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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Saneamento básico é urgente, escreve Paulo Hartung

É urgente discutir novo marco legal

Viés político não pode ser 1 óbice

Capital privado é uma possível saída

Construção de rede de esgoto em Ceilândia (DF). No Brasil, quase 100 milhões de cidadãos não têm coleta de esgoto em suas moradiasTony Winston/Agência Brasília

PAULO HARTUNG
17.out.2019 (quinta-feira) - 5h50

É incompreensível, mas em pleno 2019 o Brasil ainda enfrenta problemas que já eram diagnosticados desde o século passado. A falta de saneamento básico vem se fixando à história do país e trazendo graves consequências. A população sente na pele os efeitos de doenças como malária, leptospirose, dengue, cólera, entre outras.

O Estado assiste ao aumento de internações, agravando tanto o mal-estar no dia a dia dos brasileiros quanto a insuficiência de recursos para uma saúde pública crescentemente debilitada. De acordo com os dados mais atualizados do Painel Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil, as despesas com internações por doenças de veiculação hídrica chegam a R$ 98 bilhões anuais.

Engana-se quem pensa que este é um tema presente somente em áreas mais carentes. Os rios Pinheiros e Tietê, que cortam a cidade de São Paulo e passam por áreas nobres do município, estão mortos. São bilhões de litros de esgoto não tratados despejados nesses mananciais, tornando-os propagadores de doenças. Este, inclusive, é um caso que se repete em capitais e grandes municípios País afora.

Atualmente, são 35 milhões de brasileiros que vivem sem acesso a água tratada. Mas não é tudo: de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), são quase 100 milhões de cidadãos sem coleta de esgoto em suas moradias.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6, da ONU, cita que a meta é, até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos. O Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2014, previa que isso ocorresse até 2033.  No ritmo em que o Brasil anda, isto só será possível depois de 2060. Mas nós não temos esse tempo. Este é um problema que precisa ser resolvido de maneira urgente.

Uma das soluções é estimular que o capital privado seja aplicado neste segmento. Na Alemanha, por exemplo, isto já é realidade e boa parte dos serviços de saneamento está nas mãos de empresas especializadas no assunto. Não precisamos ir tão longe. Nossos vizinhos chilenos, que contam com cobertura de quase 100% de abastecimento de água tratada e de esgoto, têm participação de 94% da iniciativa privada.

Na verdade, nem precisamos sair do Brasil. No Espírito Santo, implementamos parcerias público-privadas como política de expansão de saneamento na Região Metropolitana de Vitória. Ao final de nossos mandatos, 3 dos municípios capixabas mais populosos (Serra, Vila Velha e Cariacica) já tinham sido alcançados, dois em plena execução de parcerias e um com modelagem de licitação pronta.

Mas, mesmo diante de um desafio tão grande, é possível olhar essa questão sob uma perspectiva de oportunidades. Aqui se fala de geração de emprego e renda. Isso porque, para captação, tratamento e distribuição de água, bem como para utilização de uma rede de esgoto, é necessário construir uma infraestrutura adequada. Com essas obras e serviços, podem ser criadas milhares de chances de trabalho em todas as regiões.

Para se ter uma ideia de como o enfrentamento efetivo desse desafio movimentaria a economia, segundo deputado federal Geninho Zuliani, relator do projeto de lei que estabelece novas regras para o saneamento básico no Brasil, o país necessita de cerca R$ 600 bilhões para resolver o problema. Em um momento de profunda crise fiscal de municípios, Estados e União, o aporte de capital privado mostra-se uma saída viável, conforme salientamos.

Mas, se entendemos o saneamento em seu sentido mais amplo, como salubridade ambiental, como oferta de condições favoráveis e propícias à saúde, é preciso ir além, com um olhar especial também à questão dos resíduos sólidos. A indústria de papel é um exemplo, pois reutiliza 68% de tudo o que produz no país.

Entretanto, ainda há o que aperfeiçoar em políticas públicas nessa área. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é uma importante ferramenta, que prevê responsabilidades a fabricantes, distribuidores, comerciantes, municípios e cidadãos, com relação ao pós-consumo. A união e mobilização desses elos da cadeia é um movimento de suma importância, configurando-se um desafio e tanto.

Cidadãos precisam ser capacitados a colocar em prática a separação correta de materiais, como, por exemplo, não misturar ao lixo comum uma caixa de remédio ou da embalagem de bombom. Os municípios, por sua vez, têm de se preparar. Apenas 1.227 das 5.570 cidades brasileiras executam programas de coleta seletiva. Segundo estudo realizado pela Associação Brasileira Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 29 milhões de toneladas de resíduos não foram coletadas ou foram descartados de forma inadequada, como em lixões, em 2017.

Os lixões, aliás, continuam presentes em milhares de cidades brasileiras, sem sistemas necessários para proteção do solo, das águas e do entorno. Indo além, o problema se torna ainda mais grave com a queima de lixo que libera uma série de gases, como o enxofre, que é extremamente prejudicial à saúde.

Por tudo isso, a discussão na Câmara dos Deputados sobre novo Marco Legal do Saneamento tem de ser pautada pela urgência. Com uma boa regulamentação, é possível destravar investimentos privados, sem os quais nos manteremos como uma nação que, presa a padrões medievais de salubridade, em vez de promover a saúde e o bem-estar, produz doentes e déficits inaceitáveis de cidadania. As obras de infraestrutura, ao mesmo tempo em que aceleram nossa corrida contra o tempo na universalização deste direito básico, geram empregos e renda, fundamentais para desenvolvimento do país.

Assim, o viés político, de oposição ou de situação, não pode impedir a ocorrência de debates com a racionalidade requerida pelo enfrentamento de um tema tão delicado e impactante ao bem-estar de nossa sociedade, hoje e no futuro. Se queremos colocar um ponto final nessa mancha histórica de descuido inaceitável com o saneamento, que vem causando doenças, mortes e tanto mal-estar aos brasileiros de sucessivas gerações, é preciso agir com presteza, sim, mas, ao mesmo tempo, com absoluto senso de realidade e efetividade. Temos que dar um basta nessa insanidade nacional, com seus graves prejuízos humanos, sociais, ambientais e econômicos.


Poder 360

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