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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Bolsonaro 2018 e Jânio 1960: o que faz sentido na comparação?

LUCAS BERLANZA

As vozes mais críticas ao presidente Jair Bolsonaro já vêm há algum tempo fazendo comparações entre ele e outras figuras do passado nacional. Alguns, ancorados na memória mais recente, associaram-no ao presidente Collor: um líder eleito para “caçar os corruptos e marajás” e desmontar os privilégios, por um partido pequeno, e que terminou, todos sabemos, tomando medidas absurdas como o confisco das poupanças e sofrendo um impeachment. Outros, porém, se voltam para Jânio Quadros, o presidente eleito em 1960, que também chegou ao poder com um discurso que apelava para a ideia de “varrer” os corruptos com sua vassoura e acabou renunciando.

Considero a segunda comparação mais interessante, porém não necessariamente pelas razões por que os críticos de Bolsonaro a fazem. É evidente que existem diferenças significativas entre os dois presidentes. Não imagino Bolsonaro querendo proibir o biquíni ou condecorando Che Guevara. Não imagino Jânio Quadros exaltando Brilhante Ustra ou dizendo que o regime militar foi a melhor época do país. Cada um tem suas características, qualidades e defeitos bastante peculiares. Entretanto, existem semelhanças em relação à disposição das peças em jogo que me parecem ajudar a iluminar algumas discussões contemporâneas, particularmente essa que vem sendo travada quanto ao papel dos liberais relativamente ao governo Bolsonaro.

Em 1960, o Brasil vivia o desgaste de uma oligarquia política, a oligarquia varguista, que dominava o país havia muito tempo, desde a ditadura de seu ícone maior. O governo JK findava sob torpedos da oposição udenista, de viés liberal conservador, por denúncias de corrupção na construção de Brasília – envolvendo, vejam só, empreiteiras – e por suas medidas inflacionárias e desenvolvimentistas, que deixaram as contas do país com sérios problemas.

A máquina do PSD (partido de Juscelino) estava exaurida sob esse impacto, indisposta a entrar “para valer” na disputa eleitoral de 1960 – que pela primeira vez deixaria de ser aquele evento tradicional que basicamente servia para carimbar a vitória do candidato varguista da vez. Os pessedistas estavam cansados de si mesmos; para Juscelino, era melhor deixar o trabalho duro nas costas de um opositor, para que depois ele pudesse retornar como o presidente “Bossa Nova” que governou em uma era de ouro e crescimento da economia.

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A oposição udenista ansiava por reformas – econômicas, federativas e principalmente eleitorais. Jamais, entretanto, conseguia se impor ao quadro reinante. Não havia perspectiva de que suas reformas avançassem, de que qualquer candidato udenista vencesse uma eleição. Mais do que isso, a UDN, especialmente o setor lacerdista, denunciava uma articulação entre os populistas dos diversos países da América Latina, pregação que era mais intensa quando o próprio Vargas era presidente, mas em que estava envolvido o nome de João Goulart, vice de JK.

Eis que surge um fenômeno de popularidade. Ao contrário de Bolsonaro, o paulista Jânio Quadros já tinha experiências positivas no Executivo para mostrar, mas isso era um ingrediente a mais no pacote que ofereceu. Ele se apresentou, depois de uma carreira como uma espécie de demagogo que passou pelo próprio PTB, como a antítese do sistema, aquele que romperia com a oligarquia, acabaria com os privilegiados e corruptos, não faria a política de costume e sim uma nova, diferente. Ele se torna um fenômeno de massa.

