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Uma surpresa para Andy Warhol, por Ana Cecília Romeu

O norte-americano Andy Warhol – artista plástico, cineasta e o principal representante do movimento estético denominado Pop Art – proferiu a frase que se tornou mundialmente conhecida: “No futuro todos serão famosos durante 15 minutos”.
No que tange à arte, em específico aos artistas, sua sentença ainda não se materializou. A sociedade atual parece correr em contramão a tudo o que provoca, faz pensar, abstrai e invoca a poesia interior. Pouco se lê e menos ainda se frequentam exposições artísticas ou se vai ao teatro. Por outro lado, se Warhol, hoje, pudesse ver a próprios olhos o que acontece nas redes sociais da Internet se sentiria um profeta.
A Internet e toda a sua gama de “engenhocas virtuais”, aplicativos disso e daquilo e, em especial, o on-line como um ser tão superior e necessário de onipresença que se chega a pedir em oração que não fique em off, abreviaram o caminho que se apresentava em forma de labirinto, e qualquer pessoa se faz celebridade por 15 minutos ou mais. Famosos a´te a próxima postagem. E os meios de produção de massa absorveram esse novo alguém, o “homem-selfie”.
O homem-selfie que reverencia e sacraliza on-line num rito de exposição de momentos íntimos, cenários, do tal jantar romântico como quem diz à voz alta que é amado, porém não reflete na banalização do sentimento. Há coisas que pertencem ao silêncio, as mais belas não precisam ser ditas, nem expostas; apenas sentidas como tudo o que está na essência e que a memória eterniza sem registros à procura de aceitação pública.
O grande compositor Cazuza dizia na sua música “Codinome Beija Flor”: “Eu protegi teu nome por amor/ Em um codinome, Beija Flor”. E assim nos contava de uma história privada. Que hoje, na ânsia pela fama, o homem-selfie não leva em conta. O muro invisível que divide o que é público do que é privado caiu, e não se preserva nem que é secreto. E há um tanto que é apenas nosso.
O que Warhol não previa é que haveria um forte canal para disseminar nosso Pavão interior e ocultar o Beija Flor que Cazuza tanto queria proteger. Que mundo estaria ao nosso alcance num clique, mas nos cobraria a paranoia da popularidade.
Saudades de você, Cazuza, que nos cantou ao pé do ouvido: “Não responda nunca, meu amor/ Pra qualquer um na rua, Beija Flor”.

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Fonte: Correio do Povo, edição de 8 de julho de 2015, página 2.

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