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O Romance da Inconfidência

Publicadas entre julho de 1788 e fevereiro de 1789, as Cartas Chilenas marcam o início da luta dos poetas de Vila Rica contra os desmandos da colônia. Agrupados sob a denominação geral de Escola Mineira, os poetas inconfidentes eram três – todos membros da elite local e homens que tinham lucrado muito com o ouro e com a ordem estabelecida, a qual só passaram a contestar a partir do instante em que deixaram de ser favorecidos por ela. Aos três poetas que mais tarde seriam presos devem-se juntar ainda Silva Alvarenga (autor de Glaura, de 1799), Basílio da Gama (autor do poema épico O Uruguai, de 1769) e Santa Rita Durão (autor de Caramuru, de 1781). Dentre os poetas inconfidentes, o menos fulgurante foi o coronel Inácio José Alvarenga Peixoto. Nascido no Rio, em 1744, Alvarenga Peixoto era um advogado que virou minerador. Foi autor de apenas 30 poemas e não deixou livro publicado. Partiu dele a sugestão de incluir na bandeira da Inconfidência um trecho de uma écloga de Virgílio: Libertas quae sera tamen (“Liberdade ainda que tardia”). Os dois outros poetas inconfidentes eram homens de gênio, autores de obras profícuas e deusas. Como Silva Alvarenga, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga faziam uma poesia influenciada pelo bucolismo: uma exaltação da vida campesina simples, com sua paisagem, seus pastores e seus rebanhos, de acordo com as normas ditadas pelos modelos greco-romanos. Era um arcadismo peculiar, no qual surgiram também certos traços do rococó e do pré-romantismo, matizados por dimensões nativistas e sátiras sociais. Porém, nos melhores momentos de sua obra – e eles são muitos – Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa, sem romper com os modelos neoclássicos, inovam e revelam um estilo luminoso, um lirismo comovente e o domínio pleno do soneto comoniano. Ambos podem ter sido revolucionários fracassados, mas foram também poetas maiores.
Cláudio Manuel da costa nasceu em Mariana em 1729. Estudou no Colégio dos Jesuítas, no Rio, e se formou em leis, em Coimbra. Advogado, minerador e fazendeiro de gado bovino e suíno, senhor de muitos escravos, logo se tornou um dos homens mais ricos de Minas.
Membro da Ordem de Cristo, seu prestígio era tal que foi secretário do governo entre 1762 e 1765, sendo depois reeleito para o período de 1769 a 1773. rico, influente, solteiro, dono de uma bela mansão, era figura respeitada e popular, que costumava reunir amigos e intelectuais em movimentados saraus. Como poeta, dominava a écogla (forma pastoral de poesia), a epístola (poema em forma de carta) e os poemas épicos. Tomás Antônio Gonzaga, ou Dirceu, nasceu no Porto, em 1744, mas veio com os pais para o Brasil aos oito anos. Estudou no Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Aos 16 anos, voltou para Portugal, onde, em 1768, se formou em Direito na Universidade de Coimbra. Ao retornar para o Brasil, foi nomeado ouvidor de Vila rica – e, como Cláudio Manuel da Costa, lucrou bastante com a política de vistas grossas do governador Rodrigo José de Meneses com o contrabando de ouro e diamantes. Tomás Antônio Gonzaga era discípulo poético de Cláudio Manuel da Costa e ambos eram centro de um grupo que reunia também o intendente de Vila Rica, Francisco Pires Bandeira, o contratante João Rodrigues de Macedo, o ex-ouvidor de São João del Rei, Alvarenga Peixoto, o comandante militar da capitania, Francisco Freire de Andrade, o cônego Luís Vieira da Silva, dono de uma das mais notáveis bibliotecas da colônia (cheia de livros “subversivos”) e os clérigos radicais Carlos Correia de Toledo, José da Silva e Oliveira Rolim. Foram esses advogados, juízes, magistrados, comerciantes, fazendeiras, emprestadores de dinheiro, padres, cônegos e membros de sociedades secretas e irmandades leigas que decidiram o poder colonial.

Marília de Dirceu

Escrito por Tomás Antônio Gonzaga durante sua prisão no Rio, em 1789, Marília de Dirceu é um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa. Foi dedicado à jovem Maria Dorotéia de Seixas Brandão, de 16 anos, por quem o poeta, de 43 anos, se apaixonou e com quem iria casar se não tivesse sido preso. Enviado para 10 anos de degredo na África, em 1792, Tomás Antônio Gonzaga nunca mais varia sua amada. Mas parece não ter sofrido com a ausência dela: casou-se com Juliana de Sousa Mascarenhas, mulher “de muitas posses e poucas letras”, da família mais opulenta de Moçambique, enriquecida pelo tráfico de escravos, ao qual o poeta passou a se dedicar, integrando-se à “melhor sociedade” local. Rico e ocioso, Tomás Antônio Gonzaga ficou em Moçambique até morrer, em 1810. “Marília de Dirceu” foi publicado em Lisboa, com grande sucesso, em 1799.


Fonte: História do Brasil (1996), página 85.  

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