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domingo, 20 de setembro de 2015

Uma doença ainda negligenciada

Com 937 mil novos casos por ano no Brasil, a sífilis muitas vezes não é percebida, mas pode evoluir para estágio grave

Jéssica Mello

As doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) ainda seguem sendo uma preocupação de saúde pública. Não debatida com tanta frequência quanto a Aids e o HPV, a sífilis contabiliza 937 mil novos casos por ano no Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde. O elevado número tem preocupado especialistas. A doença teve uma redução nos diagnósticos na de´cada de 40, mas retoma o crescimento.

O ginecologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Paulo Naud afirma observar mais casos nos atendimentos em ambulatórios. “É uma doença silenciosa, pois os sintomas nem sempre são percebidos e, por serem momentâneos, as pessoas acham que não é nada importante”, alerta. O chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Conceição, Breno Riegel Santos, diagnostica muitos novos casos diariamente, em todos os níveis sociais. “Não tem uma causa clara para a retomada na frequência dos casos, mas é uma preocupação mundial que pode estar relacionada às múltiplas trocas de parceiros.”

A sífilis pode ser transmitida de uma pessoa para outra durante relações sexuais sem proteção, por transfusão de sangue contaminado ou por infecção do bebê pela mãe durante a gestação ou no parto. Causada pela bactéria treponema pallidum, a doença tem quatro estágios de evolução. No primeiro, a formação de feridas indolores pode não ser notada, pois geralmente si situam na genitália ou no colo do útero. Nos homens acaba sendo mais visível. Isso ocorre, em média, 21 dias depois do contágio e desaparece em quatro a seis semanas depois, mesmo sem tratamento. Por dois a seis meses, é possível que não haja nenhum sinal. De acordo com Naud, nesse primeiro sintoma, 70% não buscam tratamento.

Dos que não trataram os primeiros sintomas, 33% acabam manifestando o segundo estágio, com manchas no corpo, dores musculares, febre, dor de garganta e dificuldade de ingerir alimentos. Os efeitos podem ficar inativos novamente,, o que mascara necessidade de tratamento e a busca por m diagnóstico.

Até um terço dos portadores de bactérias acabam avançando para o estágio mais grave. O terciário causa lesões no sistema nervoso central e problemas cardiovasculares.

Os testes rápidos de HIV e sífilis, que são feitos a partir de uma gota de sangue da ponta do dedo e levam em média 20 minutos para determinar o resultado, são oferecidos gratuitamente nos postos. O diagnóstico precoce aumenta as chances de cura e reduz as complicações.

Falta medicamento

A sífilis pode ser curada, e o diagnóstico precoce diminui as chances de consequências graves. São administradas três doses de penicilina benzatina por três semanas. No entanto, algumas unidades de saúde estão sem acesso ao medicamento. Segundo o chefe de Serviço de Infectologia do Hospital Conceição, Breno Riegel Santos, não há outra alternativa com a mesma eficácia.

Avanço da doença pode estar relacionada às múltiplas trocas de parceiros, diz Breno Riegel Santos.

Perda de interesse da indústria

A técnica responsável pelas doenças crônicas da Coordenadoria-Geral de Vigilância em Saúde. Lisiane Morelia Acosta, garante que em Porto Alegre não há falta de penicilina benzatina, utilizada no tratamento da sífilis. “Recebemos o antibiótico, mas o fornecimento é uma preocupação em todo o mundo, pois o medicamento é barato e as indústrias estão perdendo o interesse em produzi-lo”, explica.

Capital teve 1,4 mil casos

A capital gaúcha registra números elevados de sífilis. No ano passado, foram 1.439 casos em adultos, sendo 898 homens e 541 mulheres. Os diagnósticos para o sexo feminino estão aumentando, e a preocupação dos órgãos de saúde está relacionada às situações de gravidez. Em 2014, forma confirmadas 257 infectadas, o que representa 3,5% das gestantes porto-alegrenses.

Os casos de sífilis congênita (quando a mãe infectada passa a doença para o bebê através da placenta) foram 407 no ano passado. Em 2007, foram 107 diagnósticos. Segundo a técnica responsável pelas doenças crônicas na Equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis da Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde, Lisiane Morelia Acosta, o maior número indica o avanço da doença, mas também corresponde ao período em que o município mudou a concepção de dados para melhorar a informação disponível. Além disso, o teste rápido passou a ser disponibilizado na rede pública em 2011.

A taxa de incidência da congênita era de seis diagnósticos a cada mil nascidos vivos em 2007. Já no ano passado era de 20 a cada mil, quando a doença foi responsável por 32 mortos. De acordo com Lisiane, 30% das gestantes de Porto Alegre não fazem pré-natal, principalmente as que residem em áreas mais vulneráveis da cidade.

Preocupa transmissão para bebês

O contágio das mulheres pode ter consequências ainda mais graves em casos de gravidez. A sífilis congênita é a grande preocupação dos órgãos ligados à saúde porque a mãe transmite a doença para o filho, podendo causar um aborto, além de cegueira, surdez, deficiência mental e malformações no feto.

A taxa de infecção do filho pela mãe não tratada é de 70% a 100% nas fases primária e secundária, reduzindo-se para 30% nas etapas tardias da infecção materna. Em 2012, 51% das grávidas diagnosticadas tinham entre 20 e 29 anos. A região com maior número de casos foi a do Nordeste, com 1.692, apenas 2m diagnósticos a mais do que na Sudeste. No Sul, foram 490, sendo 306 no Rio Grande do Sul.

O teste da doença é feito durante o pré-natal e em vários momentos de gestação. O chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Conceição, Breno Riegel Santos, defende que o acompanhamento nesse período seja feito também no pai do bebê. A instituição implantou há alguns anos o programa Tri Pai, que disponibiliza testes rápidos. “O pais também tem que fazer os mesmos exames no pré-natal”, recomenda.

Fonte: Correio do Povo, página 18 de 20 de setembro de 2015.

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