O que a UDN e os lacerdistas fazem? Cientes de que não podem vencer o fenômeno de massa e de que não têm ainda uma candidatura capaz de fazer algo sequer parecido com o que o janismo já fazia, acoplaram-se a ele. O raciocínio era simples: todos sabiam que Jânio Quadros não era um liberal, não era um udenista, não tinha a formação política deles. No entanto, das três opções, uma: Jânio poderia mudar de posição, apesar de lhe ser mais confortável combater “tudo que aí estava” – e o que “aí estava” era o varguismo – e se aliar aos inimigos; poderia vencer sozinho e tentar instaurar uma ditadura para governar sem os partidos; ou a UDN poderia se associar a ele, procurando oferecer uma base parlamentar e de governo, e tentar aproveitar sua popularidade e seu triunfo para finalmente levar adiante as reformas por que ansiava há décadas, mesmo sabendo que Jânio não era exatamente o mais perfeito exemplar do udenismo.

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Muito bem; acho que deu para perceber as semelhanças, não é? Muitos confrades liberais e sociais liberais têm dito que Bolsonaro não é um liberal e que os liberais que o apoiaram nas eleições de 2018 e que tentam pautar seu governo – por exemplo, enaltecendo os caminhos apresentados pelo ministério de Paulo Guedes – são como que coveiros da causa. Vejo de forma diferente – de uma forma que julgo mais modesta, consciente de que a política é a arte do possível.

Se não temos mais o PSD de Juscelino em sua aliança com o PTB de Jango, temos o lulopetismo. Se não temos a construção de Brasília, temos o Petrolão e a Lava Jato. Se não temos a aliança dos populistas latino-americanos… Opa, pera, temos sim, o Foro de São Paulo. Bolsonaro estava, sim, em 2018, na função de Jânio Quadros. Os liberais contemporâneos estavam na função dos udenistas de 1960. Que fazer?

Nunca acreditamos que Bolsonaro fosse um liberal ou que fosse o candidato dos nossos sonhos. Quem o proclama está atacando um espantalho. Ele, porém, foi quem se tornou uma espécie de fenômeno de massa e permitiu que certa pauta liberal se acoplasse à sua plataforma. Seu programa de governo, com a chegada de Paulo Guedes, englobava flexibilização de acesso a armas, privatizações, reforma do pacto federativo, abertura ao comércio exterior… Do outro lado, estava o PT. Ao contrário de 1960, havia dois turnos em 2018. No primeiro turno, havia outras opções, e sequer ressuscitarei a discussão quanto a elas e suas possibilidades de vitória. No segundo, era Bolsonaro ou Haddad. Que se deveria fazer? Manter neutralidade, fingir que esses aspectos não estavam no programa de Bolsonaro e pretender que sua plataforma era a mesma coisa que o retorno do lulopetismo que desgraçou o Brasil?

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Não existem milagres, nem somos clarividentes onipotentes. O liberal que apoiou Bolsonaro e prefere defender as reformas e programas mais liberais levados adiante por seu governo é um realista que trabalha com as perspectivas do possível. Jânio foi um desastre, não fez reforma alguma, renunciou e mergulhou o país em uma crise política que culminaria, anos depois, em um regime militar. Mesmo assim, a UDN não errou ao apoiá-lo, assim como quem apoiou Collor contra Lula não errou em 1989. Eram simplesmente as únicas alternativas reais.

Da mesma forma será se o governo Bolsonaro terminar em fracasso – sendo que, até o momento, há problemas e avanços, em doses oscilantes. Nada que justifique ver no presidente um messias divino, tampouco sentenciar que estamos no Quarto Reich e as reformas em tramitação são ilusões de ótica. Mesmo aqueles que anatematizam os liberais que estão no governo trabalhando pelas reformas por vezes se manifestam publicamente em apoio a essas mesmas reformas. Então vamos devagar com o andor antes de crucificarmos as opções que os outros adotam, diante das informações e possibilidades concretas que estão ao alcance. Ninguém controla a História; fizemos o que podíamos fazer, e sempre faremos o que podemos fazer. Somos míseros humanos e disso não podemos escapar; aquele que não “lavou as mãos” e tentou ou tenta fazer o melhor com as forças disponíveis está exercendo seu papel.


Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucas Berlanza é carioca, editor dos sites “Sentinela Lacerdista” e “Boletim da Liberdade” e autor do livro “Guia Bibliográfico da Nova Direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro”.


Instituto Liberal

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