“Eles têm atrasado o processo de urbanização e, portanto, o crescimento desordenado das cidades, porque restringem a mobilidade das pessoas”, cita o economista.
No entanto, há aspectos reproduzíveis do desenvolvimento de países asiáticos, como a valorização da educação e a preocupação com a poupança.
“Nesses países, não há servidores públicos com renda como a do Brasil, não tem criança não estudando, o consumo é mais moderado e as famílias têm reservas”, diz.
Na América Latina, alguns desses fatores que conduzem ao crescimento não são tão presentes como na Ásia. No Brasil, tanto a taxa de poupança quanto a de investimento estão, há anos, estagnados em patamares muito baixo e a qualidade da educação permanece baixa.
Mas, de acordo com Pessôa, há países na região que têm conseguido melhor desempenho relativo, como Chile, Colômbia e Peru.
Para analistas, o fato de o Brasil ter sido atingido pela pandemia com a economia ainda desequilibrada poderá complicar o cenário de recuperação do país mais do que o de outras nações.
Wood, da EIU, diz que uma de suas preocupações é o impacto negativo que o inevitável aumento da já elevada dívida pública brasileira terá sobre as finanças do governo.
Outra é o risco de que muitas pequenas e médias empresas sejam afetadas de forma permanente e acabem falindo. Esses dois fatores, diz o analista, limitarão o potencial de crescimento do Brasil nos próximos anos.
De acordo com especialistas, seria positivo se os efeitos devastadores da crise criassem ímpeto para a realização de reformas necessárias que vinham sendo discutidas antes da pandemia, como a tributária.
“Há frentes nas quais podemos avançar, como aumentar os impostos pagos por profissionais de renda alta que atuam como PJs [pessoas jurídicas]”, afirma Pessôa.
Wood acrescenta que, após a pandemia, os investidores observarão o avanço do Brasil em sua agenda de reformas. Mas, para ele, a proximidade do ciclo eleitoral de 2022 e o cenário político conturbado tornam as perspectivas de progresso nessa frente mais sombrias.
Fonte: Folha Online - 03/05/2020 e SOS Consumidor
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