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segunda-feira, 24 de junho de 2019

Felipe Moura Brasil: A suspeição seletiva

  • Por Felipe Moura Brasil

Pedro França/Agência SenadoSe defendi a legalidade de supostas conversas terceirizadas por Renan e Sarney com ministros do STF, por que não defenderia a das supostas conversas privadas de Moro com o procurador Deltan Dallagnol?

Renan Calheiros e José Sarney, em conversa gravada por Sérgio Machado, cogitaram os nomes do ex-ministro do STJ Cesar Asfor Rocha e do advogado Eduardo Ferrão como interlocutores supostamente capazes de acessar e tentar convencer o então ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, a evitar que o caso de Machado “descesse” do Supremo para as mãos do então juiz Sergio Moro, na primeira instância.

Comentei na ocasião que, “como ministros do STF vivem recebendo políticos”, “não é crime algum que políticos articulem contatos com eles em prol de seus interesses”, por mais indecentes que estes fossem.

Meu desprezo moral por Renan e Sarney não me fez criminalizar eventuais conversas privadas entre juristas e ministros, já que elas – chamadas de “embargos auriculares” – são tradição no Supremo, que, boa ou ruim, carece de regras mais específicas para ser alterada.

Se defendi a legalidade de supostas conversas terceirizadas por Renan e Sarney com ministros do STF, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot pedia a prisão de emedebistas pelos motivos errados, por que não defenderia a das supostas conversas privadas de Moro com o procurador Deltan Dallagnol, roubadas à Lava Jato com a invasão criminosa de aplicativos de mensagens, considerando ainda que Moro também conversava com advogados de réus, inclusive de Lula?

Só porque, de acordo com o suposto conteúdo divulgado sem ter sido submetido a uma perícia oficial, Moro sugere nota do Ministério Público Federal sobre evidentes contradições do “showzinho” do petista, que o então juiz nem sequer teria apontado quais foram? Só porque, questionado, ele teria citado a tendência(!) de indeferir um pedido? Só porque teria criticado uma procuradora – como fazia em público com o advogado de Lula, Cristiano Zanin – que atrapalhava a dinâmica da audiência? Só porque ele teria cumprido de modo informal o dever de repassar uma notícia-crime ao MPF?

Isto virou plantação de prova, por acaso? A participação de um juiz ainda na fase de investigação de processos complexos, que requer métodos especiais e agilidade, virou antecipação concreta de sentença, mérito ou prisão? Claro que não.

Devo ainda considerar ilegal a suposta “colaboração” ‪porque Moro e Deltan, sem interferir no trabalho da PF, teriam‬ tentado justamente conter o vazamento para a imprensa de uma lista (possivelmente apócrifa) de políticos suspeitos de receber propina da Odebrecht (dezenas dos quais nem haviam sido delatados ou investigados), temendo uma manobra de ministros do STF para tirar a Lava Jato de Curitiba e engavetar os inquéritos em Brasília, por causa do foro privilegiado?

‪Ora, que o suposto escândalo suscite o debate sobre a criação ou não de regras específicas sobre os futuros limites e formas admissíveis das conversas entre juízes de todas as esferas, advogados de réus e vítimas, bem como acusadores, é até saudável. Mas defender, em meio a ataques públicos perpetrados por autoridades poderosas, a operação que desvendou o maior esquema de corrupção da história e ajudar a garantir as condições que permitissem a prisão de réus eventualmente julgados corruptos, protegendo os cidadãos inocentes, era obrigação moral do então juiz. Isto nada tem a ver com perseguir réus específicos. Os que perseguem o ex-juiz para libertar os presos condenados é que o acusam da perseguição que praticam.‬

O atordoamento inicial provocado pela divulgação sensacionalista das supostas mensagens da autoridade mais popular do país é compreensível, mas – assim como Janot banalizou pedidos de prisão após as gravações de Machado – lulistas, opositores à Lava Jato e seus porta-vozes na imprensa querem banalizar pedidos de suspeição (com base em “provas” obtidas ilegalmente), a fim de anular processos e soltar corruptos condenados em várias instâncias.

A advogada constitucionalista Vera Chemin disse à Época: “Como há um costume de os magistrados, promotores e advogados se comunicarem durante a condução do processo, creio que em princípio aquela comunicação é útil (…). É oportuno lembrar que até os ministros do STF recebem advogados das partes em seus gabinetes.”

Foi o que lembrei, oportunamente, em 2016. Do mesmo modo, é oportuno lembrar, entre outros casos sem invasores nem gravadores para trazer à tona detalhes de eventuais conversas, que:

1. Ricardo Lewandowski, indicado por Lula ao STF, fatiou inconstitucionalmente a votação do impeachment em 2016, para salvar os direitos políticos de Dilma Rousseff, após acordão com Renan;

2. Gilmar Mendes e o então senador Aécio Neves, segundo relatório da Polícia Federal, trocaram ao menos 46 ligações de WhatsApp entre 16 de março e 13 de maio de 2017, uma delas em 25 de abril, mesmo dia em que Gilmar suspendeu, a pedido da defesa do tucano, um depoimento que Aécio iria prestar à PF;

3. O desembargador Rogério Favreto, filiado por 19 anos ao PT, tentou soltar Lula durante um plantão de fim de semana no TRF-4 (atropelando decisão colegiada do tribunal) após pedido feito providencialmente pelos deputados petistas Wadih Damous, Paulo Teixeira e Paulo Pimenta, cientes da propensão do plantonista.

Esses mesmos Lewandowski e Gilmar – além dos deputados petistas, claro – agora tentam emplacar a suspeição de Moro na Segunda Turma do STF (onde o voto decisivo será o de Celso de Mello) para soltar o criminoso Lula, condenado em três instâncias com base em provas legalmente obtidas que permanecem inalteradas.

O duplo padrão é todo deles.

* Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.


Jovem Pan

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